SAÚDE

Mesmo reduzidas, doações de órgãos e transplantes prosseguem salvando vidas na pandemia

Durante 2021 foi efetivada a doação de órgãos de 161 pessoas com morte encefálica no Rio Grande do Sul, as quais salvaram a vida de 420 pacientes que estavam em lista de espera por transplante
Por Stela Pastore / Publicado em 13 de janeiro de 2022

Foto: Arquivo Pessoal

Martina e a mãe, Koka Keiber

Foto: Arquivo Pessoal

Ao apagar das luzes de 2021, três pacientes foram salvos graças a doação de órgãos de Martina Keiber, 29 anos, vítima de um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Foram transplantados o coração, o fígado e os rins.

Martina foi uma das 161 pessoas que tiveram morte encefálica em 2021 no Rio Grande do Sul e que os familiares autorizaram a doação dos órgãos. Um número 11% menor do que em 2020, que já havia registrado uma queda expressiva de 33% em relação a 2019, ano em que se registrou as melhores taxas de doação e transplante no país

No Rio Grande do Sul, 2.419 pessoas estão na lista de espera por transplante

Nos dois anos da pandemia, 2020 e 2021, a redução nos transplantes no Rio Grande do Sul foi de 39% e de doações de órgãos de 33%.

Numericamente, foram realizados 689, 508 e 420 transplantes respectivamente de 2019, 2020 e 2021; e doadores efetivos 243, 182, 161. Os dados nacionais ainda não foram atualizados, mas acompanham as tendências locais. Na lista de espera por transplante no país estão mais de 45 mil pacientes.

A expectativa dos profissionais que atuam no sistema de transplantes é de que com o aumento da população imunizada contra a covid-19, as doações e os transplantes voltem a crescer.

Artur ganha um pulmão aos 10 anos de idade

Foto: Reprodução

Toda a trajetória do Artur até o transplante foi registrada em documentário pela Santa Casa de Porto Alegre

Foto: Reprodução

O pequeno Arthur estava na lista de espera por um pulmão desde 2020. Ele foi um dos 420 pacientes transplantados no ano passado no estado. Artur nasceu com fibrose cística, doença pulmonar que o impediu desde bebê de realizar as atividades de uma criança saudável, como ir à escola, por exemplo.

Sabendo que o último recurso seria o transplante, em 2020, em meio à pandemia, mãe e filho mudaram-se para a capital gaúcha para continuar o tratamento na Santa Casa de Porto Alegre, ingressar na lista e iniciar a fase da espera por um órgão.

O órgão compatível chegou em outubro do ano passado e possibilitou ao garoto carioca, aos 10 anos de idade,

Foto: Igor Sperotto

Spencer Camargo: é preciso educar a sociedade para que a doação seja uma cultura

Foto: Igor Sperotto

recomeçar uma nova vida. “Quis o destino que surgisse um doador exatamente do tamanho do Arthur”, comemora o cirurgião torácico Spencer Camargo.

A cirurgia durou 10 horas, “uma hora para cada ano de vida do menino, que naquele momento estava pronta para recomeçar”, diz o documentário da Santa Casa que conta a história de Arthur até a cirurgia.

O transplante foi muito bem sucedido e a evolução muito boa. “Ele se comportou bravamente, com apoio da família. E pode fazer agora as atividades que toda a criança deveria fazer. Estamos muito gratificados e felizes pela evolução dele”, declara Spencer, médico transplantador da Santa Casa há mais de 20 anos.

O cirurgião celebra cada transplante e entende também o desafio de cada família doadora.

“É uma perda de uma pessoa saudável, muitas vezes jovem, num momento de sofrimento. A mudança é educar para que esse ato seja cultural na sociedade e compreender que todos podemos ser doadores, mas também receptores de um órgão”, lembra Spencer, destacando o valor de declarar-se doador.

“Sempre que existe manifestação da pessoa em vida é algo mais leve e confortável no momento dramático. Tira uma carga enorme dos pais, dos filhos, dos cônjuges que tem que tomar decisão naquele momento”, completa.

