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Professores mudam a cara da Ulbra

Pressionado pela mobilização de docentes, funcionários e alunos, que denunciaram à opinião pública a apropriação da Ulbra por um grupo de dirigentes, sob o comando do pastor Ruben Eugen Becker, 72 anos
Por Gilson Camargo / Publicado em 17 de maio de 2009

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Foto: Thaís Brandão

Foto: Thaís Brandão

Com a palavra de ordem “Sou mais Ulbra – Fora Becker!” repetida em coro nas manifestações e estampada em faixas, folhetos e adesivos, a mobilização dos professores, funcionários e alunos tornou pública a crise de gestão que comprometeu o funcionamento da Ulbra. As assembleias dos docentes, que entraram em greve no dia 7 de abril, passaram a ser alternadas com atos públicos no campus Canoas, em frente ao prédio da Celsp, mantenedora da Ulbra, e em Porto Alegre. A reivindicação da saída do reitor foi formalizada em documento protocolado junto ao Ministério Público Federal e encaminhado às prefeituras e Câmaras de Vereadores dos municípios que sediam unidades da Ulbra, à Assembleia Legislativa e às instâncias do Poder Judiciário. A partir daí, a crise da maior instituição de ensino privado do estado e a terceira do país virou pauta diária dos meios de comunicação.

Na quinta-feira, 16 de abril, acossado por uma avalanche de denúncias e declarações do Judiciário e da promotoria à imprensa, Becker viu ruir seu projeto de continua

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Foto: René Cabrales

Foto: René Cabrales

r mandando na Ulbra. Em meio à pressão da comunidade acadêmica, o xequemate veio do ministro da Educação, Fernando Haddad, que após reunião com parlamentares em Brasília, sentenciou: qualquer ajuda do governo federal à Ulbra estaria condicionada à troca da Reitoria. A situação do ex-reitor ficou ainda mais insustentável e, no dia seguinte, Becker acabou enviando sua carta de renúncia à Comunidade Evangélica Luterana São Paulo (Celsp), mantenedora da Universidade. “O imperador caiu”, comemorava uma professora em frente ao prédio da Celsp, no centro de Canoas, minutos após a renúncia. “Ele caiu porque nós nos indignamos, entramos em greve e fizemos a greve. Não há reitor que resista ao grito de cinco mil pessoas”, avalia Adair Busato, professor da Pós-graduação em Odontologia.

Mas na sexta-feira, 17 de abril, os bastidores da crise ainda reservavam mais uma cartada do ex-reitor, que na última hora articulou a candidatura de um aliado na tentativa de se manter no comando da Ulbra, ainda que fora da Reitoria.

Reitoria lacrada pela PF
No dia da renúncia, Becker, que até então não falava à imprensa, aceitou dar uma entrevista ao jornalista Lasier Martins, da rádio Gaúcha. Entre alegações de que estaria sendo vítima de conspiração, argumentou com seus mais de 30 anos dedicados à construção da Ulbra e, pelas declarações, deixou claro que continuaria mandando na Universidade de uma ou de outra forma, inclusive ressaltando que seu filho, o vice-reitor Leandro Becker, ficaria na Ulbra.

Os passos do reitor e da sua família vinham sendo monitorados pela Justiça Federal nos dias que antecederam a renúncia. Na noite de quinta-feira, 16, durante assembleia de professores da Ulbra no Clube Caixeiros Viajantes, em Porto Alegre, vazaram informações sobre os bastidores da crise. A Celsp teria dado um prazo para que Becker renunciasse. A apreensão dos passaportes do reitor e dos familiares dele chegou a ser cogitada para impedir uma eventual fuga do país, o que colocou o Judiciário em alerta.

Após as insinuações do ex-reitor de que sua renúncia seria apenas pró-forma, o juiz federal de Canoas Guilherme Pinho Machado, titular das execuções fiscais da Fazenda Nacional que cobram da Ulbra dívidas de R$ 2 bilhões, expediu um mandado de busca e apreensão de documentos pela Polícia Federal no prédio da Reitoria do campus Canoas. No final da tarde do dia 17, viaturas da PF bloquearam a entrada da Reitoria no campus. Os agentes recolheram computadores e lacraram as portas laterais do prédio. Àquela altura, começava a assembleia da Celsp para eleger o novo reitor e já eram conhecidos os candidatos ao cargo. Apesar das suas manobras, Becker seria derrotado mais uma vez.

