GERAL

Dinheiro no lixo

Refém de uma logística mal planejada – e sem contar com o apoio da população que não quer unidades de transbordo ou aterros próximos do seu nariz – a Prefeitura de Porto Alegre gasta por mês R$ 3,5 milhões
Por Naira Hofmeister / Publicado em 18 de março de 2009

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Arte: Rodrigo Vizzotto/D3

Arte: Rodrigo Vizzotto/D3

Em dezembro de 2008, Porto Alegre gastou mais de R$ 4 milhões para dar destino às 39.945,19 toneladas de lixo produzidas na capital. Com as festas e um consumo acima do normal, é nesse mês em que a população mais gera resíduos – e despesas aos cofres municipais, já que toda a logística é terceirizada.

A Qualix, vencedora da licitação de coleta domiciliar em 2007, ficou com R$ 2,3 milhões referentes às 130 rotas de recolhimento do lixo de Porto Alegre. Cada um dos 50 caminhões da empresa percorre 29,5 quilômetros diariamente.

Cada vez que um caminhão enche – não importa o ponto da cidade onde esteja – tem que ir até a Lomba do Pinheiro para despejar a carga na estação de transbordo. É a única etapa entre coleta e destinação final administrada pela prefeitura.

Não é segredo que sua localização não é a ideal. O lixo coletado na E Zona Norte, por exemplo, viaja cerca de 20km até a Lomba do Pinheiro para em seguida fazer o trajeto inverso até a ponte do Guaíba – caminho pelo qual segue até o aterro em Minas do Leão. “Ninguém quer o lixo perto de casa.

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Foto: Thaís Brandão

Foto: Thaís Brandão

Sem opção para o lixo

Não é nem pelo dinheiro que consome essa logística que os técnicos do DMLU andam preocupados. “Imagina se estraga a ponte do Guaíba. O que faremos com o lixo?”, indaga o engenheiro José Link Barbosa. Por isso, ele foi um dos defensores de um aterro próprio para Porto Alegre. Na década de 1990, a Metroplan chegou a fazer estudos de áreas propicias para a disposição final de resíduos na Região Metropolitana. “Não encontraram nenhuma adequada em Porto Alegre”, revela Link.

Acontece que além de um solo impermeável e lençol freático profundo, um aterro precisa estar longe da população – coisa difícil de conseguir em área urbana. Uma sugestão de um grupo de técnicos gerou polêmica na Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), e a possibilidade de utilizar pedreiras para essa finalidade foi derrubada. A maioria está em área de topo de morros, protegidas ambientalmente. “E é difícil impermeabilizar esse solo”, justifica Link. Não temos muita opção”, lamenta o engenheiro do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), José Link Barbosa.

A estação de transbordo recebe resíduos de outras coletas também. Para lá vão inclusive os rejeitos dos galpões de reciclagem abastecidos pela seletiva. Em tempos de crise, o plástico fino perdeu valor comercial e por isso é comum haver pilhas desse material no local. Rejeitos de isopor também são abundantes.

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Foto: Thaís Brandão

Foto: Thaís Brandão

O fato é que a estação de transbordo está sobrecarregada. “Ela foi projetada para receber 300 toneladas, mas já houve dias em que despejamos 2,2 mil toneladas de resíduos”, compara Link. A média diária é de 1,2 mil toneladas.

Além do aumento na carga – a coleta domiciliar cresce 4% ao ano – outro fator importante para a sobrecarga do transbordo foi o encerramento das atividades dos aterros da Extrema, no bairro Lami, e de Santa Tecla, em Gravataí. Como eram muito mais próximos, o transporte era mais ágil e, com isso, o acúmulo de lixo na Lomba do Pinheiro, menor.

A Extrema teve uma vida útil de cinco anos, entre 1997 e 2001, e o Santa Tecla parou de operar em 2004. Desde então, Porto Alegre manda a totalidade do seu lixo para a Central de Resíduos do Recreio, em Minas do Leão. São 120km de distância percorridos diariamente (e várias vezes) por 23 caminhões da Transkuhn. Por esse percurso, em dezembro de 2008 o município pagou quase R$ 900 mil à empresa particular.

