EDUCAÇÃO

Cientistas criticam fim de instrumentos para a pesquisa

Sandra Hahn / Publicado em 25 de agosto de 1999

Reunidos em Porto Alegre para o Congresso da SBPC, especialistas de todod o país condenarasm a política oficial de financiamento

O ex-ministro de Ciência e Tecnologia Bresser Pereira nem teve tempo de receber a reprimenda da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) enquanto estava no cargo. Substituído por Ronaldo Sardemberg na reforma ministerial de julho, Bresser mereceu uma moção de repúdio veemente dos cientistas (incluindo uma sonora vaia) reunidos em Porto Alegre na 51a Reunião Anual da entidade, no início de julho, por causa das suas “desastrosas declarações”.

Bresser disse que seria desperdício colocar dinheiro nas pesquisas feitas na região Nordeste. Reunidos em assembléia, os integrantes da SBPC consideraram a posição “discriminatória” e aprovaram com aplausos a proposta de repúdio ao ministro. A assembléia decidiu também mandar uma nota para a governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL), criticando sua decisão de fechar a Fundação de Amparo à Pesquisa do Maranhão (Fapema). Para os cientistas, a ação de Roseana pode se tornar “um mau exemplo” para as fundações de outros estados brasileiros.

A SBPC atacou ainda, na sua reunião anual, a extinção do Programa Especial de Treinamento (PET) da Capes, que deverá terminar em dezembro,e aprovou moções a favor do Centro de Ciência do Rio Grande do Sul (Cecirs) e dos institutos de pesquisa do Ministério de Ciência e Tecnologia.

Centralizada no tema Mercosul, a 51ª Reunião Anual foi realizada entre 11 e 16 de julho no campus da PUC. Apesar da proposta principal, os transgênicos acabaram dominando os debates no evento, com conferências lotadas e filas de espera para ocupar os lugares disponíveis. A SBPC já tinha posição definida sobre o assunto, defendendo a pesquisa e pedindo o adiamento da liberação comercial dos produtos com essa tecnologia.

A nova presidente da SBPC, a bioquímica Glaci Zancan, foi empossada durante a reunião na capital gaúcha e deverá ficar no cargo até julho de 2001. No próximo ano, os cientistas estarão concentrados na Universidade de Brasília (UnB) entre 9 e 14 de julho para a 52ª edição de seu encontro anual.
O Extra Classe acompanhou a reunião e faz um balanço com os principais temas em debate:

Sociedade

Violência cria guetos nas cidades

Os jovens de Fortaleza (CE) têm medo de se deslocar entre o centro e a periferia da cidade. Ou seriam os jovens de todo o país? O professor César Barreira, da Universidade Federal do Ceará, sabe que, pelo menos na capital cearense, essa frase é correta. Ele pesquisou os discursos de jovens, educadores e pais sobre violência e cidadania em Fortaleza e encontrou linhas imaginárias dividindo o espaço urbano.

A passagem de um ponto a outro significa “entrar em um mundo desconhecido” na percepção dos jovens entrevistados, observou Barreira durante a 51ª Reunião Anual da SBPC. Nos questionários, aplicados entre novembro de 1998 e março de 1999, a violência assume significados diferentes Extra Classe 18 Agosto de 1999 entre as áreas e classes sociais da cidade.

Os jovens das classes média e alta do centro consideram que a ida à periferia é como “caminhar com o medo de uma violência difusa”, gerada por assaltos e assassinatos. Os entrevistados de classes pobres da periferia dizem que sair do bairro é enfrentar o perigo da disputa com outras turmas e a violência policial.

“As origens sociais delimitam a mobilidade nos espaços físicos”, afirmou Barreira. Até mesmo na praia, tida como um espaço universal e democrático pelos jovens da cidade, há divisão dos territórios a serem ocupados por pobres e ricos. “Em princípio, nem todos podem ou devem freqüentar os mesmos espaços”, acrescentou.

Economia

Mercosul excluiu trabalhadores

Nas negociações para a formação do Mercado Comum do Sul (Mercosul), os trabalhadores tiveram pouca ou nenhuma voz. Quase ignorados nos anos 80, nesta década eles conquistaram quatro espaços de manifestação, conforme o professor Yves Chaloult, da Universidade de Brasília (UnB). Apesar do avanço, as falhas estruturais produziram “um profundo déficit democrático social que precisa ser recuperado”.

