EDUCAÇÃO

Pátria Educadora: concepções em conflito

Publicado em 8 de julho de 2015
Lema do segundo mandato de Dilma Rousseff, questão estratégica para o país, o slogan publicitário é também alvo de críticas dentro e fora nas trincheiras aliadas do governo federal

Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

Lema do segundo mandato de Dilma Rousseff, questão estratégica para o país, o slogan publicitário é também alvo de críticas dentro e fora nas trincheiras aliadas do governo federal

Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

Desde que inaugurou seu segundo mandato em janeiro deste ano que a presidente Dilma Rousseff tenta, em vão, desfazer as desconfianças em torno do lema principal do governo. E nem a escolha de uma autoridade no tema – o professor Renato Janine Ribeiro comanda o Ministério da Educação (MEC) desde o início de abril – serviu para acalmar os ânimos das comunidades educacionais sobre a qualidade da educação no país. Afinal, Brasil, Pátria Educadora é um lema para ser levado a sério ou apenas uma boa frase para propagandas de televisão?

E a principal crítica dos educadores está na estratégia do próprio governo em lidar com o assunto. Coube ao ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da presidência, Otávio Mangabeira Unger, elaborar em abril a minuta do projeto básico do programa – o documento, que ainda está aberto a críticas e sugestões, lançou as bases sobre as políticas de reformulação da educação básica no país sob quatro eixos: organização da cooperação federativa na educação, reorientação do currículo e da maneira de ensinar e aprender, qualificação e valorização de diretores e professores e aproveitamento das novas tecnologias.

Desde então, o conjunto de sugestões batizado como Pátria Educadora: A Qualificação do Ensino Básico como Obra de Construção Nacional tem sido alvo de críticas duras por parte da comunidade escolar. Para a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), a diretriz do programa deveria se concentrar apenas no cumprimento integral da Lei 13.005, que instituiu o Plano Nacional de Educação (PNE) em junho do ano passado. O PNE traça 20 metas e 254 estratégias para o setor até 2024.

“O Pátria Educadora da Secretaria de Assuntos Estratégicos é um documento muito complicado. Alguns temas não têm relação alguma com o PNE, como propor carreira para professores sem mencionar os demais trabalhadores em educação que são contemplados pelo plano. Qual a diretriz que vale?”, questiona o presidente da CNTE, Roberto Leão.

O documento originado na SAE, segundo o ministro Mangabeira Unger a pedido da presidente Dilma Rousseff, lista uma série de ações para que o slogan do governo seja colocado em prática. Entre elas está o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) on-line, a utilização de tecnologias, sobretudo vídeos e softwares interativos, em sala de aula, a criação de centros de qualificação avançada para formar professores e uma variante do Programa Universidade para Todos (ProUni), o Profaped, que se destinará a conceder bolsas de estudo a estudantes que ingressem nos cursos de Pedagogia e de licenciatura.

Estabelece, ainda, que os diretores de escolas com desempenho insatisfatório receberiam apoio e orientação. Em último caso, seriam afastados e substituídos por meio de intervenção. O texto propõe também a criação de escolas federais de referência, as escolas Anísio Teixeira, que servirão como “espaço privilegiado para o experimentalismo pedagógico”.

O ministro da Educação, Renato Janine, na Comissão de Educação do Senado fala sobre os cortes na Educação

Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

O ministro da Educação, Renato Janine, na Comissão de Educação do Senado, fala sobre os cortes na Educação

Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

CNTE pede revisão das prioridades
Em uma carta aberta à comunidade pedagógica, a CNTE classificou a proposta como um “retrocesso” e reivindicou a revisão de ações indicadas como prioritárias. “Embora haja coerência de parte do diagnóstico do projeto Pátria Educadora com as ações indicadas no PNE (regime de cooperação, valorização profissional, ênfase na aprendizagem dos estudantes), sua abrangência é limitada e as concepções de algumas políticas e ações indicadas como prioridades revelam retrocessos no debate educacional e precisam ser revistas”, destaca o documento.

Entre as críticas está o próprio conceito de qualidade de educação expresso pela SAE, que segundo a CNTE “contrapõe frontalmente a proposta da Conferência Nacional de Educação, aquela que caminha em sintonia com as demandas da comunidade, do país e que mantém estreito elo entre o Estado, a Escola e a Sociedade visando alcançar uma educação inclusiva, plural, democrática, gratuita, laica e solidária”. A carta também chama a atenção para a “linha de meritocracia” contida na proposta e o viés da oferta educacional seletiva, por meio de incentivo à formação de “ilhas de excelência” no sistema federal de ensino com a criação das Escolas Anísio Teixeira.

