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Casaldáliga: O descanso do profeta

Dom Pedro Casaldáliga deixa o legado de uma vida coerente com o evangelho que acreditava. O bispo pediu para ser enterrado no cemitério dos Karajás, às margens do Araguaia, entre um peão e uma prostituta
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 8 de agosto de 2020

Foto: Reprodução Youtube/Claretiana FM

Foto: Reprodução Youtube/Claretiana FM

Dom Pedro Casaldáliga deu seu último suspiro na terra. Santo para uns, subversivo para outros, o catalão que chegou padre claretiano em missão ao Brasil no ano de 1968 e se sagrou contra sua vontade o primeiro bispo de São Felix do Araguaia (MT) faleceu neste dia 8, aos 92 anos de idade.

Foram 14 anos de convívio com o que chamou de “irmão Parkinson”. O estado de saúde do religioso vinha há tempos se deteriorando e culminou com sérios problemas respiratórios que levaram a sua morte no município de Batatais, em São Paulo.

Pedro ou Pedrinho, como gostava de ser chamado, foi transferido em um avião UTI por conta da Ordem de Santo Agostinho para a sede da congregação Claretiana, que no município do interior de São Paulo tinha melhores instalações médicas. O objetivo era, em uma intervenção cirúrgica, salvar aquele que praticamente era o último de uma geração de bispos católicos que enfrentaram com vigor a ditadura militar e defenderam os direitos humanos no Brasil.

Casaldáliga, entre todos, certamente foi o de maior radicalidade. “Deixamos de ser amigos dos grandes e os olhávamos de frente. Nenhum explorador ou colaborador que houvesse aproveitado da exploração poderia, por exemplo, ser padrinho de batismo”, declarou uma vez.

O Profeta

Para a Teologia da Libertação – corrente de pensamento que parte do princípio de que o Evangelho de Jesus Cristo, exige a opção preferencial pelos pobres e suas lutas – profeta não é aquele que adivinha o futuro. É todo aquele, cristão ou não, que denuncia as injustiças e anuncia o “Reino de Deus na terra”.

Casaldáliga viveu intensamente esse princípio. Como Dom Hélder Câmara, ícone do profetismo da Teologia da Libertação, apesar do seu despojamento e aparente fragilidade física se tornava um gigante à frente de atitudes de opressão. Por isso, não foram poucas as ameaças de morte que recebeu e as tentativas de sua expulsão do Brasil.

Ana Helena tavares, jornalista e autora do livro Um bispo contra todas as cercas – A vida e as causas de Pedro Casaldáliga (Editora Vozes), acredita que os “inimigos” de Casaldáliga certamente estavam na torcida por notícias que confirmassem a sua morte.

Segundo ela, a presença física de Dom Pedro, apesar de não estar em atividade há muitos anos devido sua doença, tinha “uma força mística profunda”.

O Poeta

Casaldáliga, além da sua luta em favor dos oprimidos, também ganhou notoriedade como poeta. Para Zofia Marzec, professora da Universidade de Varsóvia, o religioso inaugurou “uma categoria ausente, por hora, na crítica literária e na história da poesia mundial. Um gênero, no entanto, que não passará despercebido no futuro”.

Na poesia de Casaldáliga sempre presente a empatia com os mais marginalizados da sociedade, críticas ao latifúndio, ao capitalismo e até a própria Igreja Católica como instituição.

De fato, a obra literária do bispo era uma extensão de sua luta e clamava aos leitores um posicionamento diante da exploração do homem pelo homem, dá má distribuição de renda e terra e outras distorções do mundo.

Um poema de Dom Pedro
E o Verbo se Faz Classe
No ventre de Maria Deus se fez homem.
Mas, na oficina de José Deus também se fez classe.

Trajetória de um bravo

Na matéria 90 anos de Casaldáliga, o bispo dos pobres que nunca se dobrou aos poderosos, o Extra Classe conta a trajetória deste bravo cristão que fez das palavras de Jesus Cristo a sua prática de vida.

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