O contrato foi alvo de diversos remendos desde que entrou em vigência, em 2004. Inicialmente estavam previstos 12 caminhões para o serviço. Aumentaram para 17 quando o aterro da Extrema foi fechado e depois que Santa Tecla parou de operar, a necessidade subiu para 23. “Ainda assim essa quantidade está defasada”, revela Link.

Por isso a nova empresa que vai cuidar do transporte irá cobrar R$7,00 a mais por tonelada carregada. Em compensação, todos caminhões serão 0km e de uso exclusivo do DMLU, o que deve diminuir custos de manutenção e número de viagens. Porém, cada 1,2 mil toneladas/dia representa um acréscimo de R$ 8.400,00/dia ao que já era gasto.

Preenchendo os buracos das minas

Como nenhum outro aterro do Rio Grande do Sul possui capacidade para receber o lixo de Porto Alegre, diariamente centenas de caminhões passam pela portaria 24 horas da Sil Soluções Ambientais, em Minas do Leão.

A empresa faz parte da Copelmi Mineração, que explora carvão na região há mais de cem anos. A Sil utiliza os buracos que a extração do mineral deixa no solo para usar como reservatório de lixo. Originalmente a empresa deveria reconstituir o ambiente que foi destruído pela atividade carbonífera. Porém, é de comum acordo que o uso para destinação de resíduos interessa.

Além de ter um solo impermeável, ali o lençol freático está muito abaixo da superfície. “Em média 50 metros”, confirma a chefe do Departamento de controle da Fepam, Marília Barum. O uso dessa área depois da extração do carvão é complicado, já que o solo fica desconstituído e perde densidade. “Como foi degradado pela extração do carvão, o terreno está comprometido para sempre”, completa o engenheiro agrônomo Fernando Bergamin, diretor da empresa Vida, criada pelo ecologista José Lutzenberger.

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Foto: Thaís Brandão

Foto: Thaís Brandão

Fora isso, estar no mesmo terreno que a Copelmi traz vantagens para o empreendedor. “Utilizamos a infraestrutura da mineração: caminhões, energia, terra para cobrir o lixo”, exemplifica o vice-presidente da Sil, Fernando Hartmann. São essas condições que dificultam a concorrência. “Duvido que alguém consiga um preço tão bom quanto o deles”, avalia o engenheiro do DMLU, José Link Barbosa.

Por enquanto, a maior parte do aterro está vazia e a grama cresce sobre a á rea de mineração que data da década de 1990. De cima de um morro artificial proveniente de botafora (a terra retirada da mina para extração do carvão), os caminhões que operam na disposição e cobertura do resíduo parecem de brinquedo, de tão grande que é o espaço.

Por ano chegam ao aterro 720 mil toneladas de dejetos. “Já estão armazenadas 3 milhões de toneladas”, revela o gerente operacional da Sil, Adriano Locatelli da Rosa. Difícil mensurar essa quantidade olhando a pilha de resíduos que se acumula dentro de uma antiga cava de mineração. São 51 metros de profundidade – o equivalente a um edifício de 18 andares – em uma área de aproximadamente cem campos de futebol alinhados. Mas a operação se restringe a 45 hectares dos 73ha licenciados pela Fepam.

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Foto: Thaís Brandão

Foto: Thaís Brandão

Com isso, apesar de a área utilizada ter sua vida útil esgotada em até 2018 quando serão mais de 12 milhões de toneladas de lixo empilhadas – os 28 hectares restantes darão uma sobrevida ao empreendimento e mais alguns anos de sossego aos prefeitos dos 140 municípios que enviam resíduos para lá.

“A propriedade tem 500ha que podem ser licenciados para a atividade”, revela Locatelli. O terreno da Sil representa 1/8 da extensão do município de Minas do Leão, espiando no Google Maps não é difícil perceber a proximidade com a área urbana.