“É uma ação desnecessária, tendo em vista o estágio de qualidade em que se encontram as Escolas Técnicas e os Institutos Federais de Educação integrantes da rede federal de educação profissional e tecnológica em relação às demais redes públicas do país”, completa Leão.

“Documento precisa dialogar com o PNE”
O coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, engrossa as críticas. Para ele, a proposta do governo precisa contemplar o Plano Nacional de Educação. “O documento precisa ter mais diálogo com o PNE, essa era a nossa expectativa quando a presidente anunciou o lema Pátria Educadora. Para dar certo, essas políticas dependem fortemente da sua implementação inicial. Mas com essas divergências, o caminho para que dê certo é mais tortuoso”, diz.

“A gente já sabe, já debateu, é ponto pacífico entre os especialistas que as escolas federais existentes são ótimas. Surpreende um pouco esse tipo de proposta. Revisei o documento e a grande dúvida que ficou é: que lugar ele ocupa na política nacional de educação? Qual o propósito desse esforço fora do Ministério da Educação?”, questiona a coordenadora-geral do movimento Todos pela Educação, Alejandra Velasco.

No campo político também houve críticas severas à proposta de Mangabeira Unger. O deputado federal Paulo Pimenta (PT/RS) diz que o documento da SAE ignora a mobilização e as deliberações das Conferências Nacionais de Educação de 2010 e de 2014 e “afronta” a legislação para o setor ao desconsiderar a trajetória política de construção do PNE. “Orientado por uma visão pragmática que desconsidera a relação entre educação, democracia e cidadania, o projeto utiliza os parâmetros de competência estabelecidos internacionalmente e, com base nos resultados obtidos por meio de provas padronizadas, conclui que a nossa situação é dramática. É uma análise reducionista acerca dos conflitos que caracterizam a educação, que não situa o processo histórico de exclusão e de desigualdades”, diz o parlamentar.

Mangabeira Unger se defende das críticas

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Mangabeira Unger se defende das críticas

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O deputado, que é presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, vai mais longe. Acusa a proposta de ser excludente em relação a alunos com dificuldades de aprendizagem e tacha o documento como “superficial”. Para Pimenta, o texto produzido pela SAE “descamba para o preconceito” em relação à educação pública e se refere aos estudantes “de forma pejorativa” ao utilizar a expressão “barreiras pré-cognitivas” para qualificar o problema da aprendizagem na superação da ignorância do meio social.

A SAE, por meio de nota técnica assinada pelo ministro, procurou esclarecer “algumas divergências” relativas à proposta. Em relação ao PNE, Mangabeira Unger diz que se trata de uma “lei-arcabouço” que “invoca conceitos abstratos sem lhes dar conteúdo institucional”. Também nega o caráter intervencionista da proposta. “Em nenhum momento sugere a intervenção federal. Prevê cooperação federativa para socorrer escolas com desempenho inaceitável. Num primeiro momento, o socorro viria de quadro de orientadores recrutados de todos os três níveis da Federação. Em segundo momento, a cooperação atuaria por meio de órgãos transfederais, compostos por representantes do governo federal, dos estados e dos municípios”, justifica o ministro.

Mangabeira Unger igualmente ataca, de forma retórica e irônica, as críticas de que sua proposta é preconceituosa em relação a estudantes de extratos sociais excluídos ou em vulnerabilidade social. “O mundo não é como gostaríamos que fosse”, escreve o ministro. “O estudo empírico comprova, de maneira inequívoca, que numa sociedade de classes, como são todas as sociedades contemporâneas, formas de consciência e de comportamento importantes para o aproveitamento escolar não estão igualmente acessíveis a crianças de todas as classes. Tais efeitos da estrutura de classes exigem respostas, como estreitamento do vínculo entre a escola e a família e a organização cooperativa da educação, com base em equipes de alunos e de professores. Homenagens ao politicamente correto não resolvem o problema”, defende-se.

Também em nota, o Ministério da Educação (MEC) informa que está “debruçado sobre as metas do PNE” e que “qualquer contribuição, seja da sociedade, do governo ou de entidades, é bem-vinda”. Segundo o ministério, o ministro Mangabeira Unger é “um grande pensador que contribuirá muito para o projeto de educação do governo federal”. Além disso, informa que já trabalha em parceria com os estados e municípios no sentido de dar assistência às escolas e redes que tenham piores resultados no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).

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