AMBIENTE

Feiras ecológicas de Porto Alegre têm autonomia ameaçada por Lei do Executivo

Tramita na Câmara dos Vereadores Projeto de Lei do Executivo que interfere na gestão das feiras ecológicas, privilegia decisões por decretos e ignora tradição democrática daqueles espaços
Por Sílvia Marcuzzo / Publicado em 3 de novembro de 2023
Interferência da Prefeitura ameaça autonomia das feiras ecológicas de Porto Alegre

Foto: Igor Sperotto/Arquivo Extra Classe

Feiras ecológicas, como a do Bonfim, uma das mais tradicionais da cidade, poderão ter  seus perfis modificados caso o PL do Executivo passe na Câmara de Vereadores

Foto: Igor Sperotto/Arquivo Extra Classe

Uma das principais singularidades de Porto Alegre, as feiras ecológicas, estão a caminho de se tornarem menos ecológicas e mais voltadas ao mercado convencional de hortigrangeiros. Esses espaços, que foram construídos ao longo de mais de 30 anos, têm como principal objetivo a difusão da cultura da alimentação saudável e da agroecologia. Estima-se que transitem por semana 30 mil pessoas nas feiras da cidade.

A atual administração do município pretende alterar vários pontos do funcionamento desses espaços privilegiando produtores e fornecedores de Porto Alegre. O Projeto de Lei 037/23  assinado pelo prefeito Sebastião Melo está tramitando na Câmara de Vereadores prevê que a Secretaria de Governança Local e Coordenação Política (SMGOV) regule as Feiras Ecológicas realizadas nos espaços públicos do município.

O PL do Executivo foi protocolado em 19 de outubro na Câmara Municipal da Capital. Em breve, será divulgada a data de uma audiência pública, a ser realizada antes da votação do projeto.

A proposta da prefeitura retira a autonomia da gestão de sete Feiras Ecológicas: Feira de Agricultores Ecologistas (FAE) José Bonifácio, quadra 1, Feira Ecológica do Bom Fim, José Bonifácio quadra 2, Tristeza, Três Figueiras, Auxiliadora, Rômulo Telles e Park Lindóia.

A assessoria de imprensa da Secretaria de Governança informa que a prefeitura quer fomentar o desenvolvimento rural e atingir o que determina a lei zero agrotóxicos até 2032. “Todos os feirantes que têm o alvará têm sua permanência garantida na lei. E seguirão podendo participar de futuros editais, com prioridade para Porto Alegre, Região Metropolitana e Interior, nesta ordem”.

Conforme Iliete Aparecida Citadin, coordenadora do Conselho das Feiras Ecológicas de Porto Alegre, há vários problemas no texto proposto. “Passaremos a ser subalternos ao governo, há vários artigos que se contradizem e os encaminhamentos importantes serão feitos por decretos, gerando insegurança jurídica,” argumenta Iliete.

Segundo ela, o PL acaba com a concepção participativa, popular, democrática, onde a venda de orgânico era uma consequência da relação entre os produtores e consumidores. A variedade de produtos, por exemplo, só é possível porque vêm agricultores de outros municípios. Os da Capital não dispõem de produção diversificada.

Iliete comenta que o debate sobre uma lei sobre as feiras vem ocorrendo desde 2010, mas que na atual administração “está tendo problemas sérios de entendimento, pois quererem tutelar os movimentos sociais”. Houve várias tentativas de diálogo com a SMGOV. Os participantes do Conselho das Feiras se reuniram com o prefeito Sebastião Melo e saíram com a promessa de avaliação e de participação para os próximos passos do PL. Só que o a proposta acabou indo para o legislativo sem considerar o que havia sido acordado.

Heverton Lacerda, que integra a comissão da Feira de Agricultores Ecologistas (FAE) como representante dos consumidores, diz que o PL fragiliza a atuação das comissões das feiras. Atualmente, o grupo – quatro agricultores e um consumidor – se reúne todos os sábados e uma vez por mês tomam decisões. Com o PL, segundo ele, as comissões passariam apenas a ser informadas pelas decisões. A FAE é a primeira feira ecológica do país, em funcionamento dede 1989.

Lacerda, como presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), teme que a defesa dos princípios da ecologia esteja em risco. Ele entende que a história de construção desses espaços precisa ser respeitada, pois envolve uma série de conceitos socioambientais que estão ausentes no PL. “Como podem colocar o termo ecológico se não sabem o que é ser ecológico?” indaga.

 

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