EDUCAÇÃO

Socialização é essencial na educação, assegura Gabriel Grabowski

Por César Fraga / Publicado em 16 de junho de 2020

Gabriel Grabowski é professor, pesquisador, doutor em educação e vice-presidente do Ceed/RS

Foto: Igor Sperotto

Foto: Igor Sperotto

Gabriel Grabowski é professor, pesquisador, doutor em educação e vice-presidente do Ceed/RS

O professor, filósofo, doutor em educação, pesquisador e novo vice-presidente do Conselho Estadual de Educação (Ceed/RS) Gabriel Grabowski analisa na entrevista que segue, vários tópicos da educação pública e privada em tempos de pandemia. Um dos pontos, diz respeito aos limites da Educação a Distância (EaD) e das aulas remotas como tendência futura, em contraponto à necessidade de socialização dos estudantes.

Entre outros pontos, o pesquisador também avalia as discrepâncias sociais e as mudanças necessárias no meio educacional por conta das diferenças de acesso à tecnologia que o Covid-19 torna visíveis e gritantes.

Na rede pública, segundo ele, existe um esforço desproporcional dos governos no que tange uma eventual retomada das aulas presenciais, principalmente o estadual:  são muitos protocolos de saúde e poucas políticas e programas de apoio na escola e ao professor. “Precisa de mais disponibilidade de diálogo com pais, professores, entidades educacionais, sindicatos e universidades. O governo está fechado e discutindo com ele mesmo. Precisa abrir-se para a sociedade e construir processos coletivos pelo diálogo”, explica.

O pesquisador também critica a falta de norte educacional decorrente da inoperância do Ministério da Educação (MEC), comandando pelo ministro Abraham Weintraub, que acaba gerando um efeito em cascata que afeta todos os níveis educacionais, tanto nas redes públicas, quanto privadas e também as secretarias estaduais e municipais de educação, que precisam agir localmente sem parâmetros nacionais. Grabowski também é colunista do Jornal Extra Classe.

Extra Classe – Como o senhor vê o momento de expansão de Educação a Distância (EaD) e aulas remotas no contexto da Covid-19, da pandemia e da perspectiva de especialistas que vendem a ideia de que o Brasil e o mundo avançarão cinco anos em poucos meses no que se refere a adaptação da educação tradicional às tecnologias remotas?
Grabowski
– Tudo depende o que a gente quer quando vai analisar isso. No contexto que a gente está, algo tem de ser feito. Até porque a volta à normalidade de todas as modalidades de ensino vai demorar um pouco. Por outro lado, foi muito improvisada a forma como foi transferida a educação para o ensino domiciliar, remoto e EaD. Não teve planejamento nenhum. Então, não dá para julgar nem que a modalidade de educação a distância é um fracasso, nem ela é um sucesso. Porque esse caso da pandemia é excepcional por ser emergencial. Não tiraria conclusões definitivas sobre isso.

 EC – Mas dá para dizer que a realidade da pandemia coloca em xeque ou ao menos em verificação essas modalidades?

Grabowski –  Sem dúvida. A realidade da pandemia transformou EaD em fruto da necessidade e é por conta disso está levando a um uso maior. Muitos fizeram um esforço que não fariam antes.  Tenho visto colegas professores que passaram a usar ferramentas, atividades e técnicas que não eram utilizadas. Por exemplo, aulas síncronas, colaborativas na EaD, que antes a gente já fazia, mas mesmo sabendo da existência não se usava todas as ferramentas. Agora, tivemos de ampliar o uso dessas ferramentas e aprender novas. Então, há uma aprendizagem coletiva das instituições que se obrigaram a correr atrás disso. Aprendizagem dos professores, dos estudantes e da família.  Todo mundo aprendendo alguma coisa. O que isso vai significar nós ainda não sabemos e ainda não dá para concluir. Acho que sim, haverá uma expansão desta modalidade como alternativa. Mas ela continuará sendo mais uma das alternativas.

EC – O que já era tendência, não?
Grabowski –
Exato, só que agora, digamos, ela foi acelerada e ampliada. Mas da forma como foi ela também vai gerar um efeito crítico sobre ela. De diagnóstico. Por quê? Tem muita improvisação nesse uso. E, quando falo de improvisação, falo de instituições privadas. Há casos em que tradicionais instituições tiveram de improvisar o uso de dispositivos tecnológicos não utilizados anteriormente para dar conta da demanda emergencial. Há casos em que se usava uma determinada ferramenta e que se teve de adaptar no meio da pandemia uma outra que ninguém estava habituado: nem professores, nem estudantes. Percebe o nível de improvisação nisso? A ferramenta anterior não permitia o que se está fazendo agora.  E, mesmo instituições que possuíam plataformas avançadas tiveram de fazer importantes adaptações e adequações na plataforma para adequar a uma demanda massiva. Tudo isso, no curso do processo. A carroça andando e ajeitando as abóboras. Com isso, as instituições foram se dando conta de que a base tecnológica que elas usavam não deu conta dessa demanda inclusive. Ou seja, as instituições se deram conta de que a base tecnológica utilizada anteriormente não dava conta da atual demanda.

