MOVIMENTO

Lideranças indígenas se mantêm em Brasília para audiências

Na pauta, a contaminação por mercúrio no alto rio Tapajós, a invasão de terras para garimpo e extração de madeira, o desmatamento da Amazônia, a Funai e as demarcações de territórios tradicionais
Por Cristina Ávila e Pablo Albarenga / Publicado em 29 de abril de 2019
Temos 5 séculos de experiência em resistência e vamos continuar resistindo. Queremos o direito de continuar sendo o que somos, com identidade preservada”, afirmou Sônia Guajajara, coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas, na abertura do ATL

Temos 5 séculos de experiência em resistência e vamos continuar resistindo. Queremos o direito de continuar sendo o que somos, com identidade preservada”, afirmou Sônia Guajajara, coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas, na abertura do ATL

Foto: Pablo Albarenga/Proteja Amazônia

Encerrado o 15º Acampamento Terra Livre (ATL) que levou a Brasília mais de 4 mil indígenas de todas as regiões do país, representantes de 305 povos, lideranças de diferentes aldeias permanecem na capital federal, agora para audiências específicas para discutir questões como a contaminação do rio Tapajós por mercúrio, a extração de madeira e garimpos em terra indígena, o desmatamento da Amazônia, o desmantelamento da Fundação Nacional do Índio (Funai) e as demarcações de territórios tradicionais. No manifesto Resistimos há 519 anos e continuaremos resistindodivulgado na última sexta-feira, 26, os povos indígenas destacaram sua inconformidade com a atual política do governo federal para as suas questões e denunciaram os graves ataques aos seus direitos e às suas vidas.

As organizações indígenas e as instituições de apoio ao movimento começam esta semana ainda fazendo a avaliação sobre os resultados do Acampamento, mas consideram que já existem repercussões positivas evidentes. “Um exemplo se refere ao pungente manifestação da índia Alessandra Munduruku em audiência com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que arrancou das autoridades a perspectiva de recuo da decisão de transferir as demarcações de territórios tradicionais para o Ministério da Agricultura”, citou na manhã desta segunda-feira, 29, o secretário adjunto do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Gilberto Vieira dos Santos, ao jornal Extra Classe.

Recepção policial não impede manifestações

15 Acampamento Terra Livre - Brasília, 2019

Policiais do Distrito Federal impediram a montagem de barracas na Esplanada dos Ministérios, que foram armadas próximas ao Teatro Nacional

Foto: Pablo Albarenga/Proteja Amazônia

Apenas clareava a quarta-feira, 24 de abril, já podia se apreciar centenas de barracas e toldos em frente ao Congresso Nacional. Era o início do 15º Acampamento Terra Livre (ATL), ocorrido há pouco mais de quatro meses da posse do presidente Jair Bolsonaro. A chegada dos mais de 4 mil indígenas à capital federal provocou, provavelmente, o maior contraste entre a realidade étnica brasileira com o asfalto e as quadras planejadas da arquitetônica cidade modernista, marcada pelos edifícios da Praça dos Três Poderes e os aparatos policiais preparados para a recepção pelo Ministério da Justiça.

O acampamento cumpriu sua missão, e os índios retornaram aos estados. A cidade retoma seu ritmo. Quando os índios estiveram em Brasília, foi impossível não topar com os três protestos realizados diariamente, que provocaram mudanças sensíveis, principalmente nos eixos em que se concentram a maior parte dos veículos.

Em todas as manifestações a que a população local está acostumada a conviver, essa ficará na história como um dos grandes momentos, inclusive pela rispidez que o governo federal recebeu os visitantes que vieram com o propósito de chamar atenção pelas ameaças, algumas já bastante concretas, de perdas de direitos e invasões de territórios.

Para os visitantes, ficou a impressão exagerada da presença policial na Praça dos Três Poderes. Helicóptero, dezenas de patrulhas, um caminhão de bombeiros, várias camionetas, polícia montada, dezenas de policiais. Oficialmente, apenas a Polícia Militar do Governo do Distrito Federal (GDF) teria feito o acompanhamento regular de segurança da manifestação.

Por causa da presença ostensiva dos policiais, os indígenas tentaram diversas vezes negociar com o tenente-coronel identificado no uniforme como TC Vilson, mas tiveram que abandonar a Esplanada onde montaria acampamento, para se posicionar ao redor do Teatro Nacional, distante pouco mais de um quilômetro da Praça dos Três Poderes, para evitar violência. “Tendo em conta o atual momento político de constantes ataques aos povos indígenas, este ano pensamos o acampamento como uma retomada de nossa terra, já que este é um território que não aceita a presença indígena”, comenta Celia Xakriabá, uma das jovens líderes que participaram da ocupação. As mulheres indígenas cada vez mais assumem a posição de liderança neste tipo de movimento. Aliás, um dos resultados imediatos desses dias em que Brasília brilhou para o mundo, as  indígenas protagonizaram vídeos que viralizaram nas redes sociais.

15 Acampamento Terra Livre, Brasília 2019

As mulheres indígenas cada vez mais assumem a posição de liderança nos movimentos

Foto: Pablo Albarenga/Proteja Amazônia

Apesar de desalojados, as marchas indígenas transcorreram com normalidade. Mesmo que os índios estivessem rodeados por policiais e até mesmo com a presença constante de helicóptero que circulava o acampamento com estreita periodicidade. Os povos indígenas tiveram espaço para manifestações culturais e interação com os brasilenses que se aproximaram. Alguns em apoio e outros por curiosidade. “Algumas pessoas nos perguntaram se tivemos medo de morrer. E a verdade é que sim. Tivemos. Mas respondia que mais medo teríamos de seguir vivendo sem poder dizer quem somos”, acrescenta Celia.

As duas mais fortes falas que elas registraram foram a da Alessandra Munduruku, que firmemente questionou Rodrigo Maia sobre os interesses do agronegócio. E a histórica Tuira Kayapó, a mesma que em 1989, encostou a lâmina do facão no rosto do engenheiro que em Altamira que representava o governo federal na defesa da construção da hidrelétrica Belo Monte, afetando seu território. “Deputado, leve minha mensagem ao seu chefe, para que nos respeite, e deixe a Funai inteira. Não fiquem bagunçando nossa saúde indígena”, disse ela após ouvir o pronunciamento do deputado José Medeiros (Pode-MT), que defendeu a abertura das terras indígenas a grandes projetos econômicos.

Dentre as reivindicações dos povos indígenas estão: a demarcação dos territórios, de forma a garantir a reprodução física e cultural dos povos, conservação do meio ambiente e da biodiversidade e a superação da crise climática;   mudanças na Medida Provisória 870/19 para retirar as competências de demarcação das terras indígenas e de licenciamento ambiental do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e que essas competências sejam devolvidas ao Ministério da Justiça (MJ) e à Fundação Nacional do Índio (Funai); o direito de decisão dos povos isolados de se manterem nessa condição seja respeitado; e a manutenção do Subsistema de Saúde Indígena do SUS.

 

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