EDUCAÇÃO

Polêmica envolve instituição militar e curso preparatório

Anulação de prova expõe relação familiar entre comandante do Colégio Militar de Porto Alegre e direção do Curso Azambuja
Por Gilson Camargo / Publicado em 11 de dezembro de 2017
A diretora do colégio preparatório, Alexsandra Azambuja, afirma que seu irmão, o comandante do Colégio Militar, José Herculano Azambuja Jr., não interfere na formação nem na seleção dos alunos

Fotos: Igor Sperotto

A diretora do colégio preparatório, Alexsandra Azambuja, afirma que seu irmão, o comandante do Colégio Militar, José Herculano Azambuja Jr., não interfere na formação  na seleção dos alunos

Fotos: Igor Sperotto

A anulação da prova de Língua Portuguesa do concurso de ingresso no Colégio Militar de Porto Alegre(CMPA) tornou pública uma relação de interesses entre a instituição e o Curso Azambuja, a escola preparatória de alunos para ingresso no CMPA. Empossado em 5 de fevereiro de 2016 para o mandato de dois anos no comando do CMPA, o coronel de infantaria José Herculano Azambuja Júnior é filho do capitão José Herculano Azambuja, proprietário do curso preparatório que tem o sobrenome da família.

Fundada em 1974, a escola preparatória tem três unidades em Porto Alegre e cobra até R$ 6,6 mil pela formação, conforme destaca a direção da instituição, que se orgulha de promover a “aprovação maciça de alunos” para o 6º ano do fundamental e 1º ano do ensino médio do Colégio Militar de Porto Alegre, Escola Tiradentes, Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx) e Escola de Sargentos do Exército (EsSA). O Curso Azambuja foi o responsável pela maioria das aprovações no Colégio Militar em 2017. De um total de 119 candidatos aprovados em Matemática, 85 são oriundos da instituição e concorrem a 35 vagas no CMPA.

A prova de Língua Portuguesa anulada corresponde à segunda etapa da seleção para matrícula no 6º ano do ensino fundamental em 2018, realizada em 22 de outubro. O comandante do Colégio Militar não quis se manifestar. Em nota, informou que foram constatadas “questões não inéditas”. Os professores autores da prova, que são quadros de carreira do Exército, foram submetidos a um “processo administrativo”, mas o comando não fala sobre o assunto.

SELEÇÃO – A diretora do Curso Azambuja, Alexsandra Azambuja, irmã de José Herculano Júnior, explicou que a prova foi anulada porque era idêntica à utilizada em um simulado de 2016 pela Escobar, escola concorrente. Segundo a diretora, o processo de seleção não foi afetado, mas os estudantes tiveram que retomar as aulas para prestar o exame no dia 26 de novembro. Ela afirma que o episódio não tem relação com a lisura do processo preparatório. “O fato foi diagnosticado pelo uso de questões idênticas, bem como textos e tiras (HQ) no material de preparação de alunos de um curso de preparação do Rio de Janeiro e que, possivelmente, foi utilizado por um curso concorrente. A anulação das questões não inéditas demonstra o caráter ético e a total seriedade do CMPA, que a par da situação, anulou o exame intelectual de Língua Portuguesa devolvendo a igualdade entre os alunos concorrentes”, disse.

Alexsandra reage com indignação ao ser questionada sobre as relações familiares no comando das duas instituições. “O comandante do Colégio Militar de Porto Alegre, coronel José Herculano Azambuja Júnior é filho do fundador do Curso Azambuja e assumiu a direção do Colégio em 12/02/2016 e por motivos éticos não participa da confecção das provas do exame de admissão ao CMPA, até porque fez este mesmo concurso em 1976, com 9 anos de idade, e sabe a importância da lisura e correção que se deve dar a qualquer candidato a entrar no Velho Casarão da Várzea”.

ÉTICA – A diretora explica que assumir o comando do Colégio era um “sonho” do irmão e uma aspiração natural na carreira militar. Por isso, para contornar o impasse, ele assinou um termo de compromisso que o mantém afastado dos negócios da família. “Se tivéssemos algum tipo de favorecimento, meu filho, que participou do Concurso de Admissão neste ano fazendo a prova de Matemática, teria sido classificado e convocado para fazer a prova de Português. Mas, como não atingiu média na prova, não teve sua convocação efetivada, conforme a lista de candidatos aprovados para a segunda fase. Não é admissível que o profissionalismo, a ética e a seriedade de uma instituição de mais de 43 anos de serviços prestados na área de educação, sejam colocadas em dúvida”, protesta.

Para Ivan Siqueira, do Conselho Nacional de Educação (CNE), a ligação familiar dos administradores de ambas instituições infringe em parte o artigo 37 da Constituição Federal: A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. “O preceito constitucional não está sendo integralmente obedecido e isso inspira desconfiança”, alerta o conselheiro. Para o diretor do Sinpro/RS, Cássio Bessa, “essa coincidência, no mínimo, causa estranheza e não se alinha com os parâmetros éticos de uma instituição pública”.

 

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