POLÍTICA

Quanto vale seu voto?

Por Marco Aurélio Weissheimer / Publicado em 23 de setembro de 2006

As eleições deste ano trarão um desafio adicional para a ainda jovem democracia brasileira. Além da escolha do presidente da República, de novos governadores, senadores e deputados estaduais e federais, estará em jogo a vitalidade do próprio sistema democrático. A crise política que dominou o noticiário ao longo de 2005 alimentou um sentimento de desconfiança e descrédito em relação aos políticos e à política de um modo geral. Nos últimos meses, aumentou o volume de mensagens e campanhas, pela internet, defendendo o voto nulo nas eleições de outubro. Recentemente, um comercial da MTV criticou não só os políticos (do governo e da oposição), mas a própria campanha eleitoral, qualificada de “inútil” e “mentirosa”. O final deste comercial recomenda à população que ela se abasteça de ovos e tomates para jogar nos políticos. A mensagem é clara e sem ambigüidade: toda a política é jogada na vala comum da mentira.

Considerando o histórico de interrupções autoritárias da democracia brasileira, a proliferação destas manifestações é preocupante. A participação da população na vida política do país ainda é muito pequena e bastante restrita somente aos processos eleitorais. A maioria dos eleitores brasileiros prefere não se filiar a partidos políticos. Menos de 10% dos eleitores são filiados a algum partido, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Do total de 126 milhões de cidadãos aptos a votar nas eleições gerais de outubro, somente 11,5 milhões (9,18%) estão filiados a alguma força política. E o problema não é exatamente a falta de opções. Segundo o TSE, o Brasil tem hoje 29 partidos legalmente registrados. Destes, menos da metade tem algum grau de representatividade. Os demais correspondem àquilo que se costuma chamar de legendas de aluguel. Trata-se de pequenos grupos políticos que são usados pelos partidos maiores para simular a existência de frentes partidárias mais amplas, o que garante alguns segundos preciosos na propaganda eleitoral de rádio e televisão.

Dos sete partidos com mais de 900 mil filiados, o maior é o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), que tem atualmente as maiores bancadas no Senado e na Câmara de Deputados, e que conta, oficialmente, com mais de 2 milhões de filiados. Apesar deste tamanho, o PMDB só chegou uma vez ao governo, ao final do período da ditadura militar (1964-1985), graças a uma ajuda do destino. O presidente eleito Tancredo Neves acabou morrendo antes de assumir, e o cargo foi ocupado pelo vice José Sarney. Depois disso, o partido foi se tornando cada vez mais uma confederação de lideranças regionais que raramente estão de acordo e não conseguem definir apoio a uma candidatura comum. Este ano, mais uma vez, após uma pesada batalha interna, o PMDB não apresentou candidato à presidência, apesar de liderar as pesquisas de intenção de voto nas eleições para governadores, em dez estados.

O segundo partido em número de filiados registrados na Justiça Eleitoral é o Partido Progressista (PP), com 1,27 milhão de filiados. Nos últimos quatro governos, o PP atuou sempre como linha auxiliar de quem está no poder, independentemente de sua orientação política. O ranking partidário, em número de filiados, mostra como o sistema político brasileiro ainda guarda estreita relação com o período da ditadura. Os dois maiores partidos são os sucedâneos daqueles únicos que eram permitidos no regime militar: MDB e Arena. Em terceiro lugar, com 1,1 milhão de filiados, aparece o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que esteve no poder com Fernando Henrique Cardoso no período entre 1995 e 2002. Hoje, o PSDB lidera as pesquisas para governador em seis estados. E, em quarto lugar, vem o Partido dos Trabalhadores (PT), atualmente no poder. O PT foi o partido cujo número de filiados mais cresceu desde a última eleição geral, em 2002, passando de 828 mil para 1,05 milhão.

Mas, se cresceu em número de filiados, o PT perdeu força nas ruas, onde sua militância sempre fez diferença nas eleições passadas. Com a conquista de vários governos, em especial o federal, seus melhores quadros foram trabalhar na administração pública, e o partido sofreu um processo de burocratização e perda de vitalidade. A crise política do “mensalão” e algumas medidas do governo Lula (como a Reforma da Previdência) acabaram provocando um pesado desgaste junto à base social do partido. O episódio da expulsão de parlamentares, que se posicionaram contra a Reforma da Previdência, culminou com a formação de um novo partido, o P-Sol (Partido Socialismo e Liberdade), que tem na senadora Heloísa Helena (AL) uma das principais novidades desta campanha eleitoral. A eleição de 2006 definirá com maior clareza o futuro do PT como partido de esquerda e as chances do P-Sol capitalizar maiores contingentes de descontentes, que, apesar de todos os problemas, permanecem no PT.