EC – E o know how do uso da ferramenta não seria determinante para o planejamento mínimo que seja?
Grabowski –
Exatamente. Esse é o ponto. Muita coisa que se fazia um uso acessório virou ferramenta principal.  Da mesma, forma os alunos. Todos estão tendo de se adequar. E, neste momento crítico, jogar lenha na fogueira contra o EaD em escolas particulares, principalmente, reforça aquele movimento da educação a domicílio, que também é um movimento dos contra o isolamento. São pessoas que tratam educação como mercadoria ou seja, eu paguei quero meu produto. Se eu não tenho produto eu não quero pagar. É preciso cuidado para não alimentar isso. Obviamente, a educação é um serviço importante, que tem de ser prestado da melhor forma e qualidade possível. Porém, o planejamento da instituição os investimentos, os salários, a estrutura toda continua sendo e tendo de ser mantida. Na medida em que a gente critica o que tem de limitações, muitos acabam usando isso como argumento para defender, inclusive a volta à normalidade das aulas em meio à pandemia ou a entrega do produto às famílias que estão pagando.

EC – Até como manutenção das instituições como espaço de trabalho e geração de empregos?
Grabowski –
Exato. Até porque há muito movimento de demissão e redução de carga horária. Por isso, eu vejo que a gente tem de ter cuidado. Eu acho que o EaD vai assumir um novo patamar na educação brasileira. Ela aponta também uma possibilidade de avanços, mas ela revelou também seus limites. E esses limites são muito grandes. A nível massivo, vamos dizer, tanto em termos de Brasil como estadual, as chamadas desigualdades sociais e tecnológicas e econômicas se tornaram o maior impedidor de que ela cumpra sua função nesse período, porque a dificuldade de uso tecnológico por grande parcela das escolas públicas e também das particulares se tornou muito evidente.

Foto: Igor Sperotto

Foto: Igor Sperotto

“E, mesmo instituições que possuíam plataformas avançadas tiveram de fazer importantes adaptações e adequações na plataforma para adequar a uma demanda massiva. Tudo isso, no curso do processo”

EC – Inclusive do uso da tecnologia com qualidade, que é o que se almeja. Um dos motes do EaD é que ela torna a educação mais acessível, mas as vezes isso fica só no discurso, porque acaba se tornando acessível somente para o público que pode pagar a educação presencial. Está errado e não chega onde deveria chegar?
Grabowski –
Exato. E digo mais, até mesmo nas privadas há problemas. Sei de famílias com filhos em uma das maiores escolas privadas de educação básica de Porto Alegre com dificuldades que pelo fato de mãe e pai terem de trabalhar em casa por conta da quarentena, mais dois filhos também em casa. Nem mesmo essas famílias estavam preparadas com tecnologia suficiente para todos poderem suprir suas demandas individuais tanto de internet quanto de hardware. Às vezes é um computador para todos. A internet não é suficiente. Os horários colidem porque as aulas são nos horários de trabalho. Então, essa logística familiar também não estava pronta para o momento.

EC – A necessidade de interação real com os colegas e com professores não acaba desmotivando muitos estudantes?
Grabowski –
A interação entre os estudantes e entre estudante e professor segue sendo insubstituível. É aquilo que a gente sabe. Não estamos tendo interação porque a tecnologia tem esse limite. Não há acesso rápido com os orientadores e falta a estrutura da instituição que é o ambiente propício para isso, que é a biblioteca o laboratório, que o virtual não supre. A desmotivação é muito grande. E tem muitos alunos que estão realmente padecendo nesse processo.

EC – A sociabilidade é parte da educação?
Grabowski –
Não havendo interação não há sociabilidade. A educação é um processo social através da dessa interação. E, justamente esse é o aspecto mais comprometido. Esse é o grande limite que eu vejo que precisa ser apontado. Isso é mais relevante se EaD é ou não importante se ajuda ou não ajuda na educação. Ela tem suas facilidades e vantagens, mas também tem suas fragilidades e limites. O principal é a falta de interação e sociabilidade, por ser uma questão fundamental na educação. Não é a única, mas é fundamental.

EC – Para os estudantes é muito importante conviver com os amigos, inclusive? Há muitos relatos de estudantes desestimulados com as aulas remotas.

