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Empresas sonegadoras sangram Previdência em quase R$ 1 trilhão

Por Gilson Camargo / Publicado em 4 de maio de 2017
"O equilíbrio financeiro da Previdência Social não requer a criação de novos impostos e tributos, no curto prazo. Basta que os artigos 194 e 195 da Constituição de 1988 sejam cumpridos"

Foto: Divulgação

“O equilíbrio financeiro da Previdência Social não requer a criação de novos impostos e tributos, no curto prazo. Basta que os artigos 194 e 195 da Constituição de 1988 sejam cumpridos”

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A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) atualizou o montante de dívidas de empresas com a Previdência, inicialmente estimada em R$ 432,9 milhões, devido à omissão dos débitos relativos à Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e PIS. Dessa forma, o montante da dívida das 118,7 mil empresas chega a R$ 935 bilhões, de acordo com relatório do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese/RS). A PGFN relacionou as 118.714 empresas com dívidas ativas referentes a Cofins, CSLL e PIS superiores a R$ 100 mil, entre as quais figuram a Vale, a maior devedora, com R$ 12,7 bilhões, a Samarco (R$ 287 milhões, bancos como o Bradesco, que comercializa previdência privada e tem interesse direto na reforma da Previdência (para a qual deve R$ 1,5 bilhão); e a Gerdau. A segunda maior sonegadora, a holding Carital Brasil, deve R$ 5,5 bilhões à Previdência. Em 2014, o ex-diretor financeiro da empresa, Carlos de Souza Monteiro, foi acusado de sonegação de R$ 145,6 milhões e condenado pela 7ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo a mais de sete anos de prisão e pagamento de indenização de R$ 1 milhão ao Fisco por danos morais coletivos. A economista Anelise Manganelli, do Dieese/RS, que elaborou o estudo, destaca que apesar das alterações dos instrumentos e a forma de atuação, concentrados atualmente no combate à sonegação, há somente cerca de 900 auditores fiscais da Receita Federal no trabalho voltado às contribuições previdenciárias. Na entrevista a seguir, a economista explica ainda por que o “déficit” da Previdência alegado pelo governo para vender a reforma é um mito que não se sustenta.

Extra Classe – De acordo com o levantamento do Dieese/RS junto à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), as dívidas de empresas com a seguridade social atingiram em fevereiro de 2017 o total de R$ 935 bilhões, ou seja, mais que o dobro do que vinha sendo divulgado. A que se deve essa diferença?
Anelise Manganelli – Os totais que vêm sendo divulgados que, em geral atingem R$ 432,9 bilhões representam débitos de contribuições previdenciárias dos empregadores e dos segurados, contribuições devidas a terceiros, assim entendidos outras entidades e fundos, e a contribuição para o salário-educação. Não estão incluídas nessas dívidas os valores devidos à Previdência relativos a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e PIS.

EC – Quais são os componentes desses débitos?
Anelise – Nesse total de R$ 935 bilhões verifica-se que além dos acima descritos há R$ 307,7 bilhões relativos ao Cofins, que é calculada sobre a receita das empresas e deve ser destinada a financiar os fundos de previdência e assistência e ainda há R$ 194,9 bilhões relativos ao PIS e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. Destaca-se ainda que entre esses totais estão apenas aqueles devedores com débitos acima de R$ 100 mil, devendo, portanto, ser um débito ainda maior.

EC – Por que há tantos sonegadores, alguns com interesse direto na reforma, caso do Bradesco, que vende planos de aposentadoria complementar privada e é um dos maiores devedores da Previdência, mais de R$ 1,5 bilhão?
Anelise – Certamente, é necessário melhorar a fiscalização, uma vez que a própria PGFN diz que a dívida ativa cresce a um ritmo de aproximadamente 15% ao ano. Em 2008, havia 4,1 mil auditores fiscais vinculados à Secretaria da Receita Previdenciária, atuando no combate à inadimplência e à sonegação das contribuições previdenciárias. Hoje, após a incorporação à Secretaria da Receita Federal do Brasil, apesar de se terem alterado os instrumentos e a forma de atuação, concentrados atualmente no combate à sonegação, há somente cerca de 900 auditores fiscais da Receita Federal no trabalho voltado às contribuições previdenciárias.

EC – As empresas repassam o Cofins para o custo dos produtos e serviços, mas não recolhem à seguridade?
Anelise – Faz parte do cotidiano de fixação de preço de venda de produtos e serviços a projeção dos tributos devidos, que em geral, são repassados ao consumidor, e isso vale para todos os impostos. O caso da energia elétrica é um exemplo. Você pode consultar sua conta e verá destacado o valor do Cofins que foi cobrado. É também verdade, que mesmo você tendo pago sua conta, há companhias que devem esse tributo aos cofres da Previdência. Há discussões no âmbito jurídico se esse tributo é devido ou não. De qualquer forma, simplificando, sob esse aspecto, ao trabalhador importa que o valor foi pago por ele, e agora chega uma nova conta de déficit (o da Previdência) que retira seus direitos.