O quinto lugar no ranking partidário é ocupado pelo Partido da Frente Liberal (PFL), com 1,02 milhão de filiados. Estruturado principalmente na região Nordeste, o PFL, de modo similar ao PMDB, ocupa um lugar de coadjuvante na política nacional, funcionando como linha auxiliar do PSDB nos últimos 12 anos. O partido lidera as pesquisas de intenção de voto para governador em quatro estados. O sexto lugar é ocupado pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), com 957 mil filiados, mas pouca expressão nacional. O PDT lançou candidato próprio à presidência da República, o senador Cristóvam Buarque (DF), mas ele não vem conseguindo superar a casa do 1% nas pesquisas. Outros partidos formam a base política do atual governo, como o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e o Partido Comunista do Brasil (PC do B), ou estão aliados à oposição de centro-direita, como o Partido Popular Socialista (PPS, ex-Partido Comunista Brasileiro) e o Partido Verde (PV). Finalmente, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o Partido Liberal (PL) costumam formar, juntamente com o PP, a base de apoio de qualquer governo, segundo as vantagens que possam obter. E são justamente estas as legendas com o maior número de parlamentares envolvidos nos recentes escândalos de corrupção.

Esses escândalos alimentaram fortemente a desconfiança da população em relação à classe política. Mas não só isso. Além da desconfiança, as primeiras pesquisas qualitativas realizadas no início da campanha eleitoral apontam também para um relativo desinteresse da população. Haveria, portanto, um misto de desconfiança e apatia em relação ao processo eleitoral, alimentado também pela cobertura midiática. O início da propaganda eleitoral gratuita de rádio e televisão foi recebido com uma profusão de artigos de opinião, charges e comentários negativos em relação à sua utilidade. Um dos mais contundentes foi um comercial produzido pela MTV, do Grupo Abril, que qualificou a campanha eleitoral na TV como “inútil e mentirosa”, recomendando à população que se munisse de ovos e tomates para jogar nos políticos e em suas promessas. Ninguém escapa da crítica demolidora: nem governo, nem oposição. Toda a política é jogada na vala comum da mentira e da inutilidade.

A política não traz nada de bom?

Os discursos irados contra os políticos e a política, que afirmam que nada de bom é feito por eles para a sociedade, muitas vezes vêm acompanhados por uma boa dose de desinformação. Se, por um lado, os casos de corrupção e as promessas não cumpridas são fenômenos reais que ajudam a desgastar a imagem da política, por outro, muitos avanços são obtidos, com impacto real na vida da população. Um exemplo. Os gastos com saúde e educação cresceram no período entre 1999 e 2002 tanto nos estados quanto nos municípios, segundo o estudo “Despesas Públicas por Funções – 1999-2002”, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entre as 27 unidades da Federação, os gastos com educação saltaram de 14% no total das despesas em 1999 para 16% em 2002. No caso da saúde, o aumento foi de 6% para 9%.

No caso dos municípios, saúde e educação, foram as classes de despesas que mais ampliaram sua fatia no total de todas as despesas. Em 1999, gastos com saúde correspondiam a 18% de tudo o que era gasto pelos municípios, e em 2002 esse percentual avançou para 22%. No caso de educação, os gastos subiram de 18% para 21% no período. Segundo o IBGE, esses aumentos são explicados pelo estabelecimento em legislação de percentuais de gastos obrigatórios vinculados às receitas. A Constituição determina que os estados vinculem 25% das receitas de impostos assim como das receitas para a educação. Os municípios também são obrigados a vincular 25% das receitas resultantes de impostos, incluindo transferências, para a área. Além disso, uma emenda constitucional de 2000 prevê que 7% das receitas municipais e estaduais sejam aplicadas em saúde e um acréscimo de 5% sobre o montante empenhado pelo Ministério da Saúde.

Nos anos seguintes, até 2004, os percentuais previstos para estados e municípios deveriam elevar-se até atingir 12% das receitas estaduais e 15% das receitas municipais. Além do crescimento de participação, também houve expansão dos valores dos gastos. Segundo Dione de Oliveira, gerente de administrações públicas do IBGE, no âmbito estadual, por exemplo, os valores das despesas com saúde tiveram um crescimento anual médio de 13% em termos reais. Já os gastos com educação tiveram um incremento de 7% em média ao ano na mesma base de comparação. Esses números mostram que não é correta a afirmação de que “a política não serve para nada”. Apesar de todos os problemas – e eles não são poucos, é verdade –, importantes decisões são tomadas no dia-a-dia dos governos e dos parlamentos que acabam tendo repercussão positiva na vida diária das pessoas. Mas a percepção que acaba predominando junto à opinião pública é aquela ditada pelas figuras do mensalão, das sanguessugas, etc.

