JUSTIÇA

Ministro do STF vota contra bloqueio de bens de sonegadores

Ações de Inconstitucionalidade em votação no plenário do Supremo questionam a legislação que permite a negativação dos devedores da Fazenda Pública
Por Gilson Camargo / Publicado em 4 de dezembro de 2020
Mello evoca preceitos constitucionais e direito à propriedade ao votar contra legislação que pune sonegadores

Foto: Fellipe Sampaio/ SCO/ STF

Mello evoca preceitos constitucionais e direito à propriedade ao votar contra legislação que pune sonegadores

Foto: Fellipe Sampaio/ SCO/ STF

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou nesta semana o julgamento de um conjunto de seis Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que questionam a prerrogativa legal da Fazenda Nacional de colocar o nome de devedores no serviço de proteção ao crédito e averbar a indisponibilidade de bens desses contribuintes para garantir o pagamento dos débitos a serem executados.

O ministro Marco Aurélio Mello, relator de todas as ações, foi o único a votar e se manifestou pela inconstitucionalidade do artigo 25 da Lei 13.606/2018, na parte que instituiu esse procedimento tributário. O julgamento deverá ser retomado na sessão da próxima quarta-feira, 9.

Na prática, o ministro foi o único a julgar que os grandes sonegadores fiscais não devem ter seus nomes negativados nem ser coagidos pela União a pagar o que devem como faz qualquer empresa em relação a clientes inadimplentes. Mello evocou princípios constitucionais e o “direito à propriedade” para justificar seu voto.

A lista dos 55.764 maiores sonegadores, que acumulam dívidas bilionárias com a União pode ser acessada no site da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Os três maiores devedores são as massas falidas da Vasp (R$ 7 bilhões) e da Varig (R$ 6,9 bilhões), e a Aelbra (R$ 5,2 bilhões).

O objeto de questionamento são dispositivos da Lei 13.606/2018, que alterou a Lei 10.522/2002 e instituiu o Programa de Regularização Tributária Rural (PRR) na Secretaria da Receita Federal do Brasil e na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

As normas possibilitam à Fazenda Pública averbar a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto e penhora, tornando-os indisponíveis.

As ações foram ajuizadas pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), autor da ADI 5881, pela Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores de Produtos Industrializados (ADI 5886), pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (ADI 5890), pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (ADI 5925), pela Confederação Nacional da Indústria (ADI 5931) e pela Confederação Nacional do Transporte (ADI 5932).

Direito de propriedade

Antes do voto do relator, os advogados Felipe Corrêa, Felipe Camargo, Gustavo Martins e Mateus Reis e Montenegro, representantes das partes e das entidades interessadas admitidas no processo sustentaram que a Constituição Federal exige edição de lei complementar para a regulamentação de crédito tributário.

Entre outros pontos, eles alegaram que a Fazenda Pública não pode impor constrição do direito à propriedade sem qualquer participação anterior do Poder Judiciário, que é um órgão neutro.

Defesa das normas

Sonegômetro, projeto criado pelos procuradores da Fazenda Nacional para denunciar o alto índice de sonegação no país: em 2018 foram R$ 345 bilhões

Foto: Sinprofaz/ Divulgação

Sonegômetro, projeto criado pelos procuradores da Fazenda Nacional para denunciar o alto índice de sonegação no país: em 2018 foram R$ 345 bilhões

Foto: Sinprofaz/ Divulgação

O procurador da Fazenda Nacional Fabrício de Soller defendeu a validade dos dispositivos, observando que a averbação pré-executória não expropria bens, pois a indisponibilidade de bens se dá de forma temporária e restrita. Soller salientou que a anotação no registro de bens e direitos de débito em dívida ativa da União visa evitar fraudes e dar publicidade a terceiros de boa-fé e disse que a norma foi editada visando dar maior eficiência à recuperação do crédito público e descongestionar o Poder Judiciário.

Para o procurador-geral da República, Augusto Aras, a medida é desproporcional e restringe o direito de propriedade garantido pela Constituição Federal, além de violar a reserva da jurisdição e o devido processo legal, que não pode ser afastado pelo fisco.

Coação ao pagamento

Na avaliação do ministro Marco Aurélio, a medida questionada é “coercitiva e constritiva” e se enquadra no conceito de sanção política, inadmissível pela ordem constitucional e pela jurisprudência consolidada do Supremo. Para o relator, a restrição é “desarrazoada e o meio escolhido pelo legislador para satisfazer a obrigação tributária é ilegítimo, pois, de forma coercitiva, compele o devedor à satisfação do débito existente, em violação a garantias constitucionais como o devido processo legal, o livre exercício de atividades profissionais e econômicas lícitas e o direito à propriedade”. Ele avaliou, ainda, que qualquer intervenção estatal excessiva implica afronta ao estado democrático de direito.

Ampliação inconstitucional

Com base na Constituição Federal (artigo 146, inciso III, alínea “b”), o ministro Marco Aurélio salientou que compete à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária. Na sua avaliação, a norma atacada não se limitou a disciplinar o procedimento para a cobrança de tributos, mas ampliou ao Fisco os instrumentos voltados à satisfação do crédito. De acordo com ele, cabe à Fazenda Pública recorrer aos meios adequados a essa finalidade, “abandonando a prática de fazer justiça pelas próprias mãos, inviabilizando o prosseguimento da atividade econômica mediante a decretação unilateral da indisponibilidade de bens e direitos titularizados pelo devedor”.

Prévia manifestação judicial

Para o relator, o afastamento da necessidade de intervenção do Poder Judiciário desvirtuou o sistema de cobrança da dívida da União. O ministro observou que o artigo 185-A do Código Tributário Nacional condiciona a possível indisponibilidade dos contribuintes à formalização prévia de decisão judicial nos casos em que o devedor for devidamente citado, mas não pagar nem apresentar bens à penhora, ou em que não forem encontrados bens penhoráveis. Segundo ele, previsão contrária desrespeita os princípios da segurança jurídica, da igualdade de chances e da efetividade da prestação jurisdicional, “que devem ser observados em contraposição à primazia do crédito público”.

*Com informações do STF e da PGFN.

Comentários