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O fracasso do sistema chileno de previdência

Por Stela Pastore / Publicado em 20 de janeiro de 2017

O fracasso do sistema chileno de previdência

Foto: Igor Sperotto

Foto: Igor Sperotto

A principal preocupação dos chilenos atualmente é a previdência. Privatizada em 1981, durante a ditadura, prometia extravagâncias capitalistas na aposentadora. Mais de 30 anos depois, em que os primeiros segurados começam a se aposentar por este sistema, o rendimento recebido é de 40% do salário de contribuição. Vendido como solução para outros países, o sistema chileno de contribuição definida obrigatória, gerido pelas Administradoras de Fundos de Pensão (AFPs), empresas dedicadas a gerir o dinheiro dos contribuintes reservados à aposentadoria futura, injetando-o no mercado de capitais, não está cumprindo suas promessas.

A população está nas ruas pedindo mudanças e a previdência é pauta central nas eleições para presidente neste ano. Para o ex-ministro da economia, ex-senador pelo Partido Socialista por duas gestões (1994/2002) e presidente da Fundação Chile21, Carlos Ominami Pascual, 66 anos, o sistema chileno é “brutal”. Ele está em Porto Alegre debatendo o tema no Fórum Social das Resistências. Nessa entrevista, fala do fracasso da experiência chilena que financia empresas com a economia dos trabalhadores, que agora se veem desprotegidos. Espera que nada parecido seja implementado no Brasil e afirma que a pressão social tem eficácia para fazer com que os parlamentares votem por um sistema que dê seguridade real aos trabalhadores.

Militante de esquerda há 50 anos, atualmente sem partido, Ominami pertenceu ao Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR), foi para o exílio com o golpe de Estado de Augusto Pinochet.

Extra Classe – O sistema de previdência chileno muitas vezes é citado como um exemplo a ser seguido. Qual a sua avaliação?
Carlos Ominami Pascual – O melhor do sistema de previdência chileno é seu marketing internacional. Foi amplamente publicizado não por suas virtudes, mas por ser um negócio. A propaganda foi incrível, tanto na ditadura como na democracia, onde altas fontes nacionais saiam ao mundo a promover o sistema. Uma vergonha! Sempre afirmei que se tratava de financiamento de empresas com a economia dos trabalhadores usando um sistema de seguridade social. A seguridade não pode ser sistema onde se tem a pura capitalização individual e, se acaba o fundo, o que pode ocorrer se a pessoa viver mais do que o sistema determina que ela possa viver. Há duas opções no sistema: de renda vitalícia ou de retiro programado. No programado, quando acaba o tempo é preciso recorrer ao Estado para que te sustente. Também há a previdência complementar, que uma parcela que pode investir, pode chegar aos 100% do salário quando se aposentar, mas isso deve abranger 5% da população.

Extra Classe – Por que o Chile foi pioneiro nas mudanças na Previdência?Ominami – Porque teve o golpe militar em 1973 e uma ditadura que, diferente de outras, foi agente de um projeto de refundação e tinha razão em achar o sistema previdenciário injusto, marcado por mais de 30 sistemas previdenciários corporativos, cada um refletindo a força de cada setor. Os parlamentares se aposentavam com 10 anos de atuação, por exemplo. Só os militares mantiveram seu privilégio de se aposentar com 20 anos de serviço até hoje. O sistema era injusto, tinha que mudar. Mas os militares o mudaram para um sistema brutal! As pessoas terão na aposentadoria tanto quanto forem capazes de acumular. Se for um trabalhador estável, com bom emprego e bom salário desde o princípio, boa saúde e trabalhar 40 anos, o sistema responde.  A questão é que apenas 10% está nesta situação. A maioria tem uma curva instável, acumula pouco, a taxa de retorno, que se prometeu de cerca de 70% quando se implantou, hoje é menos de 40% e faz com que as pessoas tenham pânico de se aposentar. É a preocupação número um das pessoas. As grandes mobilizações do Chile não são mais por educação, mas por previdência.

Extra Classe – Por que só agora aparecem estas manifestações?
Ominami – Porque como o sistema foi implementado em 1981, só a partir de 2010 começaram os pagamentos. Hoje a pensão média é de cerca de USS 300 dólares e o salário mínimo cerca de US$ 400. Os custos das administradoras são caros. Os fundos perderam mais de 30% nas crises de 2008 e 2009, e, nestes mesmos anos, sua rentabilidade subiu 30%. A conclusão: foi um grande fracasso! O autor do sistema, ministro dos militares, José Piñera, disse recentemente que era como um carro Mercedes Benz, que é ótimo mas precisa colocar gasolina. Quis dizer que os parâmetros mudaram, que a contribuição de 10% é pouco, a esperança de vida aumentou e o Estado não fez sua parte.

