CULTURA

A história de Azelene

Romance de Maria Tomaselli transita entre a ficção e a realidade para mostrar como vivem detentas do regime semiaberto
Por Gilson Camargo / Publicado em 5 de agosto de 2019
Maria Tomaselli narra a história de uma personagem real, dividida entre a maternidade, o cárcere e o trabalho: "todos poderíamos ser Azelene"

Foto: Otávio Teixeira/ Divulgação

Maria Tomaselli narra a história de uma personagem real, dividida entre a maternidade, o cárcere e o trabalho: “todos poderíamos ser Azelene”

Foto: Otávio Teixeira/ Divulgação

O Brasil tem uma das maiores populações carcerárias femininas do mundo, e as prisões relacionadas ao tráfico de drogas correspondem à maior parte delas. Em um estudo de 2018, a Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (Dapp/FGV) com dados sobre essas prisões e mostrou que, entre 2000 e 2016, o contingente de mulheres presas cresceu 567%. Se considerados dados atualizados até 2018, o aumento se aproxima de 700%.

É um sistema desumano com os jovens, que mantém mais de 40% das pessoas presas sem julgamento, majoritariamente negros, mas essa realidade é especialmente cruel com as mulheres, porque incorre em violações específicas, que vão desde o constrangimento das revistas íntimas à negação do acesso ao corpo, à maternidade, à higiene e ao tratamento de saúde básica. Em 2016, as prisões brasileiras abrigavam 42.355 mulheres. Quando analisada a incidência de prisões para cada 100 mil mulheres, o Brasil chega a 40,6, relação que perde apenas para Estados Unidos (65,7) e Tailândia (60,1). Segundo a pesquisa, 62% das prisões de mulheres no Brasil estão relacionadas ao tráfico de drogas, enquanto, no caso dos homens, o percentual cai para 26%.

“As mulheres muitas vezes são forçadas pelos companheiros a entrarem nesse mundo da droga, para protegê-los, guardar e esconder coisas, camuflar situações, driblar a polícia etc., e muitos homens entram na droga por falta de emprego e educação, por falta de meios de sustento das mulheres e dos filhos. É tudo um grande círculo vicioso. O rapaz não estuda, porque não tem pai e a mãe trabalha fora, por isso não acha emprego, aí fabrica um filho, se manda, é cobrado pela justiça a pagar alimentos, não sabe o que fazer, entra na droga, as mulheres ajudam de uma ou outra maneira para garantir o dinheiro dos filhos e muitas vezes são presas junto”, avalia a artista visual Maria Tomaselli, autora do romance Ela se chama Azelene (Libretos, 232 p.), que será lançado nesta terça-feira, 6, a partir das 19h, na livraria PocketStore (Rua Félix da Cunha, 1167), em Porto Alegre.

Embora não se trate de um livro sobre prisões, ao narrar o cotidiano da presidiária do regime semiaberto que dá nome à história, a autora transita entre a ficção e a realidade para expor o que acontece atrás das grades. A narrativa se estrutura a partir dos diálogos e do choque entre as realidades de Azelene, presa por tráfico que passa as noites no presídio e trabalha como empregada doméstica durante o dia; e de sua patroa, Karolline Santiago. “Maria Tomaselli escreve como quem filma, fotografa, pinta frações da realidade que ouve, vê, fala e que, afinal, motivam o que sente. Os atores importam, riem e sofrem. O cenário é transitório. Indiferente. Fixo. Pictórico”, anota o músico e escritor Arnaldo Sisson no prefácio. “Elas São inocentes, sim, sem serem. Um sofisma”, relata a autora nesta breve entrevista.

Extra Classe – Por que um romance sobre uma detenta do regime semiaberto? Qual foi a sua motivação?
Maria Tomaselli – Um dia entrei num ônibus e sentei ao lado de uma moça em cuja perna vi por um minuto, antes que ela a tapasse melhor, uma tornozeleira eletrônica. A moça viu que eu a vi, e começou a me contar que agora estava melhor, porque podia dormir em casa, mas no semiaberto estava brabo… e começou a me contar.

 

Imagem: Reprodução

Imagem: Reprodução

EC – A narrativa transita entre a ficção e a realidade, mas a história tem conexão com uma história real?
Tomaselli – Eu criei então uma história fictícia, mas com elementos verdadeiros, fora do presídio é invenção, dentro baseado no que ela me contou.

EC – Quem é Azelene?
Tomaselli – Criada, inventada, mas todos poderíamos ser Azelene.

EC – Ela é inocente?
Tomaselli – Em certo sentido, sim, em outro, talvez não totalmente.

EC – Há 40 anos, a senhora acompanhou o artista plástico Iberê Camargo em aulas de pintura para os detentos do Presídio Central, em Porto Alegre. Qual a relação?
Tomaselli – Sem referências diretas com Azelene, apenas o clima geral da injustiça, dos maus tratos, da insegurança jurídica, das dificuldades em conseguir tratamento de saúde.

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