Em conferência durante a 51ª Reunião Anual da SBPC, quando discutiu a dimensão social do Mercosul, Chaloult disse que a criação do Fórum Consultivo Econômico e Social, em 1994, foi até agora a principal conquista dos trabalhadores. Sua composição varia entre os quatro países do bloco. No Brasil, abriga as centrais sindicais, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e a SBPC. Mesmo tendo caráter consultivo, Chaloult acredita que o fórum poderá levar as reivindicações consensuais de seus integrantes às instâncias decisórias do Mercosul (formado pelo Brasil, Uruguai, Argentina e Paraguai).

Aliado ao fórum, os organismos sociais podem comemorar outros três pontos de abertura para a participação da sociedade: a criação da Comissão Sócio-laboral, a admissão dos trabalhadores no Sub-grupo 10 e a formação do chamado Observatório. A comissão foi o primeiro órgão tripartite a surgir no Mercosul, em março deste ano. Vinculado a isso, Chaloult ressalta a assinatura do contrato coletivo de trabalho em 16 de abril de 1999 entre os metalúrgicos brasileiros e trabalhadores da Volkswagen Argentina, envolvendo 32 mil funcionários. O contrato determina que a empresa forneça dados sobre suas atividades, privilegie negociações diretas e reconheça o direito dos empregados a organizarem-se sindicalmente em comissões de fábrica.

Ainda em fase inicial, o Observatório, por sua vez, vai pesquisar a legislação, o mercado de trabalho e o desemprego na região para propor políticas comuns de emprego. “Não podemos nos afastar nem ter medo de sujar as mãos. Os espaços não são grandes, mas as forças democráticas devem se unir”, recomendou Chaloult.

Coordenador do Núcleo de Estudos do Mercosul na UnB, Alcides Costa Vaz fez uma previsão sobre o futuro do bloco em sua palestra na reunião da SBPC. “O Mercosul está destinado a se desdobrar em duas frentes: a dos governos e grandes empresas e a dos atores sindicais.” Para ele, os trabalhadores vão dar substância à integração que os Estados planejaram. “Por aí, teremos um Mercosul legítimo e talvez mais democrático”, afirmou.

Uma forma de socializar o debate sobre o Mercosul é incluir o assunto nos currículos escolares, sugeriu Vaz. Para auxiliar professores e pesquisadores a acompanhar o assunto, a PUC de Minas Gerais formou um banco de dados com eventos da comunidade acadêmica nos quatro países. As informações estão disponíveis na página da instituição na Internet, que fica no endereço www.pucminas.br na seção Mercosul.

Ciência

Pesquisadores não eliminam dúvidas sobre transgênicos

O debate está dividido: entre os que são a favor ou contra os transgênicos. Em vez de oferecer um mero sim ou não aos produtos – posição que foi cobrada pela platéia -, os conferencistas da 51ª Reunião Anual da SBPC demonstraram que a resposta a esta polêmica não é tão objetiva.

As plantas transgênicas são bem mais antigas do que se pensa. As primeiras surgiram em 1983. O melhoramento genético tem origem ainda mais distante. Começou há 200 anos com a beterraba, conforme a pesquisadora da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), Maria Irene Baggio.

Nos últimos anos, as possibilidades de manipulação genética avançaram radicalmente, a ponto de gerar plantas resistentes a determinados agrotóxicos – caso da soja transgênica desenvolvida pela multinacional Monsanto. Impedir o plantio e a venda destes produtos, como quer o governo gaúcho, pode ser uma tarefa cada vez mais difícil.

Até 1995, 56 espécies geneticamente alteradas já tinham sido cultivadas em dezenas depaíses. Nosso parceiro de Mercosul, a Argentina, é um importante produtor mundial da soja modificada. Para Maria Irene, “o foco do problema deve ser colocado nas questões econômicas”.

Por causa deste avanço comercial, a presidente da SBPC, Glaci Zancan, defendeu a colocação de rótulo nos transgênicos. Para ela, esta é a única forma de reverter eventuais danos à saúde de consumidores que possam surgir no futuro. A liberação comercial será definida pelos governos, que sofrem pressões organizadas. Os donos da tecnologia querem vender seu produto. Os ecologistas pretendem proibí-los. E os cientistas pedem mais tempo para pesquisá-los.

Aparentemente, não haverá, no futuro imediato, uma garantia definitiva contra os riscos dos transgênicos à saúde. O geneticista Flávio Lewgoy deixou uma observação inquietante ao final de um dos debates na SBPC. Lewgoy lembrou que o episódio da doença da vaca louca gerou desconfiança sobre o pronunciamento dos cientistas. Eles garantiram que ela não atingiria os humanos. Atingiu.

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