População protesta nas ruas e pede mudanças na previdência

Foto: No mas AFPs

População protesta nas ruas e pede mudanças na previdência

Foto: No mas AFPs

Extra Classe – Como as gestões de Michelle Bachelet tratam esta questão?Ominami – O Estado fez um esforço no primeiro governo Bachelet, em 2007. Antes não se discutia porque não era urgência. Implantou a Pensão Básica Solidária (PBS), pensão básica de US$ 150 dólares para quem não tinha nada e o Aporte Provisional Solidários (APS), complementando renda a pensões muito baixas. Estas mudanças foram boas para as essas pessoas abrangidas e deixaram felizes os donos das administradoras de fundos: o Estado se encarrega dos pobres que não são “um bom negócio”. Bachelet chamou, indevidamente, na época de reforma da previdência, mas foi apenas um pilar solidário. Agora, no segundo governo de Bachelet, se dá conta que a reforma é necessária. Algo será encaminhado neste ano. O governo atual teve força e poderia ter feito mudanças. Desperdiçou e agora está debilitado. Este será tema central na campanha para presidente, em novembro. Todos que se canditarão são apoiadores desse modelo. A crítica da sociedade ao sistema é muito grande e será fundamental fazer coisas. Será o tendão de Aquiles dos candidatos.

Extra Classe – Que mudanças devem ser propostas?
Ominami – É certo que a contribuição de 10% deve subir para mais de 15%; ampliar a idade de aposentadoria de mulheres e homens, que hoje é de 60 e 65 anos. Mas isso não resolve os problemas. A discussão é quem paga e como se administra. É preciso ter contribuição patronal e destinada a um fundo de capitalização coletivo, para equilibrar o sistema. Não somado a cota individual do contribuinte empregado. Dado o espírito neoliberal predominante, será uma luta.

Extra Classe – Como avalia a proposta de reforma enviada pelo governo brasileiro ao Congresso?
Ominami – Não conheço em detalhes a proposta do Brasil. Mas o parlamento é sensível à pressão social. A política deve ser feita disso. É uma oportunidade das forças progressistas se reencontrarem com a sociedade. E será mais fácil resistir no Brasil, porque quanto se armou esse modelo no Chile não havia parâmetros para contestar. Venho dizer aqui: não cometam essa loucura. O Banco Mundial defendia o sistema chileno e recuou há tempos. Os peruanos tentaram algo similar com sistema misto e estão voltando atrás, como na Colômbia também. A Argentina reestatizou e Donald Trump já recuou. Os brasileiros não podem ser tão estúpidos a implantar algo como no Chile, como foram estúpidos em colocar Temer de presidente.

Extra Classe – Este debate está presente em todo o mundo, com a maior longevidade da população. Que modelo parece mais equilibrado?
Ominami – Não há um modelo standard para o mundo. Mas há princípios a manter que são os da seguridade social. Não é admissível que um pobre, sem educação, seja condenado a pobreza extrema quando envelhece. Isso não é seguridade e não pode ser tolerado. É preciso um princípio de solidariedade, como funciona a sociedade, onde os ricos ajudam os pobres, os saudáveis ajudam os doentes e os jovens ajudam os velhos. Defendo um sistema único, homogeneizado, entendendo que nem todos os trabalhos são iguais e há ofícios diferentes que devem ser levados em conta pelo nível de esforço e exigência – não há como comparar os que trabalham em minas ou nos escritórios. É preciso estabelecer diferenças justas, não privilégios. E tem que haver prêmio para o esforço individual, e não repartir igualmente 100% porque pode haver gente que não queira trabalhar e se beneficiar indevidamente. Isto gera justas resistências em quem paga. Acho que um sistema misto pode ser uma solução. Dos que conheço, acho interessante a Escandinávia: há capitalização individual, há solidariedade, e fundos bem administrados que competem entre si. Na Suécia também há sistema misto, com capitalização individual e o Estado centraliza todas as cotizações e distribui as administradoras para ver quem melhor rentabiliza o fundo.

Extra Classe – Como o senhor observa a situação política no Brasil?
Ominami – O que ocorreu no Brasil causou muita surpresa e me deixou muito triste. Poderia imaginar impeachment no Paraguai, mas não aqui. É extremamente grave que tenha ocorrido numa pais que ocupa 40% do território da América do Sul. Todo o mundo progressista vê com horror o que acontece aqui, e o que ocorre no México, na Venezuela num momento especialmente delicado. É preciso refletir muito se foi um mau vento ou o fim de ciclo. Há um problema sério com a esquerda clássica tradicional que não está renovando seu arsenal teórico, propostas e formas de organização. Isso pode levar à marginalidade ou à morte. Não devemos nos sentir derrotados. Precisamos seguir lutando, mas que é preciso fazer a reforma política, pensar a reforma econômica num espaço amplo, coletivo, para enfrentar as coisas que estão no mundo.

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