AMBIENTE

Mineradoras usam terrorismo de barragens para controlar regiões, diz estudo

Pesquisador da Unicamp investiga como empresas mineradoras em conluio com o Estado usam alertas contra desastres para expulsar moradores de suas casas
Por César Fraga / Publicado em 12 de abril de 2024
Mineradoras usam terrorismo de barragens para controlar regiões, diz estudo

Foto: Corpo de Bombeiros - MG/Divulgação

O rompimento da barragem de Brumadinho (MG), matou 272 pessoas e resultou em um dos maiores desastres ambientais do país. Depois disso, as mineradoras aproveitaram o medo entre as populações de áreas de exploração para promover o terror e a evacuação voluntária em áreas de interesse das empresas

Foto: Corpo de Bombeiros - MG/Divulgação

Uma pesquisa realizada na Unicamp para investigar as relações existentes entre as empresas de mineração e órgãos estatais, aponta a estratégia das mineradoras para ampliar seu controle sobre as regiões polo uso do medo de desastres e pelo terror, o que acaba indiretamente expulsando moradores de suas casas e liberando territórios para exploração.

Em 25 de janeiro de 2019, por exemplo, o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, da empresa Vale, em Brumadinho (MG), matou 272 pessoas e resultou em um dos maiores desastres ambientais do país.

Duas semanas depois, moradores das comunidades de Socorro, Tabuleiro, Piteiras e Vila do Congo, próximas a Barão de Cocais, foram surpreendidos, no meio da madrugada, por sirenes alertando para o risco de rompimento da Barragem Sul Superior da Mina Gongo Soco, também da Vale, o que obrigou essas pessoas a deixarem suas residências. Naquele mesmo dia e nos dias seguintes, o cenário se repetiu em outras comunidades do entorno de barragens semelhantes.

Eventos como esses foram analisados pelo pesquisador Daniel Neri. Segundo ele, as empresas se aproveitaram da atmosfera de medo instalado por desastres anteriores e, articuladas com o poder público, provocam a remoção de moradores.

A tese de Neri  foi defendida no Programa de Pós-Graduação em Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências (IG), contou com a orientação da professora Rosana Corazza.

Fragilização da política ambiental

A decisão de estudar os conflitos socioambientais decorrentes da mineração foi motivada pela relação pessoal do pesquisador com o tema.

Neri conhece pessoas que sofreram prejuízos devido ao rompimento de uma barragem em Mariana, ocorrido em 5 de novembro de 2015.

Segundo ele, o desastre em Brumadinho e seus eventos subsequentes reforçaram seu desejo de investigar o fenômeno. “O rompimento da barragem de Brumadinho tem a ver com o processo de fragilização da política ambiental”, diz.

O método de investigação usada na pesquisa, foi a crítica marxista da economia política. “Precisamos fazer uma análise do capitalismo que leve em conta as estratégias de sucesso na acumulação de patrimônio pelas grandes empresas mineradoras.”

Neri define o fenômeno como “terrorismo de barragens”. Segundo ele, a expressão surgiu a partir de publicações feitas em meio ao Projeto Manuelzão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que atua na bacia hidrográfica do Rio das Velhas.

A área abrange o quadrilátero ferrífero do Estado, uma zona que concentra 61% do minério de ferro bruto do país. O termo faz referência aos relatos de moradores sobre o uso do medo como ferramenta para afastá-los de áreas de interesse das mineradoras.

Conforme a pesquisa, o processo de fragilização das políticas ambientais intensificou-se após o desastre em Mariana. Em 2016, alegando haver a necessidade de um maior cuidado com os licenciamentos ambientais, o governo de Minas Gerais instituiu a Superintendência de Projetos Prioritários (Suppri).

Neri afirma que esse órgão, porém, nasceu para agilizar esses processos e diminuir as exigências envolvidas. “Isso se traduziu em uma carta branca para aprovar qualquer licenciamento, independentemente do porte e do dano material associado. E quem fez isso foi o então governador Fernando Pimentel, do Partido dos Trabalhadores (PT).” Os números compilados pelo pesquisador mostram, no entanto, que a tendência de flexibilização é ainda mais antiga.

Títulos de para extração mineral cresceram nas últimas décadas

Entre 1935 e 1999, foram emitidos 5.209 títulos de requerimento para extração mineral em Minas Gerais. Já entre 2000 e 2022, o número subiu para 40.582. “Não se trata de uma articulação partidária ou de algo restrito a um grupo de pessoas, mas da forma política sobre a qual se assentam as condições de acumulação capitalista.”

De acordo com a tese, após o desastre de Brumadinho, houve um esforço do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) para proibir novos alteamentos – processo de crescimento das barragens pelo acúmulo de rejeitos sólidos – e para determinar a realização de vistorias nas estruturas existentes. A isso, seguiu-se o anúncio, por parte da Vale, sobre o cancelamento das operações em barragens consideradas de risco.

Contudo, ao verificar documentos emitidos pela Polícia Federal, Neri descobriu que as barragens descontinuadas não apresentavam risco e que o nível de emergência relativo à desocupação dos locais havia sido baixado de 3 para 2. “Essa é uma clara evidência de uma articulação entre as empresas e o poder público do Estado”, conclui.

O pesquisador argumenta que o movimento vai ao encontro do projeto de mineração Apolo, que visa instalar uma área de extração entre as cidades de Caeté e Santa Bárbara e que sofria entraves quanto ao licenciamento ambiental por afetar o Parque Nacional da Serra do Gandarela.

“Essa é uma área caríssima em termos de recursos hídricos, biodiversidade, transição da mata atlântica para o cerrado”, afirma Neri.

Segundo informações divulgadas pela Vale, uma nova versão do projeto está em processo de licenciamento. De acordo com a empresa, essa nova iniciativa não prevê a construção de barragens e nem adentra os limites do parque.

“A tese mostra que, mesmo sem o devido processo de licenciamento ambiental, a empresa vem se articulando para minerar a região, e o terrorismo de barragens faz parte desse processo”, sustenta Neri.

“Ninguém bebe minério”, diz pesquisador

Em fevereiro de 2021, a Justiça de Minas Gerais homologou um acordo judicial com a Vale para o pagamento de indenizações pelo desastre de Brumadinho no valor de R$ 37,7 bilhões. A empresa também foi denun- ciada pelo Ministério Público Federal (MPF), junto com a subsidiária alemã Tüv Süd, por crimes ambientais. Além disso, 16 membros das empresas foram denuncia- dos pela morte das 272 pessoas. Até o momento, porém, não há previsão para o julgamento do caso. A Vale informa que 68% do valor do acordo já foi pago e que 15.400 pessoas fecharam acordos individuais de indenização.

Na perspectiva de Neri, medidas com vistas a evitar novos desastres não funcionarão se não implicarem mudanças estruturais. “Não precisamos de novas minas. Todo ferro e todo aço que temos em forma de sucata seriam suficientes para mantermos a produção de mercadorias. Mas isso não garante a taxa média de lucro da qual o capitalismo não abre mão”, explica.

O pesquisador ainda alerta que atividades como a mineração podem comprometer as bacias hidrográficas da região, afetando o abastecimento de água. “O aquífero da Serra da Gandarela é uma caixa d’água que pode ajudar a Grande Belo Horizonte. Não se trata apenas de ecologismo. Trata-se de uma luta por sobrevivência. Temos que lembrar às pessoas que ninguém bebe minério.”

* Com informações do Jornal da Unicamp

Comentários