Juventude quer participar mais da vida do país

O cenário é de descrédito. Mas diversas pesquisas indicam que um setor fundamental na formação da opinião pública, a juventude, quer participar mais. Segundo levantamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), houve um aumento de 49,3% nos títulos de adolescentes com 16 e 17 anos, o que representou um acréscimo absoluto de 17 milhões de eleitores nesta faixa etária para esta eleição. Uma outra pesquisa publicada pela Unesco e pela OEI – Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura mostra que cerca de 69% dos jovens de 15 a 29 anos acreditam que o voto pode mudar a situação do país, e que 66,6% não estão de acordo com a decisão de não votar nas eleições. Um outro dado reforça essa tendência. Segundo pesquisa do Instituto Datafolha, a faixa etária entre 16 e 24 anos apresenta o menor índice de intenção de voto nulo e não sabe em quem votaria se a eleição fosse hoje. Se tomada a pesquisa do Instituto Datafolha, esses índices ficam em 5%, contra 9% no grupo de pessoas entre 35 e 44 anos.

Outros levantamentos indicam que a juventude não é avessa à participação em grupos e atividades coletivas. Uma pesquisa realizada pelo Ibase e pelo Instituto Polis constatou que 28,1% dos jovens entrevistados participam de alguma forma de uma atividade em grupos. Diferente do que ocorria em um passado recente, o movimento estudantil perdeu atração. Hoje as principais atividades organizativas se dão em ambientes e organizações ligadas à religião (42,5%), ao esporte (32,5%) e à arte e cultura (26,9%). Esse grupo representa cerca de 20% da população brasileira e pouco mais de 21% do eleitorado. Os jovens entre 15 e 24 anos somam hoje 34 milhões de pessoas e 26,5 milhões de votantes para as eleições de outubro. Considerando a faixa etária de 15 a 29 anos, esse número cresce ainda mais, podendo atingir perto de 30% da população. Um outro dado importante: segundo dados do Instituto Datafolha, 38% das pessoas entre 16 e 24 anos ainda não decidiram em quem votar, percentual que cai progressivamente à medida que a faixa etária aumenta, chegando ao índice de 18% no grupo de 60 anos ou mais.

O cenário eleitoral para o Planalto

Com o início da propaganda eleitoral no rádio e na televisão, começa a se consolidar com mai-or clareza o cenário da disputa à presidência da República. As últimas pesquisas reforçaram o favoritismo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para vencer a disputa ainda no primeiro turno. O principal adversário de Lula, o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), corre contra o relógio para tentar diminuir a distância. Para tanto, promete manter e ampliar o programa Bolsa Família, uma das principais armas de Lula para a reeleição, aplicar um “choque de gestão” no país e também um “choque de ética”. Nas primeiras semanas de campanha, esse discurso ainda não havia causado grande impacto junto à opinião pública. A novidade mesmo é a senadora Heloísa Helena, que vem capitalizando o voto de tradicionais eleitores de Lula e também de setores da classe média que não enxergam Alckmin como uma alternativa. Os demais candidatos não vêm conseguindo ultrapassar a casa do 1% nas pesquisas.

As pesquisas de opinião pública indicam que segurança, geração de emprego, saúde e educação são os temas que mais interessam à população. Mas a campanha eleitoral corre o risco de não propiciar um debate mais aprofundado sobre tais temas. O favoritismo de Lula, reforçado a cada pesquisa, tende a empurrar as candidaturas de Alckmin e Heloísa Helena para a adoção de um discurso mais virulento contra o governo e o PT no tema da ética. A indefinição sobre a linha a ser adotada já gerou inclusive um princípio de crise na campanha de Alckmin. O PFL, principal aliado do PSDB, defendeu que, desde o início dos programas eleitorais no rádio e na televisão, se adotasse um discurso associando Lula e seu partido ao mensalão e à corrupção. Os coordenadores da campanha de Alckmin não concordaram com essa opinião e adotaram uma linha de apresentação do candidato e de suas realizações. Mas as pesquisas conspiram contra essa postura e o tom tende a aumentar no decorrer das semanas. Até a primeira quinzena de agosto, quem vem batendo mais forte em Lula é a candidata do P-Sol, o que já era esperado.

Como conhecer e fiscalizar os candidatos

O debate sobre o tema da ética servirá como termômetro para avaliar o amadurecimento da sociedade brasileira. Após meses de intenso bombardeio midiático em torno do problema da corrupção, a população terá a oportunidade de dar uma resposta aos políticos envolvidos em escândalos com desvio de dinheiro público. Todos os candidatos concordam com a urgência da realização de uma Reforma Política no início de 2007. A concretização (ou não) desta reforma já será um bom critério para que a população cobre coerência de seus candidatos. E ninguém poderá dizer também que votou em um candidato envolvido em escândalos sem saber. Além da extensa cobertura na mídia, há diversos sites na internet que listam o nome dos políticos citados em denúncias. Um deles é o Transparência Brasil (www.transparencia.org.br), que disponibiliza gratuitamente um cadastro com o histórico de todos os candidatos que buscam reeleição à Câmara dos Deputados, e mais ex-ministros, ex-senadores, ex-governadores e ex-prefeitos de capital que tentam eleger-se deputados federais.

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