POLÍTICA

Grupos evangélicos se mobilizam na eleição para conselhos tutelares

Um ano antes das eleições municipais, movimentos sociais e grupos religiosos disputam conselhos tutelares em todo o país no próximo domingo. Ofensiva evangélica preocupa especialistas
Por Wálmaro Paz / Publicado em 29 de setembro de 2023
Grupos evangélicos se mobilizam na eleição para conselhos tutelares

Foto: César Lopes/PMPA/Arquivo

Eleição para conselhos tutelares de 2019. Votaçãio no Colégio Estadual Júlio de Castilhos, em Porto Alegre

Foto: César Lopes/PMPA/Arquivo

No próximo domingo, 1º de outubro, teremos eleições para os Conselhos Tutelares em 5,5 mil municípios e Distrito Federal em todo país. Os mais de 6 mil Conselhos do país elegerão 30, 5 mil conselheiros que terão como função principal fazer cumprir o Estatuto da Criança e do Adolescente, além de fiscalizar e monitorar entidades de atendimento infanto-juvenil tanto do poder público, quanto da sociedade civil. No entanto, está acontecendo uma disputa das vagas entre os movimentos populares e as igrejas evangélicas neopentecostais como se fosse uma prévia das eleições municipais de 2024. Cada conselho possui 5 membros titulares.

O aparelhamento dos Conselhos por segmentos políticos ligados a igrejas vem sendo feito há alguns anos em todo o Brasil e tem elegido conselheiros doutrinadores de ideologias conservadoras. “Em vez de defenderem os direitos da criança submetem-nas e às comunidades em que vivem a um retrocesso”. A opinião é da doutora Ana Paula Motta Costa, vice-diretora da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e especialista em direito da Criança e do Adolescente.

A ex-deputada Federal Manuela D’Ávila também está alertando aos movimentos populares sobre a extrema direita que se organiza de maneira subterrânea nesta eleição com menos visibilidade. “Porque a partir dessa organização eles dão saltos importantes de relação social organizativa para a eleição municipal do ano que vem”. Porém também porque eles disputam mentes e corações das pessoas sobre quais são os direitos das crianças’.

Ana Paula concorda com Manuela e aprofunda: “este contingente de pessoas ligadas a igrejas evangélicas, está preocupado em reforçar um conservadorismo, um moralismo social em torno das temáticas da família, da criança, enfim daquilo que significa a ponta de um pensamento conservador e de direita que a sociedade brasileira viu florescer no último governo, mas que sempre esteve aí”.

Este ano, somente em Porto Alegre, eles estão distribuindo em seus grupos de redes sociais 62 nomes de candidatos para a disputa das 50 vagas nas dez microrregiões. Em vídeo que circula pelas suas redes sociais, uma pastora insiste para que cada um de seus fiéis consiga pelo menos 20 votos para candidatos de sua lista.  Ela é clara: “os conselheiros tutelares são quem leva aos prefeitos as reivindicações para políticas públicas. Temos que defender os valores morais e da família. A esquerda é maioria em todos os conselhos, temos que tomar estes lugares”.

Grupos evangélicos se mobilizam na eleição para conselhos tutelares

Foto: Pedro Piegas/PMPA

Uma novidade destas eleições de conselhos tutelares é que, pela primeira vez, serão usadas urnas eletrônicas em todo o território nacional. Os equipamentos serão emprestados pelos 27 tribunais regionais eleitorais (TREs).

Foto: Pedro Piegas/PMPA

Diversidade na composição

A educadora social e militante do movimento pela infância, Roberta Sato, explica que o número é determinado para garantir diversidade nos órgãos.

“É um colegiado e isso é muito importante. São cinco exatamente para garantir diversidade, para não ter empate quando a decisão colegiada tratar sobre as questões relativas à violência contra crianças e adolescentes.”

A especialista relata que, nos últimos anos, os conselhos têm presenciado um aumento considerável de pautas conservadoras, inclusive ligadas a igrejas neopentecostais e fundamentalistas.