EC – Ao defender a proposta de reforma da Previdência, o governo sustenta que o sistema é deficitário, argumento que não se sustenta nos indicadores do próprio governo. Como funciona essa contabilidade que o governo faz – e a imprensa reproduz – para alegar déficit?
Anelise – Conforme se constou, em uma das nossas recentes publicações, Reformar para excluir?, elaborada em parceria com a Anfip, esse argumento falso não é novidade no debate sobre a Previdência Social proposto pelos representantes do poder público. Longe disso, é argumento que se repete incansavelmente desde 1988. Essa visão ignora o fato de que a Constituição Federal de 1988 concebeu o direito à Previdência Social como parte integrante da Seguridade Social, um amplo sistema de proteção social ao cidadão. Para organizar e financiar a Seguridade, os constituintes de 1988 inspiraram-se nos regimes de Estado de Bem-Estar Social desenvolvidos, especialmente, pela socialdemocracia europeia após a Segunda Guerra Mundial. Nesses países, o financiamento da Seguridade Social baseia-se no clássico “modelo tripartite”, no qual trabalhadores, empregadores e Estado são igualmente responsáveis pelo provimento das fontes de financiamento das políticas públicas que integram seus sistemas nacionais de proteção. Em 2015, num conjunto de 15 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a participação média relativa das “contribuições do governo” no financiamento da Seguridade Social foi de 45% do total, seguida pela “contribuição dos empregadores” (34,6%) e pela “contribuição dos trabalhadores” (18%). A Dinamarca é caso extremo, já que a participação relativa do governo no financiamento da Seguridade atinge 75,6% do total das receitas. Isto quer dizer que se não fossem contabilizadas as receitas dos impostos gerais pagos por toda a sociedade, o “rombo” da Previdência dinamarquesa chegaria a 28,5% do PIB (ver gráfico*).

Participação relativa dos governos no financiamento da Seguridade

Fonte: PGFN

*Participação relativa dos governos no financiamento da Seguridade

Fonte: PGFN

EC – É falsa a premissa de que o sistema depende das contribuições sobre os rendimentos do trabalho?
Anelise – A base ampla e diversificada de financiamento da Seguridade garante menor dependência das contribuições sobre os rendimentos do trabalho, e isso foi planejado dessa forma, é um sistema solidário não por acaso. Além disso, sobre a leitura adequada do déficit, o próprio governo divulga no site da Previdência Social um material, com perguntas e respostas sobre a reforma e umas das perguntas é justamente sobre o financiamento (De onde vêm os recursos da Previdência Social?) e a resposta é justamente explicando a ampla fonte de financiamento que inclui além das contribuições dos trabalhadores e aquelas sobre a folha de pagamento; também a receita, faturamento ou lucro das empresas (Cofins) e CSLL; dos concursos de prognósticos (loterias e apostas de qualquer natureza); das importações de bens ou serviços, etc.

EC – Como atingir o equilíbrio da Previdência?
Anelise –  O equilíbrio financeiro da Previdência Social não requer a criação de novos impostos e tributos, no curto prazo. Basta que os artigos 194 e 195 da Constituição de 1988 sejam cumpridos, fato que nunca ocorreu desde 1989. Apenas em 2015, deixou-se de contabilizar nas contas da Seguridade Social, como “contribuição do governo”, a arrecadação proveniente da Cofins (R$ 202 bilhões), da CSLL (R$ 61 bilhões) e do PIS-Pasep (R$ 53 bilhões). Nesse mesmo ano, a Seguridade Social também deixou de contar com R$ 157 bilhões por conta das desonerações tributárias (incluída a isenção da contribuição patronal para a Previdência) e de uma parte dos R$ 61 bilhões por conta das Desvinculações das Receitas da União (DRU).

As 40 empresas que mais devem para a Previdência

Dívida ativa referente a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido –CSLL – e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins (parcial)

Vale  R$ 12,7 bilhões
Carital Brasil  R$ 5,5 bilhões
Bradesco R$ 1,5 bilhão
Braskem R$ 1,2 bilhão
Industrias de Papel Ramenzoni R$ 998 milhões
Plastivip R$    995 milhões
Transbrasil (massa falida)  R$ 800 milhões
Banco Nacional (em liquidação) R$ 789 milhões
Gerdau  R$ 769 milhões
PPL Participações  R$ 754 milhões
Banco de Brasília  R$ 750 milhões
Frigorifico Porto  R$ 612 milhões
Zirconia Participações R$ 591 milhões
Rio Sena Assessoria Empresarial  R$  589 milhões
Fibria Celulose R$  565 milhões
Varig (massa falida)  R$    550 milhões
Associação Educacional
Luterana do Brasil Aelbra R$    519 milhões
Lewiston Importadora   R$    496 milhões
Negocial Administração e Participações   R$    478 milhões
Supermercados Paes Mendonça  R$    460 milhões
Vasp R$    450 milhões
Petroforte Brasileiro Petróleo (massa falida)R$    415 milhões
Eletropaulo R$    411 milhões
Banco Bradesco Financiamentos  R$    367 milhões
Light R$    362 milhões
Embratel R$    290 milhões
Força e Luz R$    288 milhões
Samarco Mineração R$    287 milhões
Banestado  R$    273 milhões
Banco ABN Amro Real  R$    269 milhões
Gerdau R$    241 milhões
Mappin  R$    237 milhões
Furnas – Centrais Elétricas R$    218 milhões
Porto Seguro  R$    208 milhões
Banco Econômico (em liquidação)   R$    207 milhões
Banco Itaucard  R$    206 milhões
Banco Sudameris   R$    190 milhões
Itaú Unibanco R$    187 milhões
Coca Cola R$    186 milhões
Cervejarias Kaiser   R$    177 milhões

Fonte: Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN)

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