OPINIÃO

A frase

Por Luis Fernando Verissimo / Publicado em 17 de junho de 2019

A fase | Luis Fernando Verissimo | Ilustração de Ricardo Machado

Ilustração: Ricardo Machado

Ilustração: Ricardo Machado

Há frases que sobrevivem aos seus autores – em muitos casos porque são atribuídas a autores errados. Nem o Humphrey Bogart nem a Ingrid Bergman pediram ao pianista Sam que tocasse As Time Goes By outra vez, no Casablanca, o que não impediu que fosse a música mais lembrada do filme. Joseph Goebbels, ministro da Propaganda de Hitler, deixou uma penca de frases para a posteridade. Estranhamente, a autenticidade das suas citações está só agora sendo debatida. O verdadeiro autor da tirada “Sempre que ouço falar em cultura, pego o meu revólver” seria não o magro Goebbels, mas o gordo Hermann Goring, que disputava com Goebbels um lugar no coração do Führer. E agora surge outra revelação: a frase faria parte de uma peça intitulada Schlageter, lançada em Berlim em 1933. Enfim o autor.

Goebbels nunca reivindicou a autoria da frase famosa porque, de certo, achava que merecia todas as glórias de uma boa sacada, mesmo as emprestadas. Também, como intelectual do regime e atento a tudo que desmoronava à sua volta, inclusive o sacrifício dos seus próprios filhos e o seu suicídio no bunker de Hitler, Goebbels deve ter visto seu final como um misto de castigo pelos seus crimes e triunfalismo trágico pela sua fidelidade. Se todas as vezes em que ouvisse falar em cultura tivesse sido mais rápido no gatilho, talvez o delírio nazista tivesse durado mais um pouco, ou menos. Para as crianças no bunker, não faria diferença.

A frase de Goebbels que não era de Goebbels teve várias versões. Groucho Marx: “Sempre que ouço alguém falar em cultura, pego a minha carteira”. Possível outra versão da frase do Groucho: “Sempre que ouço falar em cultura, escondo minha carteira”. No Brasil do governo Bolsonaro, a escolha cultura/revólver já foi feita.

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