OPINIÃO

Omissão e fascismo continuam matando os jovens da Boate Kiss

Por Moisés Mendes
Publicado em 21 de outubro de 2022

Foto: Arquivo EBC/ Divulgação

“E agora aparece o deputado Bibo Nunes, a bordo da sua imunidade parlamentar, dizendo que os estudantes da UFSM devem ser consumidos pelo fogo. É uma ofensa aos 107 estudantes mortos no incêndio da Boate Kiss. De um total de 242 mortos”

Foto: Arquivo EBC/ Divulgação

Integrei a equipe de Zero Hora que cobriu a tragédia da Boate Kiss em janeiro de 2013. Por muitos dias, depois que voltei a Porto Alegre, fiquei acompanhando no jornal os nomes dos que morriam. Era a notícia que mais se lia.

Não havia muito o que noticiar sobre os sobreviventes. A notícia diária era essa: morreu mais um estudante, e mais outro e mais outro. Até morrerem 242.

Moças e rapazes cujas famílias haviam passado o dia 27 de janeiro procurando por informações no Hospital de Caridade. Eu passei aquele dia com eles, dentro do hospital.

Procuravam por Andrielle. Onde está Andrielle? Ela é morena, bonita, tem um piercing na boca.

E Andrielle morreria dias depois. Procuravam por Allana. E Allana também não sobreviveu. Procuravam pelo Deives, pela Driele, pelo Herbert.

A cada dia morriam mais e mais jovens. Morreram 242 jovens, muitos deles semanas depois do incêndio. Morreram Igor, Jarlene, Douglas, Evelin, Helena. Morreram três Lucas, três Leonardos e três Letícias.

Todos os 242 mortos continuam morrendo todos os dias pela incompetência do sistema de Justiça de oferecer uma resposta reparadora e consoladora.

Maltratam suas famílias e suas memórias pela incapacidade da reparação. O sistema de Justiça não consegue nem mesmo consolar os que sobreviveram.

Desses 242 jovens que agora a Justiça continua matando, 107 eram estudantes da UFSM. Andressa de Moura Ferreira, Augusto Cezar Neves, Isabela Fiorini, Benhur Retzlaff Rodrigues e Carolina Simões Corte Real eram estudantes da UFSM.

Emili Contreira Nicolow, Henrique Nemitz Martins, Helena Dambroz, Leonardo Schoff Vendrúsculo, Lucas Foggiato, Mariana Comassetto do Canto e Guido Ramón Brítez estudavam na UFSM.

E agora aparece o deputado Bibo Nunes, a bordo da sua imunidade parlamentar, dizendo que os estudantes da UFSM devem ser consumidos pelo fogo.

Só porque protestaram contra a destruição das universidades federais por Bolsonaro. É uma ofensa aos 107 estudantes da UFSM mortos no incêndio da Boate Kiss. De um total de 242 mortos, CENTO E SETE estudavam na UFSM.

E todos os 242 são ofendidos, porque viviam, trabalhavam ou passeavam em Santa Maria. A cidade vive por seus vínculos com a UFSM. E todos dependem da universidade.

Desde 2013 o fogo é o grande trauma de Santa Maria. Um ano depois, na noite em que saíram às ruas para homenagear os jovens mortos, mais de 10 mil pessoas levavam balões brancos.

A Santa Maria das procissões, das rezas e das velas não podia carregar velas. E agora a cidade é obrigada a ouvir que um político em fim de mandato deseja a morte de estudantes da UFSM. Mais uma vez, pela ação do fogo.

O que esperar de instituições acovardadas pelos negacionistas, pelos milicianos e pelos incendiários que mobilizam o fascismo? Quase nada. Não esperem.

Apelem a juízes, promotores, procuradores, desembargadores e ministros das mais altas instâncias. Mas não esperem nada.

Não há o que esperar, depois de 10 anos de omissões. Matam e continuam matando os 242 jovens da Boate Kiss todos os dias.

A declaração do deputado bolsonarista apenas é juntada ao que vem acontecendo, enquanto matam as universidades, o ensino público, o SUS, as instituições e o próprio sistema de Justiça.

O descaso, os erros provocados pelo descaso, a resignação, a alienação, a covardia e o fascismo matam os 242 jovens da Boate Kiss cotidianamente. E cada vez com mais crueldade.

Moisés Mendes é jornalista. Escreve quinzenalmente para o jornal Extra Classe.

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