“Estamos vivendo um momento em que estamos superando ataques à democracia do nosso país e no Conselho Tutelar não é diferente. É muito fundamental participarmos e nos envolvermos nesse processo, porque temos visto um avanço das pautas mais conservadoras de extrema direita também dentro da pauta da criança e do adolescente.”

Roberta Sato afirma que a atuação desses grupos fortalece políticas retrógradas e excludentes nos conselhos, com a justificativa de defesa da família.

“Temos que defender que a atuação do conselho seja baseada na lei, na Constituição Federal e no ECA, não na Bíblia. É essa a importância de participarmos neste momento deste processo.”

Participação dos eleitores

Para Ana Paula, esta é a principal razão da necessidade de participação nas urnas. “É preciso que se elejam representantes da comunidade, lideranças na comunidade que protejam os direitos da criança e que tenham experiência com isso: defender direitos das crianças e dos adolescentes”, explicou.

Conforme a pesquisadora, desde 1990, quando da aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) se previu a abertura dos Conselhos Tutelares como representantes da comunidade.  A advogada adverte que essa eleição ganhou uma importância grande em razão da atual conjuntura política nacional e do quanto as igrejas estão realmente envolvidas e mobilizadas para eleger os seus conselheiros. “E isso não é de hoje, já vinha acontecendo, mas é nesse momento, especialmente, grave que isso venha a se ampliar”.

Ela se preocupa por que não vê entre as pessoas mais esclarecidas mobilização. “Os democratas desde sempre deveriam estar mobilizados para as eleições dos Conselhos Tutelares. Deveriam fazer discussões nas comunidades, nas vizinhanças, deveriam mobilizar pessoas comprometidas com os direitos da Criança e irem votar, já que não podem estar todos os dias defendendo os direitos das crianças”. A especialista, que já foi diretora da FASE durante o governo de Olívio Dutra afirma que “este espaço foi dado para que parte da sociedade acabe se mobilizando em torno dessas questões. Se as entidades religiosas se mobilizam, este é um espaço que também a esquerda e os movimentos populares devem discutir”, concluiu.

As eleições diretas para o Conselho Tutelar ocorrem no dia 1º de outubro das 8h às 17h. Todos os cidadãos que possuem título de eleitor e não têm pendências com a Justiça Eleitoral estão aptos a votar.

Locais de votação

Os locais de votação para conselheiro tutelar não são todos iguais aos das eleições gerais. Como se trata de um processo menor, as zonas eleitorais foram agrupadas. As consultas sobre o local de votação e os candidatos podem ser feitas junto ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de sua cidade. Os eleitores também podem procurar diretamente a prefeitura de seu município para obter essas informações. Para os eleitores do Distrito Federal, os locais de votação podem ser consultados no site do Tribunal Regional Eleitoral.

Esta semana, a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNDCA), vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, expediu ofício recomendando que todos municípios disponibilizem transporte público gratuito para a eleição dos novos conselheiros tutelares. A recomendação solicita também que o serviço seja mantido em níveis normais, assim como dos dias de semana, na quantidade e frequência necessárias ao deslocamento dos eleitores, na data do pleito.

A eleição para o Conselho Tutelar acontece sob a responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de cada cidade, com a fiscalização do Ministério Público, em conformidade com o artigo 139 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990). Não cabe ao TSE nem fiscalizar o pleito, nem totalizar os votos. A totalização dos votos é de total responsabilidade das Comissões Especiais encarregadas de realizar o processo de escolha dos conselheiros.

Quem pode votar para conselhos tutelares

Eleitores que estão em situação regular na Justiça Eleitoral podem votar normalmente. Para exercer esse direito, basta se apresentar com CPF, documento original com foto (físico ou eletrônico) e comprovante de residência. Jovens entre 16 e 17 anos também podem votar. Para isso, os mesmos documentos precisam ser apresentados, com o comprovante de residência associado ao nome dos pais ou responsáveis legais.

Comentários