EDUCAÇÃO

EaD fora de controle

Stela Rosa / Publicado em 30 de janeiro de 2006

Mesmo sem estatísticas oficiais, a modalidade de Educação a Distância (EaD) é a que mais cresce no país, segundo o jornalista Fábio Sanchez, coordenador da equipe que organizou o Anuário Brasileiro Estatístico de Educação Aberta e a Distância 2005, primeira publicação a levantar dados sobre a EaD. Só para se ter uma idéia, pelo menos 1.137.908 pessoas optaram por realizar um curso não-presencial em 2004. No que se refere ao Ensino Superior, o crescimento foi de 100%, saltando de 76.769 matrículas para 159.366, entre 2003 e 2004. As informações da publicação foram colhidas entre 62 instituições, o que corresponde a 37% das 166 instituições de EaD credenciadas oficialmente. “É uma amostra representativa, porque elas educam 64% do total de alunos”, diz Sanchez. Graduação e pós, Educação de Jovens e Adultos (EJA) e cursos técnicos são os principais segmentos, sendo os dois primeiros credenciados pelo Conselho Nacional de Educação e autorizados pelo Ministério da Educação; e os demais, pelos Conselhos Estaduais de Educação.

No Rio Grande do Sul, a EaD tem crescido de forma exponencial e ampliado o acesso a cursos a milhares de pessoas; por outro, brechas na legislação e a falta de fiscalização têm propiciado a atuação de instituições, principalmente de outros estados, com idoneidade duvidosa. Tais estabelecimentos entram no mercado com ampla oferta de cursos, a preços acessíveis, mas sem oferecer nem mesmo infra-estrutura adequada. Em Porto Alegre, em apenas uma sala com uma TV para transmissão, um computador e telefone, local onde também funciona, sem divisórias, um departamento de vendas e a secretaria da instituição, serão ministrados nada menos do que cinco cursos de graduação e 10 de pós a partir de 2006, de acordo com panfleto da Educon, de Curitiba, credenciada pelo MEC. Ela atua na capital gaúcha em parceria com o Instituto Brasileiro de Ciências, Educação e Tecnologia (IBCT) e também tem convênios com a Faculdade da Lapa e a Universidade dos Tocantins, que certificam os cursos de graduação. O espaço oferecido aos gaúchos consta no site, na internet, em www.educon.com.br como um dos Centros Associados, mesmo sem dispor da estrutura mínima exigida pela Educon: duas TVs, de no mínimo 29 polegadas, dois computadores conectados à internet, laboratório de informática e biblioteca. Em entrevista por telefone, o diretor de ensino, que mora em Curitiba, e também sócio da IBCT, Reginaldo Daniel Silveira, disse que as instalações eram provisórias, mas já com a pós-MBA Executivo em Gestão Empresarial e Estratégia em andamento. Além disso, nossa reportagem constatou a impossibilidade de instalar laboratório e biblioteca, por falta de área livre.

Já as irregularidades da EJA têm chamado a atenção do Procon-RS, que recebe denúncias contra as instituições, tanto as que ofertam a distância quanto as presenciais. Somente este ano, mais de 300 queixas foram registradas no órgão, e diariamente cerca de 10 pessoas buscam informações sobre estabelecimentos suspeitos. Em relação à EaD, a maioria das reclamações é de escolas de outras capitais. Para a coordenadora da área de ensino do Procon, Loiva Teresinha Serafini, as empresas têm tanta certeza da impunidade que anunciam nos jornais as propostas escusas. “É um caso de polícia, e os mais atingidos são as pessoas que não concluíram o Ensino Básico. E o pior: em vez de aprendizagem, estão comprando apenas o diploma, que por ser de outro Estado nem sempre é aceito aqui”, alerta. Indignada, a coordenadora conta que o chocante é constatar nas audiências que o mais demorado para o consumidor é terminar de pagar a “mercadoria”, geralmente parcelada em 12 meses, do que finalizar o curso. Cláudio Krinske, diretor da Escola Meta, uma das 10 autorizadas a oferecer EJA na modalidade EaD no Estado, explica que a legislação permite, e os Conselhos Estaduais de Educação (CEED) de outros estados autorizam, o funcionamento em todo o território nacional, diferente do órgão gaúcho que restringe aos limites do Estado. Ele ainda destaca a possibilidade de creden-ciamento apenas para fazer exames finais e certificar, manobra que permite a parceria com cursos preparatórios que precisam apenas de alvará. “Isso vira uma verdadeira bagunça”, diz. Ele inclusive relata que recebeu propostas estritamente comerciais para montar cursos de nível superior. “Não falaram em currículo, apenas sobre o valor que eu pagaria por aluno, e que as despesas para a montagem da sala seriam arcadas por mim.”

