POLÍTICA

MP reeditada antes de chegar ao Congresso pode perder efeito

Por ter entrado em vigor imediatamente após ser publicada, Medida Provisória 927 não poderia ter sido alterada pelo presidente antes de chegar à Câmara e ao Senado, segundo a Constituição
Por Gilson Camargo / Publicado em 24 de março de 2020
Jurisprudência do STF reafirma que “não perde eficácia a medida provisória não apreciada pelo Congresso Nacional, mas reeditada, por meio de outro provimento da mesma espécie, dentro de seu prazo de validade”

Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Jurisprudência do STF reafirma que “não perde eficácia a medida provisória não apreciada pelo Congresso Nacional, mas reeditada, por meio de outro provimento da mesma espécie, dentro de seu prazo de validade”

Foto: Nelson Jr./SCO/STF

A reedição da Medida Provisória 927, inicialmente publicada no Diário Oficial da União de domingo, 22, e alterada pelo presidente Jair Bolsonaro horas depois, pode tornar sem efeito as medidas emergenciais de enfrentamento à pandemia de coronavírus.

Na avaliação de juristas, a medida precariza direitos trabalhistas para empregados na iniciativa privada e incorre em inconstitucionalidades ao estabelecer a redução da jornada de trabalho e o corte dos salários. Além disso, a MP deveria ter sido anulada por ter sofrido alteração pelo presidente da República antes de chegar ao Congresso.

O texto original do artigo 18, suprimido por Bolsonaro, estabelecia que durante o estado de calamidade pública o contrato de trabalho poderia ser suspenso pelo prazo de até quatro meses para “participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional não presencial oferecido pelo empregador, diretamente ou por meio de entidades responsáveis pela qualificação, com duração equivalente à suspensão contratual”.

Essas mudanças não dependeriam de acordo ou convenção coletiva, poderiam ser acordadas individualmente com o empregado ou o grupo de empregados e deveriam ser registradas em carteira de trabalho.

Também foi retirada a previsão de concessão ao empregado de uma “ajuda compensatória mensal, sem natureza salarial”, com valor “definido livremente entre empregado e empregador, via negociação individual”.

O teor dos demais artigos foi mantido para teletrabalho, antecipação de férias, concessão de férias coletivas, aproveitamento e antecipação de feriados, banco de horas, suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho, direcionamento do trabalhador para qualificação e adiamento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). A MP tem validade de 120 dias para tramitação no Congresso Nacional e é passível de ser revogada sem a aprovação em plenário.

EMENDA CONSTITUCIONAL – Essa seria a primeira vez que um chefe do Executivo altera uma Medida Provisória antes que o texto tenha chegado ao conhecimento do Congresso e as opiniões são divergentes sobre a validade após o veto do artigo 18.

Um dispositivo constitucional determina: “porque possui força de lei e eficácia imediata a partir de sua publicação, a medida provisória não pode ser ‘retirada’ pelo presidente da República à apreciação do Congresso Nacional” e afirma que “o ato revocatório não subtrai ao Congresso Nacional o exame da matéria contida na MP revogada”.

O desembargador Francisco Rossal de Araújo, vice-presidente do Tribunal Regional do Trabalho (TRT4), explica que as MP eram editadas indefinidamente. “Como reação, foi promulgada a Emenda Constitucional 32, que permite a reedição apenas uma vez. No total, uma MP vigora por 120 dias. Nesse prazo, o Congresso tem de apreciar.

A vedação de reedição refere-se ao fato de que a MP tramitou no Congresso e não foi votada. Então, naquele ano, não pode ser reeditada. Pode voltar como projeto de lei, por exemplo”, compara. “No caso atual, não houve apreciação ou recusa do Parlamento porque a MP sequer tramitou. Assim, é possível uma nova MP. Acho muito pouco provável que o STF acolha uma tese de inconstitucionalidade por esse motivo formal”.

De acordo com a pesquisa solicitada ao Supremo Tribunal Federal pelo jornal Extra Classe, “a jurisprudência desta Corte é firme quanto à manutenção da eficácia de medida provisória, com força de lei, não apreciada pelo Congresso Nacional, mas reeditada dentro do prazo de validade de trinta dias, à luz da redação original do art. 62, da Constituição” e “não perde eficácia a medida provisória não apreciada pelo Congresso Nacional, mas reeditada, por meio de outro provimento da mesma espécie, dentro de seu prazo de validade”.

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