OPINIÃO

A educação em 2022: redução de recursos e apagão de dados

Por Gabriel Grabowski / Publicado em 2 de março de 2022

Foto: Cpers-Sindicato/ Banco de Imagens

Após um temporal que destruiu o telhado do Centro Escolar Coronel Pilar, de Santa Maria, em 2019, alunos convivem com goteiras, infiltração, umidade e mofo pelas paredes. Quando chove, as aulas são transferidas para a biblioteca e outros espaços

Foto: Cpers-Sindicato/ Banco de Imagens

Ao iniciarmos o terceiro ano letivo sob diversos impactos da pandemia na educação, a expectativa de todos era, no mínimo, melhores condições de trabalho e estudo, mais investimentos na educação e transparência dos gestores, sejam públicos ou privados, de todos os entes federados.

Porém, a realidade que se apresenta neste começo de ano é, novamente, de desarticulação, improvisação, redução de recursos orçamentários e apagão de dados do Censo Escolar.

Agrega-se a tudo isso, apesar do discurso da necessidade de retorno das aulas presenciais, um atraso proposital de vacinação de crianças e adolescentes pelo governo federal, ausência de campanhas educativas e, consequentemente, baixo índice de vacinação. Tudo isso evidencia ausência de planejamento de política pública de Estado e inoperância do regime de colaboração entre os entes federados. Inclusive no estado do RS.

Projetos e obras abandonadas

Durante o período de aulas remotas e escolas fechadas (2020 e 2021), os governos deveriam ter realizados as obras necessárias e tomado todas as providências para o retorno à presencialidade.

Porém, nenhum programa ou mutirão foi desenvolvido. O resultado é, conforme o censo escolar, além da falta de ambientes coletivos, condições sanitárias e conexão à internet; pátios e quadras esportivas não são acessíveis para a maioria dos estudantes de escolas públicas do estado.

Ao todo, de um total de 1.996 instituições estaduais (82,8%) e 2. 272 municipais (47,2%) não dispõem desses espaços. Ou seja, 53% dos estudantes sequer têm uma quadra ou pátio coberto à nas instituições onde estudam.

Escolas sem energia elétrica, sem água, com janelas quebradas, mobiliário semidestruído, prédios interditados e ausência de condições físicas de acolhimento e estudo, mesmo após dois anos sem aula presencial, são inúmeras.

O agravante não para por aqui. Em todo o país, 54.681 escolas (39,65), não têm acesso à internet banda larga, dessas 25,66% não têm acesso a qualquer tipo de conexão. Outras milhares de escolas não têm bibliotecas e as que possuem não tem profissionais para orientar a prática de leituras e pesquisas.

Conforme dados extraídos do Sistema Integrado de Monitoramento Execução e Controle (Simec), no Brasil, há 8.904 projetos escolares abandonados, sendo que os 604 do RS representam 6,8% do total, metade delas de iniciativas municipais.

Entre os empreendimentos, estão intervenções complexas, como construção de escolas de educação básica e de educação infantil, e de melhorias, como cobertura de quadras e ampliações de espaços das instituições.

Esse montante agrupa construções canceladas, paralisadas e inacabadas. Obras fundamentais para o desenvolvimento da educação e da aprendizagem dos estudantes, ainda mais especialmente em tempos de pandemia.

Vetos ao Orçamento da União de 2022

O orçamento do MEC sofreu cortes expressivos nos últimos três anos e a execução orçamentária foi a mais baixa desde 2011. O orçamento sancionado em fevereiro para 2022 pelo governo federal apresentou novos e substanciais vetos que impactam Unidades Orçamentárias do Ministério da Educação.

A Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca) se manifestou em nota, apontando que os cortes no MEC atingiram R$ 739.893.076,00, abrangendo vetos a emendas, principalmente as apresentadas pela Comissão de Educação do Senado e pela Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos Deputados, valores discricionários e valores da proposta orçamentária que não fazem parte das emendas dos congressistas.