Grabowski – O aluno pode até não gostar das aulas e muitas vezes do próprio professor, mas da escola e do convívio institucional ele gosta. E muitas vezes este fator chamado mobilizador-institucional, que o colega faz, que o amigo faz, que o próprio professor faz, quando ele percebe a situação, a tecnologia não nos permite ter essa percepção. Eu não sei se meu aluno está triste, se está preocupado ou qualquer outra coisa, porque essa interação não ocorre. Então esse fator mobilizador, motivador, que em sala de aula a gente consegue fazer e eles conseguem fazer entre si também deixa de existir. Além disso, o isolamento em si e o fato de não se encontrem já afeta. Nas aulas em que eu estou trabalhando, que são com turmas grandes de 45 a 50 estudantes de medicina, a grande reclamação, pois sempre que inicia a aula perguntamos se estão bem para ter um feedback e o que mais surge é o sentimento de solidão e isolamento. Muitos estão em casa cuidando dos pais. Então, a pandemia agregou uma série de outras preocupações, quem antes nós nos preocupávamos com eles e hoje eles se preocupam consigo mesmos e seus familiares. Tudo isso acaba afetando aprendizagem deles e o envolvimento, porque acaba voltando essa motivação por faltar pessoas no entorno motivando, mobilizando e incentivando esses estudantes, para que eles juntos enfrentem a situação.

EC – Como é que a gente pode definir esse próximo período que vem, que vai ter de lidar com muito improviso no presencial e no virtual para tentar suprir a necessidade das aulas?
Grabowski – Eu acho que isso ainda está muito indefinido o período de transição ou de retorno a presencialidade. Primeiro, que a gente não consegue projetar em questão de tempo, se é um mês, dois, três ou quatro meses. Tudo depende da evolução ou retração da pandemia. O que eu estou achando é que tanto as instituições, quanto os estudantes e as famílias estão mais preocupados com o retorno às aulas presenciais do que em planejar esse retorno. Eu não estou percebendo, nem por parte do Ministério da Educação, nem pelos sistemas de ensino, no caso mantenedoras públicas (país, estados e municípios) e privadas, a construção de alternativas de retorno. Então está meio que se trabalhando assim. Estávamos no presencial, migramos para a modalidade remota e agora vamos voltar gradativamente.

EC – Parece mais queda de braço por interesses de diferentes setores do que planejamento?Grabowski – Falta planejamento. Falta organização desse processo. Falta juntar as experiências que existem e fazer a partir delas uma reconstrução de cada realidade. Até porque as realidades são bem diversas em cada nível e modalidade. No ensino superior é de uma forma e na educação básica de outra, principalmente no fundamental e infantil. Vou falar aqui no Rio grande do Sul, pois faço parte do Ceed/RS. A Secretaria Estadual de Educação, instituições e as entidades estão mais preocupadas em “se voltam ou não voltam e quando”, do que “como vão voltar e o que vão passar a ofertar”. Tem outro problema que é muito sério. Qualquer retorno hoje implica em mudar muito as condições anteriores de funcionamento das escolas e das instituições. Vai ter higienização mais intensa, mais funcionários com novas rotinas e uma nova realidade. Também precisará de mais funcionários de apoio, cuidados com a saúde interna dos trabalhadores, dos estudantes, dos professores. Haverá um menor número de alunos por sala de aula por turno. No caso do ensino superior, uma superpopulação no noturno e, no diurno, bem menor. Não vamos poder manter isso. E tem mais, não estou vendo ninguém se preocupando em ampliar os investimentos públicos, inclusive privados, para essa nova situação. Estão mais preocupados em cortar despesas, em reduzir gastos, enquanto a situação vai exigir um investimento maior.

EC – E essa inoperância das secretarias, que ocorre em todos os níveis, municipal e estadual, ocorre por falta de um norte que deveria ser dado pelo Ministério da Educação?
Grabowski – Com certeza, a ausência de uma coordenação nacional se reflete sobre os estados e, consequentemente, sobre os municípios. Eu vejo os entes trabalhando separadamente e em sentidos diferentes. O MEC não está preocupado em pensar a Educação no contexto do Covid. O MEC está mais preocupado em dizer que não há contexto, que não há pandemia e que deveria estar tudo funcionando.

