JUSTIÇA

Comissão da OEA responsabiliza Brasil por violações de direitos humanos

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) responsabiliza o estado brasileiro por violações de direitos no assassinato do advogado Gabriel Sales Pimenta. Caso segue para a Corte
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 18 de dezembro de 2020

 

Gabriel Sales Pimenta. Pimenta era defensor dos direitos dos trabalhadores rurais do Pará e foi morto à tiros no dia 18 de julho de 1982 no município de Marabá

Foto: Reprodução/Web

Gabriel Sales Pimenta foi morto à tiros no dia 18 de julho de 1982 no município de Marabá (PA)

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A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) responsabiliza o estado brasileiro por violações de direitos referentes ao assassinato do advogado Gabriel Sales Pimenta. Pimenta era defensor dos direitos dos trabalhadores rurais do Pará e foi morto à tiros no dia 18 de julho de 1982 no município de Marabá. A decisão foi encaminhada para a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) no último dia 4 e foi tornado público hoje, 18.

Os organismos integram o Sistema Interamericano de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). A CIDH tem funções que se assemelham aos trabalhos do Ministério Público Federal (MPF). Somente ela pode encaminhar casos que entende ser pertinentes à Corte Interamericana.  A Corte é o órgão que pode efetivamente julgar, condenar e impor sanções aos países que aceitam a sua jurisdição, como o caso do Brasil.

Entenda o caso

Gabriel Pimenta nasceu em Juiz de Fora (MG) e após se formar em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) mudou-se para o Pará. No estado ele advogou para cerca de 160 famílias de trabalhadores rurais que buscavam a posse de terra na área da fazenda Mãe Maria, região do “Pau Seco”, pertencente ao município de Marabá. Ele foi o primeiro advogado na região a ganhar uma causa na justiça em favor dos sem-terra.

Ele foi assassinado aos 27 anos de idade pelo latifundiário Nelito Cardoso, irmão do ex-governador de Minas Gerais, Newton Cardoso. Julgado e sentenciado pelo crime, Nelito ficou foragido da justiça brasileira por 20 anos. Se entregou à polícia para imediatamente conseguir a prescrição do crime.

Estado omisso

A CIDH entendeu que era de conhecimento público a série de ameaças de morte que Pimenta recebia por seu trabalho e que a vítima já teria solicitado proteção mais de uma vez ao estado.

O fato do apoio policial chegar um dia após o crime ao local e a investigação ter se encerrado em 2006 com prescrição foi determinante para a decisão da CIDH.

Caso segue para a Corte Internacional de Direitos Humanos

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Pimenta era defensor dos direitos dos trabalhadores rurais do Pará

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Em trecho do parecer encaminhado à Corte Interamericana de Direitos Humanos, a Comissão diz que todo o processo foi marcado por omissões por parte do Estado com as autoridades não agindo “com a devida diligência para proteger as testemunhas ameaçadas e evitar a fuga dos acusados”.

Para a CIDH também ​​foram comprometidas a garantia de prazo razoável e “o direito à integridade pessoal em detrimento dos familiares da vítima”.

Violações

No entendimento da CIHD no caso de Pimenta houve duas violações previstas nos regramentos da OEA. Os direitos à vida, à justiça e ao direito de associação consagrados na Declaração Americana de Direitos é a primeira. A segunda se refere aos Deveres do Homem e dos direitos à integridade pessoal, garantias judiciais e proteção judicial estabelecidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

Em seu Relatório de Mérito, a Comissão concluiu que o “Estado brasileiro estava ciente ou deveria ter conhecido a situação de risco real e iminente em que se encontrava o senhor Sales Pimenta e que não adotou nenhuma medida para protegê-lo desse risco e evitar sua materialização”.

A CIDH também frisou ser legítimo exercício do direito à liberdade sindical e a defesa dos direitos dos trabalhadores.

Maria da Penha

Ao todo, tramitam ou tramitaram na CIDH 91 casos. Grande parte relacionados à violência no campo, restrições de direitos trabalhistas e ações policiais. É o caso do massacre do Carandiru, quando em 1992, 111 presidiários foram chacinados pela Polícia de Choque paulista.

Um dos casos mais notórios no entanto é o da Farmacêutica cearense Maria da Penha.

Espancada até ficar paraplégica por seu, então, marido, Maria ingressou na Justiça e saiu de casa com seus dois filhos.

O caso foi a júri duas vezes. Em 1991, os advogados de defesa do agressor anularam o processo. Na segunda vez, o réu foi condenado a dez anos e seis meses, mas em recurso acabou ficando apenas cerca de dois anos preso.

Maria da Penha, o Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional (Cejil) e o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem) fizeram o caso chegar à CIDH.

Em 2001 a denúncia foi acolhida e a CIDH responsabilizou o estado brasileiro. O caso foi pioneiro sobre violência doméstica na OEA e em 7 de agosto de 2006 o presidente Luís Inácio Lula da Silva sancionou a Lei com o nome da vítima. Foi cumprido assim o artigo 226 da Constituição Federal que impunha a criação de mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações familiares.

Segundo juristas o caso Maria da Penha é um exemplo do Direito Internacional suprindo as omissões do direito interno de um país.

 Recomendações da CIDH ao Brasil

  1. Que conceda uma reparação integral aos familiares da vítima no presente caso, mediante indenização pecuniária e medidas de satisfação que cubram os danos materiais e imateriais causados ​​pelas violações expostas neste relatório.
  2. Realizar e concluir a investigação com diligência e eficácia, em prazo razoável, de forma a esclarecer plenamente os fatos, indicar todas as responsabilidades materiais e intelectuais possíveis nas diferentes instâncias de decisão e execução, e impor o sanções que correspondem às violações de direitos humanos descritas neste relatório. Isso inclui uma investigação das estruturas de poder que participaram dessas violações. No âmbito deste processo, cabe ao Estado adotar todas as medidas pertinentes para a proteção de testemunhas e demais participantes do processo, se necessário. Dado que a prescrição foi produto de atos e omissões do Estado, não pode ser invocada para justificar o descumprimento desta recomendação.
  3. Que adote os cuidados de saúde física e mental necessários à reabilitação dos familiares de Gabriel Sales Pimenta, se assim o desejar e com o seu consentimento.
  4. Que tome medidas de não repetição, entre elas i) o fortalecimento do Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, voltado para a prevenção de atos de violência contra os defensores dos direitos dos trabalhadores rurais no Brasil; ii) um diagnóstico independente, sério e eficaz da situação dos defensores dos direitos humanos no contexto dos conflitos de terra, a fim de adotar medidas estruturais para detectar e erradicar as fontes de risco que os defensores enfrentam. O referido diagnóstico incluirá, entre outros aspectos, uma análise da distribuição desigual da terra como causa estrutural da violência; e iii) fortalecer a capacidade de investigação de crimes contra defensores dos direitos humanos, de acordo com as diretrizes apresentadas neste relatório.

O Estado do Brasil ratificou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos em 25 de setembro de 1992 e aceitou a jurisdição contenciosa da Corte em 10 de dezembro de 1998. A morte de Gabriel Sales Pimenta ocorreu antes da ratificação da Convenção Americana pelo do Brasil. Assim, a submissão do caso à Corte Interamericana se refere exclusivamente aos fatos que começaram ou continuaram ocorrendo após a data do expediente, fundamentalmente relacionados à falta de devida diligência na investigação e aos fatores que os causaram uma denegação de justiça em relação aos fatos do caso.

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