OPINIÃO

Bonner tem saudade de 2006

Por Moisés Mendes / Publicado em 27 de maio de 2020

Foto: Reprodução Rede Globo

Foto: Reprodução Rede Globo

Até Bolsonaro, cercado por seguranças, circula sem máscara pelas padarias de Brasília. Mas William Bonner não consegue entrar mais em padarias. A extrema direita o agride. Foi o que contou em entrevista ao colega Pedro Bial.

Bonner não consegue entrar em farmácias, nem viajar de avião ou ir a um shopping. O jornalista falou da situação que enfrenta hoje, muitas vezes com xingamentos, e relembrou com saudade que em 2006 era um cara feliz.

Em 2006, ele conseguia participar de uma transmissão do Jornal Nacional em Juazeiro do Norte, no Ceará, cercado de moradores. Hoje, o bolsonarismo tornou um JN transmitido ao ar livre, na praça de uma cidade, em algo inimaginável.

Quando falou de 2006, Bonner não disse, mas poderia ter esclarecido. Naquele ano, o Brasil era governado por um partido de esquerda. Sua equipe andava pelo Brasil, e não só pelo Ceará, fazendo transmissões locais do Jornal Nacional.

Bonner sempre foi considerado a imagem da Globo pelo PT e pelos lulistas. Podia ser criticado, mas nunca agredido. E naquele 2006 o PT ainda vivia o inferno do mensalão, explorado todos os dias pelo JN.

Mas Bonner nunca deixou de levar o JN aonde achava que deveria estar, como fez em janeiro de 2013, quando da tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. Era criticado, mas trabalhava em paz, viajava de avião e frequentava padarias.

Foi então que a Globo de Bonner decidiu ver o Brasil como um país ameaçado pela longa permanência do lulismo no poder. Era preciso interromper o quarto mandato da esquerda. E o JN atiçou a classe média a ir às ruas. O resto todo mundo sabe.

Bonner é hoje não só a face pública da direita arrependida, mas também assustada e amedrontada com as ações da extrema direita no poder.

O apresentador faz parte de uma direita que nunca pediu desculpas pelo apoio ao golpe, pela contribuição ao surgimento de Bolsonaro como líder fascista e pela cumplicidade com terror que o país vive hoje em meio a uma pandemia.

William Bonner poderia ter dito a Pedro Bial: nós erramos e estamos sendo perseguidos pelas figuras que ajudamos a inventar.

Mas não. A direita bacana, que imaginava os tucanos de volta ao poder depois do golpe contra Dilma Rousseff, é pedante e pernóstica. Estão impedindo Bonner de sair às ruas. Caçam os filhos de Bonner. Ameaçam sua família. Mas Bonner não pede desculpas.

As Organizações Globo levaram 49 anos para, em editorial publicado no jornal, admitir que haviam apoiado o golpe de 1964. O pedido de desculpas está num texto meio enviesado, mas lá está, em editorial de agosto de 2013.

Durante esse tempo todo, a Globo posou de isentona, como Bonner faz agora. Há nas declarações do apresentador o esforço para passar a ideia de que não sabe direito por que é perseguido.

Globo, Folha e Estadão são inimigos declarados de Bolsonaro porque, antes de assumirem posição crítica, foi ele quem decidiu abrir a guerra. Se não fosse assim, é provável que todos tivessem feito com o bolsonarismo o que fizeram historicamente como aliados dos governos de direita.

É constrangedor para uma figura pública e pop não poder ir à padaria da esquina, não por ser um jornalista qualquer, mas por ser a imagem da Globo. Bonner deve saber que já era assim com Lula e com Dilma. Já era com Chico e outros artistas de esquerda.

O jornalista chefe do Jornal Nacional passa a fazer parte dos escolhidos como alvo do fascismo. É a realidade que escancarada diante dos que se consideravam livres porque teriam se livrado das esquerdas no poder.

O fascismo também é cria do Jornal Nacional. Todos temos saudade das liberdades de 2006, William Bonner.

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