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Foto: René Cabrales

Foto: René Cabrales

O candidato que veio do Uruguai

A mantenedora hesitou até o dos docentes último momento em assumir uma posição em relação à crise. Ocorre que o ex-reitor, a quem a comunidade luterana atribui o feito de ter transformado uma escola numa das maiores universidades privadas do país, pouco ou nada dava de satisfações a quem quer que seja. Muito menos ao Conselho Fiscal da Celsp. Em fevereiro deste ano, a mantenedora aprovou o balanço patrimonial de 2008 que ostentava um fictício superávit de R$ 76 milhões, enquanto era de conhecimento público que a Ulbra fechara o ano de 2008 à beira do colapso, sem pagar salários, com as contas bancárias bloqueadas pela Justiça, servidores em greve e com dívidas bilionárias.

Diante da resistência da Celsp em assumir uma posição firme em relação ao substituto de Becker, um grupo de conselheiros resolveu agir. Eles recorreram ao estatuto da entidade e, com um quinto dos votantes, conseguiram legitimar uma assembleia para fazer a eleição. A instituição tem 1,8 mil membros, dos quais 62 têm direito a voto.

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Foto: René Cabrales

Foto: René Cabrales

“Já que a direção da Celsp não havia buscado uma assembleia, consultamos o estatuto e constatamos que a decisão poderia ser tomada se reuníssemos um quinto dos membros aptos a votar. Não foi um golpe. Estávamos preocupados com o clamor público. Se não agíssemos, alguém agiria por nós, pois a eleição era a única saída viável”, relata o professor de cultura religiosa, coordenador do curso de Jornalismo da Ulbra e membro votante da Celsp, Douglas Flor. “Quem votou contra Marcos Ziemer o fez não por uma questão pessoal, mas por fidelidade ao ex-reitor”, avalia.

O pró-reitor adjunto de graduação da Ulbra Canoas e ex-diretor da unidade de Palmas (TO), Marcos Ziemer, foi o candidato bancado pelos conselheiros. Seu oponente, Mauro Roll, diretor do colégio uruguaio Liceo San Pablo da Ulbra e candidato articulado pelo ex-reitor na última hora, acabou derrotado por 46 votos a 10. Seis conselheiros se abstiveram de votar. A assembleia na sede da mantenedora foi acompanhada por uma manifestação de professores, técnicos e alunos da universidade. Às 23h, em coletiva para jornalistas, Ziemer anunciava suas metas para reestruturar a Ulbra e assegurava que a prioridade seria resgatar as relações institucionais, a transparência e o foco na Educação. “Apostamos muito na figura do Marcos Ziemer, que é idôneo, ético e conhece os princípios luteranos”, avalia Douglas Flor.

Cultura de arrogância e apropriação da Ulbra

“A saída do ex-reitor Ruben Becker, na avaliação dos professores, não assegura o fim da cultura de arrogância e da apropriação privada da instituição. Por isso, reivindicam a mudança de toda a equipe diretiva comprometida com a antiga Reitoria”, informa Marcos Fuhr.

Para o dirigente do Sindicato dos Professores, o movimento pela saída de Becker começou em 2008. “Sempre tivemos bem claro que a gestão sem foco, centralizada na figura do reitor e a cultura de arrogância que se disseminou na instituição eram a origem da crise. Os professores vinham denunciando isso à opinião pública desde o ano passado. Pela sua coragem, os professores se credenciaram a protagonistas de uma mudança histórica na Ulbra”, ressalta Fuhr. “Na greve de 2008, a adesão atingiu 15% dos professores ao passo que a mobilização que culminou com a saída do reitor chegou a 80% dos docentes no conjunto da instituição”, compara.

Em outubro de 2008, o jornal Extra Classe obteve, em entrevista exclusiva do advogado Reginaldo Bacci, contratado pela Reitoria para administrar o colapso que já se desenhava na Ulbra, publicou o tamanho da crise com base em números fornecidos pela própria instituição: as dívidas da Universidade somavam nada menos que R$ 2,3 bilhões.

