AMBIENTE

Hidrelétricas ameaçam Rio Pelotas

Por Grazieli Gotardo / Publicado em 30 de junho de 2011

A construção de mais hidrelétricas no Rio Pelotas-Uruguai, projeto considerado prioritário para o governo, via Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), está sendo acompanhada pelo Ministério Público Federal (MPF). Quatro inquéritos civis públicos tramitam na Procuradoria Regional de Caxias do Sul e cobram itens do Termo de Compromisso da Hidrelétrica de Barra Grande, entre os municípios de Anita Garibaldi-SC e Pinhal da Serra-RS, que completou cinco anos em 2010 e permanece com muitas pendências não cumpridas pelo consórcio Baesa – Energética Barra Grande S/A.

Trecho do Rio Pelotas que ficará submerso abriga espécies ameaçadas

Foto: Cristiano Hickel/divulgação

Trecho do Rio Pelotas que ficará submerso abriga espécies ameaçadas

Foto: Cristiano Hickel/divulgação

Enquanto isso, a licença para a construção da hidrelétrica de Pai Querê, no mesmo rio, entre os municípios de Bom Jesus-RS e Lages-SC, pode sair ainda este ano, já que o Ibama solicitou complementos ao último Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima), que estão sendo providenciados pelo Consórcio Cepaq (Alcoa, Votorantin e DME Energia), responsável pela obra. Nem mesmo o tombamento do Passo de Santa Vitória, na divisa do RS e SC, como Patrimônio Histórico e Cultural por dois decretos municipais, impedirá a construção. Pelo menos é o que afirma a procuradora da República em Caxias do Sul, Luciana Guarnieri, ao antecipar que o novo EIA-Rima “prevê medidas compensatórias ao tombamento”.

A situação de Pai Querê vem se arrastando desde 2002 e, se construída, será a quinta hidrelétrica instalada no Rio Pelotas. Dois estudos anteriores (EIA-Rima) já foram negados pelo Ibama por estarem incompletos. No último, entregue em junho de 2010, o instituto apontou nada menos que 34 inconformidades, entre elas, a ausência de alternativas tecnológicas e locais, falta de prognóstico da região com e sem o empreendimento, além de inadequação da linguagem, ausência de mapas apropriados e outros itens. Projeto prioritário PAC, no âmbito de geração de energia para o país, Pai Querê tem investimentos projetados de R$ 1 bilhão e geração de cerca de 2 mil empregos diretos e 6 mil indiretos, além de produzir 292 megawatts, energia suficiente para abastecer 800 mil residências.

Para Paulo Brack, professor da Ufrgs e integrante da ONG Ingá Estudos Ambientais, a liberação de Pai Querê “decreta a morte do Rio Pelotas e também é um ato contra a Constituição Federal, que não permite a extinção de espécies”. A região abriga os últimos remanescentes da Mata Atlântica, sendo considerada Núcleo de Reserva da Biosfera pela Unesco, abrigando grande número de espécies raras e ameaçadas de extinção. Também é apontada pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) como área de extrema importância biológica. Brack informa que existem informações suficientes para garantir que peixes e plantas serão extintos com a barragem. “O que vai sobrar do Rio Pelotas-Uruguai? O MP tem que cobrar do governo federal que é inviável a construção de dez hidrelétricas em sequência”, destaca o professor. E acrescenta: “O governo tem uma dívida grande com o RS e SC por ter deixado engavetado o projeto da criação de um corredor ecológico”, denuncia. Uma nova expedição à área da Usina deve ser feita ainda este ano pelos ambientalistas, que devem também convidar integrantes do Ministério Público Federal.

MPF acompanha licenciamentos

Os empreendimentos previstos para o Rio Pelotas estão sendo acompanhados pelo MPF na busca da regularidade dos licenciamentos ambientais. É o que informa a procuradora da República, dra. Luciana Guarnieri, de Caxias do Sul. “É de ressaltar que o rio já tem mais de 500 km de barramento, sendo preocupante a instalação de novos empreendimentos para a sobrevivência do mesmo e de espécies, algumas endêmicas”, destaca a procuradora. Com relação à UHE Pai Querê, tramita na Procuradoria de Caxias Inquérito Civil Público que vem sendo protelado devido às pendências do EIA-Rima.

Quanto à UHE Barra Grande, quatro inquéritos civis públicos cobram a implantação do Plano de Desenvolvimento Regional, do Plano de Uso do Entorno do Reservatório, da Unidade de Proteção Ambiental (Corredor Ecológico) e o compromisso de aquisição da área para implantação de Unidade de Conservação em Santa Catarina, ainda não cumpridos. Encontram-se ainda em acompanhamento pelo MPF os estudos da Avaliação Ambiental Integrada da Bacia do Rio Uruguai e os trabalhos de demarcação das áreas comuns (reserva legal e áreas verdes).

Pai Querê atingirá área tombada

Em Bom Jesus, o Decreto Municipal nº 3.248, de 20 de abril de 1994, tombou como patrimônio histórico e cultural do município local que será alagado com a construção da hidrelétrica de Pai Querê. Em Lages (SC), o Decreto 3.782, de 21 de outubro de 1993, protege legalmente a área devido à importância dos caminhos das tropas para formação dos municípios. O Passo de Santa Vitória, na divisa dos dois estados, era o local de travessia dos tropeiros no século 19 e foi palco da Revolução Farroupilha com o combate de Santa Vitória, em 1839, com a presença de Anita Garibaldi lutando para derrubar as forças do império. A procuradora Luciana informa que o novo EIA-Rima de Pai Querê prevê medidas compensatórias que estão sendo tratadas com o Instituto de Patrimônio Histórico e Natural – Iphan, já que foram encontrados 228 sítios arqueológicos nos três municípios da área de influência direta, sendo 60 na área diretamente afetada. Tobias Vilhena de Moraes, arqueólogo do Iphan/RS, confirma o alto potencial cultural da região devido aos inúmeros sítios arqueológicos e pré-históricos. Segundo ele, o papel do Iphan nesse processo é “solicitar as medidas necessárias para a preservação e valorização do patrimônio cultural da região”, porém, não houve resposta objetiva quanto a que tipo de medidas poderia compensar a perda de área em questão.

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