Esses cortes em 2022 além de aprofundarem a forte redução nos recursos do MEC que se destinam ao pagamento de despesas associadas a outras despesas correntes, investimentos, inversões financeiras etc., excluindo-se aqueles para o pagamento de pessoal e encargos sociais (que são obrigatórias).

As chamadas ‘outras despesas correntes’ são as realizadas com o pagamento de água, luz, internet, material de consumo, reforma de instalações, limpeza, vigilância, terceirização etc. Os investimentos são os recursos aplicados em construções, aquisição de equipamentos e mobiliários etc.; inversões financeiras são despesas realizadas, por exemplo, com a aquisição de imóveis que já estão concluídos.

Censo Escolar: manipulação de dados

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), encarregado de coletar, organizar e divulgar os dados do Censo Escolar da educação básica e do ensino superior, divulgou recentemente que o “formato de apresentação do conteúdo dos arquivos que reúnem um conjunto de informações detalhadas relacionadas à pesquisa estatística e ao exame foram reestruturados”, a pretexto de “suprimir a possibilidade de identificação de pessoas, em atendimento às normas previstas na Lei n.º 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD)”.

A notícia surpreendeu a todos e mais de 30 entidades educacionais e científicas emitiram Posicionamento Público, no dia 22 de fevereiro de 2022, afirmando que é “preciso proteger a privacidade, sem abdicar da transparência. Utilizar a LGPD como justificativa genérica para o descarte dos microdados do Censo Escolar carece de fundamento legal. A própria LGPD deixa claro em seu artigo 7º, incisos II e III, que a administração pública pode realizar o tratamento de dados pessoais necessários ao cumprimento de obrigação legal e/ou execução de políticas públicas, sem que para isso seja necessário o prévio consentimento do titular destes dados”.

Para além do acesso ao detalhamento dos dados anteriores, rompendo e impossibilitando de análises históricas em série, as informações referentes ao ano de 2021 estão organizadas como uma estatística ampliada, desagregada no nível de escola, perdendo caráter de microdados, impedindo seu maior detalhamento e cotejamento.

No que tange à matrícula, apontam as entidades que subscrevem o posicionamento público, análises por idade, comparação entre idade e etapa não são possíveis, inviabilizando, por exemplo, o cálculo da taxa de matrícula líquida.

Apagamento de direitos

Nota-se também ausência de informações sobre transporte escolar. Em relação à análise de grupos específicos, não se tem informação sobre as categorias de deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, e altas habilidades/superdotação. Há um total de matrículas da educação especial incluídas, não podendo aferir em quais etapas/modalidades esses estudantes se encontram. Há um total de matrículas exclusivas, sem distinção entre classe exclusiva ou escola exclusiva.

Esse apagamento de dados, comum ultimamente no Brasil, impacta diretamente e imediatamente em três perspectivas: rompe uma série histórica de dados educacionais praticados pelo Inep; prejudica a estruturação e planejamento de políticas públicas educacionais consistentes para o enfrentamento das necessidades e, prejudica, a realização de pesquisas e estudos nas ciências da educação.

A medida tomada pelo MEC/Inep significa, também, o “apagamento dos direitos à educação e a tantos outros direitos de nossas crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos do país” apontam as entidades.

Desde 2010, o Brasil não tem dados censitários atualizados. Em plena pandemia, o Ministério da Saúde não protege suas informações estratégicas. Plataformas privadas vendem e vazam nossos dados com frequência. Agora o MEC/Inep censura microdados educacionais. A quem e a que interesses tudo isso serve? Sem informações atualizadas sobre as reais condições de vida e de educação dos 212 milhões de brasileiros estamos numa caverna da ignorância. Prense!

Portanto, 2022 é o ano em que precisamos pensar mais e melhor para exercermos o direito e o dever de escolhermos governantes e gestores mais comprometidos com a educação, a ciência, a cultura e a tecnologia em prol de uma nação soberana.

Gabriel Grabowski é professor e pesquisador. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.

Comentários