Futuro pode ser diferente

Além da busca por salários atrasados e da campanha pela destituição da antiga Reitoria, os professores ressaltaram durante as mobilizações a defesa da Universidade enquanto espaço de ensino e de trabalho. Para muitos docentes, alguns formados pela própria instituição, a renúncia do reitor representa a possibilidade do surgimento de “uma nova Ulbra”, como já defendiam nas assembleias e nos atos públicos.

No dia 20 de abril, foi realizada reunião de uma comissão de professores com o novo reitor para apresentar a pauta de reivindicações relativas à reestruturação política, administrativa e acadêmica da Ulbra. O encontro estabeleceu o compromisso do novo reitor com a transparência nas relações da Reitoria com os docentes. No dia 22, a assembleia dos professores foi realizada no campus Canoas. O encontro decidiu, por maioria de votos, encerrar a paralisação e manter o movimento por mudanças estruturais na instituição. “A eleição do novo reitor é uma possibilidade de mudança e ela só se concretizará se os professores se mantiverem mobilizados. Não estamos dando um cheque em branco ao novo reitor, ele está preenchido com as nossas reivindicações”, resume o professor de História e Pedagogia da Ulbra Guaíba, Carlos Hees.

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Foto: René Cabrales

Foto: René Cabrales

“A grande mobilização dos servidores e professores do complexo Ulbra foi decisiva para que a realidade sobre a crise da Universidade chegasse às ruas e passasse a ser pauta diária da imprensa e interesse maior dos parlamentares”, avalia Hees. Para ele, durante o processo formou-se a convicção de que “somente com a queda do reitor seria possível vislumbrar um futuro diferente para a Universidade, que não fosse o caos”. “Agora, com essa importante vitória da comunidade universitária, temos que nos manter mobilizados, unidos e vigilantes para garantir que a Ulbra efetivamente mude, tendo uma gestão transparente, focando-se na Educação e democratizando suas relações internas”, alerta.
Um ano de mobilização dos docentes
A partir de março de 2008, os salários dos professores começaram a atrasar de forma sistemática. A postura das chefias e coordenações de cursos, sempre marcada pelo desrespeito e pouca consideração por docentes e alunos, se deteriorou de vez. Entre os professores, a memória das mobilizações não era das melhores, pois uma das marcas do ex-reitor sempre fora o desrespeito à liberdade de manifestação e de organização dos docentes. “Em 2001, professores da Ulbra Canoas que se manifestaram em uma assembleia no Sinpro/RS foram sumariamente demitidos”, exemplifica Marcos Fuhr, diretor do Sinpro/RS.

Apesar das condições desfavoráveis, começava naquele mês uma mobilização que mudaria a história da Ulbra, com a realização de assembleias de professores e uma paralisação. A crise, que para os docentes era visível, assim como as suas causas, passaram a ser denunciadas à opinião pública.

Em novembro, os professores deflagraram uma greve que duraria nove dias. Por meio de ações judiciais do Sinpro/RS, as contas bancárias da Ulbra foram bloqueadas e os recursos foram priorizados para pagar salários atrasados. Após o recesso dos alunos e as férias, com 3,3 folhas em aberto, os docentes aprovaram em assembleia uma proposta de parcelamento feita pela própria instituição e que acabou não sendo cumprida. O acordo salarial foi denunciado na Justiça do Trabalho e está em execução judicial. Com o atraso do salário de março, os professores entraram novamente em greve, juntandose aos técnico-administrativos e funcionários da área da saúde. Além dos salários, passaram a exigir o afastamento de Ruben Becker e de toda sua equipe.

NOVA REITORIA – Em coletiva à imprensa, o reitor Marcos Ziemer anunciou os nomes do Comitê Gestor da Crise: José Luiz Duizith,gestor educacional e especialista em informática; Erivaldo de Brito,economista; Jonas Dietrich, advogado; e Augusto Ernesto Timm Neto, contabilista. Foram nomeados ainda o vice-reitor Valter Kuchenbecker e os pró-reitores Ricardo Müller (Administração), Ricardo Prates Macedo (Graduação), Erwin Francisco Tochtrop Júnior (Pesquisa e Pós-graduação) e Ricardo Willy Rieth (Extensão). Segundo Ziemer, a auditoria do Comitê Gestor da Crise poderá indicar outras mudanças na instituição e a substituição de direções das unidades de Educação Básica não estaria descartada, dependendo do diagnóstico. No final de abril foram afastados pelo menos dez membros da Reitoria e de setores ligados à administração do campus Canoas.

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