EC – E o governo estadual?
Graboswski
– O governo do estado, por exemplo, que fez um encaminhamento, não tem um diálogo bom com o Conselho estadual de Educação e a Undime, que representa os municípios, fez outro encaminhamento. E há divergência no encaminhamento do Undime feita com a união dos conselhos municipais, que é um pouco diferente da Seduc. E a Seduc e o Sinepe têm dialogado mais do que a Seduc e os municípios. Isso impacta em toda a organização escolar do estado na medida que temos atividades integradas, como por exemplo, transporte escolar, alimentação, a articulação dos calendários – que é fundamental. E a rede estadual está tentando manter as atividades, porém alguns municípios estão totalmente parados, o que significa que os calendários serão diferentes. Não se está construindo planejamentos integrados. E, para mim este tem sido o grande problema.  Isso vai causar transtornos muito difíceis no retorno. Nem durante o isolamento, nem para o pós-isolamento há um planejamento integrado.  Cada um vai voltar do jeito que que acha que pode e de acordo com as pressões locais. Isso que estamos vendo ocorrer na questão do comércio e mais no setor produtivo, no meio educacional está ocorrendo a mesma coisa e isso é muito preocupante, para não dizer outra coisa. Começaram surgir manifestos de artistas e intelectuais de que não haverá mais a normalidade anterior, mas uma nova normalidade. A escola que nós tínhamos e a chamada presencialidade não será mais aquela. Por isso, é necessário pensar, prever e planejar uma presencialidade, que no mínimo será diferente do que tínhamos até então. O novo normal. E isso está faltando às entidades educacionais e aos responsáveis pela gestão se debruçarem sobre isso. A preocupação continua sendo muito mais da dita normalidade para atender expectativas e interesses econômicos do que propriamente pensar uma estratégia educacional para essa realidade.

Socialização é essencial na educação

Foto: Igor Sperotto

Foto: Igor Sperotto

“Não haverá avanço da educação a distância, remota ou digital, seja em qualquer nível ou modalidade, sem repensar o acesso pelos jovens pobres e trabalhadores ao uso da tecnologia”

EC – Essa ideia de observar a balança existente entre os ensinos presencial e remoto/EaD também será atravessada por esse novo normal e ambas precisarão ser replanejadas? Até porque o futuro próximo que se apresenta também restringirá a sociabilidade.
Grabowski – Sim, com certeza. Eu concordo com essa perspectiva. Eu até prefiro usar os meios de tecnologia de comunicação digitais. Mas tem uma questão importante, que é preciso levar em consideração, que é essa geração de adolescentes e jovens. Eles têm o contato e o uso dessas tecnologias de forma muito intensa. Isso não podemos ignorar. Porém, o uso dessa tecnologia era para outras finalidades, que é acessar redes sociais, ouvir música, assistir séries e outras interações. A tecnologia não estava sendo usada para fins educacionais.

EC – O que acaba também provocando uma superexposição à tecnologia, não?
Grabowski
– A maior barreira que está surgindo nesse momento e que terá de ser tratada no futuro é o acesso público para todos esses estudantes das escolas públicas. Não haverá avanço da educação a distância, remota ou digital, seja em qualquer nível ou modalidade sem repensar o acesso pelos jovens pobres e trabalhadores ao uso da tecnologia. A tecnologia é muito cara e ela tem muita falha na qualidade e ela não está em todo o território brasileiro. O mundo rural sofre drasticamente com isso. Então, se queremos, considerando que 80% da população brasileira é classe trabalhadora e popular, essa tecnologia é cara, de difícil acesso e de baixa qualidade.

EC – Dá para dizer que onde não chega saneamento básico a internet também é precária?Grabowski – Exatamente. Onde não chega segurança, onde não temos agora saúde, também não temos internet compatível com a demanda que a educação exige. Nos meus contatos, e estou tendo várias turmas agora, sempre temos alunos que não conseguem acessar. Ou porque estão com celular emprestado ou com o celular emprestado. A frase “meu plano de internet acabou ou está muito caro” é mais comum do que se imagina. Dificuldade de qualidade na comunicação seja por equipamento seja por largura de banda. Os que estão conseguindo manter o fazem com esforço extra. E eu diria que mais de 50% dos estudantes brasileiros hoje estão sofrendo com isso em todos os níveis.

EC – Como o senhor avalia a retomada das aulas presenciais anunciada pelo governo estadual?Grabowski –  Tenho percebido, não só a partir do anúncio dos protocolos de volta às aulas, não apenas agora, mas durante todo esse tempo da pandemia é que se falou em nenhuma estratégia ou política no sentido de equipar as escolas, de dar condições e recursos financeiros para a retomada das aulas, quando isso ocorrer.  Tudo que se anuncia, refere a protocolos no campo da saúde, no campo da prevenção ao contágio, mas não se está pensando na organização das escolas para receber os alunos quando chegar a hora. O exemplo mais evidente disso é que não há nenhuma ampliação de repasse de verbas para as escolas se prepararem para essa volta. Portanto, não bastam protocolos de higienização e de distanciamento se as escolas não receberem aportes e mais recursos financeiros do estado, mais servidores e funcionários, além da formação de professores intensa nas escolas (sobre o processo de retomada). Além de investimentos na área de tecnologia, laboratórios, internet wi fi e computadores. Existem os protocolos de saúde mas sem as condições e financiamentos necessários para fazer frente a essa nova realidade instalada no meio educacional.

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