Fiscalizar é preciso

O Sindicato dos Professores do Ensino Privado (Sinpro/RS) vem alertando para a gravidade da situação já há algum tempo. Em novembro último, o Sindicato realizou um seminário para discutir a questão com coordenadores de EaD de instituições privadas do RS e com o diretor da Secretaria de Políticas de Educação a Distância do MEC, Hélio Chaves Filho. Cecília Farias, diretora da entidade, ressalta que a entidade é favorável à oferta dessa modalidade, uma vez que oportuniza o acesso de jovens e adultos à educação. “Mas, se os estudantes não podem acessar os meios tecnológicos, recursos didáticos, como bibliotecas, laboratórios, o ensino tende a ser protocolar, e a inclusão, apenas um fator de elevação dos índices estatísticos”, pontua a diretora. No que diz respeito ao Ensino Superior, ela avalia que a instituição que oferta na forma presencial é a que tem mais condições de oferecer a distância. “As que só têm cursos a distância, freqüentemente são as mais questionáveis”, frisa. Casos como o da médica Maria Julia Pereira, que se inscreveu em curso de pós-graduação lato sensu de Fitoterapia e acabou no Procon, demonstram a tranqüilidade com que a lei é infringida. Ela desconfiou quando foi convidada a ministrar aulas. Ainda chamou atenção o fato de a maior parte dos alunos não estar ligada à área da saúde. “Eles ainda queriam que eu pagasse taxa de rescisão de contrato”, diz.

Ampliar a fiscalização e traçar diretrizes que regulamentem com mais transparência são ações apontadas como prioritárias para conter o processo de mercantilização.

Para representantes das entidades e das instituições, a sistemática atual de credenciamento é meramente burocrática, com rol de exigências para a autorização do curso, mas sem nenhuma fiscalização posterior. Em função disso, uma das reivindicações defendidas pelo Sinpro/RS, e enviada através de ofício à Secretaria de Educação Superior (Sesu), é que sejam remontadas as Delegacias Regionais, para acompanhar de perto e fiscalizar com agilidade as irregularidades. No entanto, a proposta do MEC é que essa atividade seja desenvolvida em parceria com os Conselhos Estaduais de Educação (CEED) e Secretarias. Atribuição que, segundo a presidente do CEED/RS, Sônia Maria Seadi Veríssimo, é impossível de ser executada. ”Já temos na nossa jurisdição 11 mil escolas, e muitas dificuldades de fiscalizar”, avalia. Para ela, a volta das delegacias do MEC, reivindicação do Sinpro/RS, pode inibir a invasão dos cursos de nível superior não qualificados e que hoje agem livremente. Em relação à EJA, tanto Sonia Veríssimo quanto os proprietários de instituições esperam com ansiedade, há pelo menos dois anos, o decreto que definirá normas mais rígidas, como a necessidade de autorização do Conselho de cada Estado para uma instituição se estabelecer em outro. Para as de Ensino Superior, ao solicitar o creden-ciamento, serão exigidas a previsão das cidades que irão atuar e as parcerias e convênios. O ex-diretor de Políticas de Educação a Distância do MEC, Sergio Franco, acredita que as restrições podem ajudar a inibir, mas acha fundamental a avaliação constante, através de mecanismos como o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade).

Modalidade exige mais tempo do professor

Separando o joio do trigo, instituições e professores estão investindo tempo e recurso para ministrar cursos a distância. Características como flexibilidade de tempo e espaço para que o aluno organize seu horário exigem dos profissionais maior disponibilidade para atender aos estudantes e ferramentas tecnológicas que permitam a interação. De acordo com as coordenadoras da EaD da PUC e Unisinos, Elaine Faria e Susane Garrido, respectivamente, o tempo que o professor que atua nessa modalidade dedica é duas a três vezes maior do que a carga horária contratada. “Nas EaD, os alunos são atendidos individualmente. É comum o professor dedicar uma parte significativa do seu tempo para responder e-mails”, explica Garrido. “Se o profissional for contratado para 30h, precisará em média de 60h a 90h”, acrescenta Elaine. Em função dessas peculiaridades, o Sinpro/RS, durante a reunião com o secretário Hélio Chaves Filho, deliberou também por criar um Grupo de Trabalho (GT) para buscar nas negociações com o Sindicato Patronal cláusulas que garantam a remuneração justa para trabalho dos professores desse segmento. Na Convenção Coletiva de 2006, essas questões já serão negociadas pelo Sinpro/RS.

Comentários