A cidade que vive do lixo

Quem também ganha com o negócio é a Prefeitura de Minas do Leão que fatura 10% de sua receita só com a Sil. Quando começou a operar, em 2001, a Sil só tinha como cliente a cidade que a abriga. Hoje, presta serviço para 140 municípios. O ISSQN pago saltou de pouco mais de R$ 100 mil em 2001 para R$ 450 mil em 2004. Em 2008, as contribuições totalizaram R$ 974 mil, o que representa 59% do valor total do tributo. “Até 2004 tínhamos um PIB negativo, e dois anos depois conseguimos acompanhar as taxas nacionais, com 4,6% de crescimento”, comemora o prefeito de Minas do Leão, Miguel de Souza Almeida (PP).

Apesar de reconhecer que é uma renda substancial para o município, o prefeito questiona seus colegas que enviam resíduos. “Todos geram lixo e nós é que somos responsáveis”, reclama. Por isso, inspirado na cidade de Biguaçu (SC), o progressista quer instituir a taxa de compensação ambiental por se responsabilizar pelo resíduo dos outros. “Daqui a 50 anos essa empresa pode ir embora, mas a montanha de lixo vai estar aí”, projeta.

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Foto: Thaís Brandão

Foto: Thaís Brandão


Depois que encerrar as atividades em Minas do Leão, a Sil terá que monitorar o aterro por 20 anos. O prefeito argumenta que o serviço se restringe ao monitoramento de lençóis freáticos, águas superficiais e solos. “Mas o impacto ambiental é muito maior”, observa.

Fiscais de si mesmos

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Foto: Thaís Brandão

Foto: Thaís Brandão

alização da Fepam segue os padrões da estatal, mas com um corpo técnico reduzido, o que seus funcionários fazem é ler os relatórios realizados pela própria empresa. A chefe do Departamento de Controle da Fepam, Marília Barum, sublinha que a Sil cumpre as obrigações da Licença de Operação. “Eles são criteriosos”, avalia. Apesar do aval da e
ngenheira química, nos últimos seis meses de 2008 a operação não conseguiu atender aos padrões referenciados pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente.

O acompanhamento trimestral que é feito das águas próximas ao aterro constatou uma alcalinidade exagerada, assim como excesso de ferro, alumínio e fósforo em alguns pontos. “Não nos leva a pensar em intervenção, pois podem ser características do solo”, defende Marília.

A análise do tratamento do resíduo líquido – o chamado chorume – gerado pelo lixo em decomposição mostrou que seis das 22 substâncias medidas estavam acima do desejado. Mas segundo a Fepam, isso não representa ameaça ao meio ambiente. “O problema é o mau-cheiro e isso se resolve tapando rapidamente o resíduo que chega”, garante Marília.

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Foto: Thaís Brandão

Foto: Thaís Brandão

Moradores da Coreia sonham com novo bairro

Um pequeno bosque de eucaliptos separa o aterro da área urbana de Minas do Leão. Da casa do seu Edu dá para enxergar a montanha de lixo e terra do aterro. Ele mora há 50 anos no bairro que hoje se chama Coreia e viu os vizinhos minguarem com a instalação da central. A única construção nova nos últimos anos foi a sede da Associação dos Moradores, erguida pela Sil e que custou R$ 90 mil à empresa. Mesmo assim, a prefeitura continua cobrando a mesma alíquota de IPTU de dez anos atrás. “Hoje ninguém quer comprar terreno aqui perto”, relata.

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Foto: Thaís Brandão

Foto: Thaís Brandão

É que toda a cidade sabe do drama vivido pelos moradores da Coreia. “Tem noite que é impossível dormir por causa do fedor. Não adianta fechar toda a casa… o cheiro entra”, reclama seu Edu. Por isso seu Edu e os vizinhos defendem que é obrigação da empresa remanejar os moradores mais próximos. “Não somos contra o negócio. Gera empregos e faz o dinheiro circular. Mas estamos sofrendo muito com esse problema”, lamenta.

 

 

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