Gesto de amor a desconhecidos

Foto: Arquivo Pessoal

Martina e a namorada, Lara Barbosa

Foto: Arquivo Pessoal

“Eu nunca vou esquecer dos médicos, enfermeiros e técnicos correndo com aquelas geladeirinhas na mão e o misto de sentimentos que surgiram em mim na hora. Mak (nome social de Martina Keiber) queria isso e fez acontecer. Foi o gesto mais bonito do mundo, mas não poderia ser diferente vindo dela”, declarou a técnica em enfermagem Lara Barbosa, 22 anos, companheira de Martina. “Ela salvou vidas. Mak é pra sempre o meu orgulho”.

Lara, junto com sua mãe Lisandra Serpa Luz e com o apoio da mãe de Martina, Koka Keiber, e amigos da família, acompanhou todos os procedimentos desde a internação no município de Charqueadas, a remoção para a Santa Casa em Porto Alegre, com a comprovação da morte encefálica e a captação.

“Neste Natal, o que me confortou foi saber que após um ano de tantas perdas, algumas famílias estavam cheias de esperança de uma vida nova”, declarou no final de ano a mãe de Martina.

Moradora de Santo Ângelo, Koka Keiber tem a doença de Parkinson e já era ativista de outras causas. Após a partida da filha, somou a doação de órgãos às suas mobilizações. “Agora tenho mais um objetivo na vida. Tentar salvar vidas incentivando a doação de órgãos”, conta.

O acolhimento em primeiro lugar

“Quando um familiar demonstra em vida o inequívoco desejo de doar órgãos muitas vezes não tem a compreensão do que a família vai enfrentar durante o processo. É um processo que se dá única e exclusivamente para salvar outras vidas”, conta a mãe da Martina.

Koka conta que o acolhimento das equipes de saúde e da família doadora de Luciana Feijó, foi fundamental no momento. Lu, como é conhecida, tornou-se ativista da causa após a família doar os órgãos do sobrinho Pátrick Wulfhorst, 11 anos, em 2013.

Foto: Governo do Estado/SES

Simone Lysakowski, abordagem familiar qualificada

Foto: Governo do Estado/SES

“Uma abordagem acolhedora e esclarecedora feita pelos profissionais do hospital São Lucas, em Porto Alegre, onde Patrick estava, nos deu o total entendimento do que é a morte encefálica e nos mostrou o lado de quem espera por um órgão. A sensibilidade e a capacidade de empatia de profissionais altamente qualificados fizeram a diferença”, conta a tia de Pátrick.

“Os familiares que recebem as informações de forma segura e clara do quadro clínico do paciente, dos resultados dos exames e das perspectivas demostram agradecimento, seja o diagnóstico favorável ou não para o enfermo”, declaram as enfermeiras Simone Lysakowski e Jackeline Magalhães Bica, integrantes da Organização de Procura de Órgãos da Santa Casa de Porto Alegre (OPO1), que atua há mais de 10 anos em mais de 20 hospitais de Porto Alegre e Região Metropolitana.

Cultura Doadora e formação

Foto: SES/Governo do Estado

Cristiano Franke: formação é fundamental pra qualificar o sistema de transplantes

Foto: SES/Governo do Estado

O projeto Cultura Doadora, da Fundação Ecarta, foi criado há dez anos justamente para atuar na construção de uma sociedade doadora, tornando o processo que vai da doação ao transplante de órgãos menos doloroso e aumentando a expectativa de vida de milhares de pessoas no país.

“A construção de uma sociedade doadora passa impreterivelmente pela informação”, assegura Marcos Fuhr, presidente da Fundação Ecarta. Com a pandemia, a Fundação realizou uma série de debates on-line, abordando vários aspectos desse tratamento. Os painéis estão disponíveis no canal da Fundação Ecarta no Youtube.

A Central de Transplantes do RS também promoveu formação similar em novembro para médicos, psicólogos, assistentes sociais e enfermeiros que atuam em hospitais da Região Metropolitana para capacitar e qualificar as equipes hospitalares.

Na Semana de Doação de órgãos, em setembro de 2021, o projeto promoveu também um curso de formação para as Comissões Intra-Hospitalares de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (Cihdotts) para qualificar equipes de saúde com o objetivo de ampliar as doações.

“Estas formações são importantes. Todas as regiões do país com melhores índices de transplantes têm como meio importante as atividades de captação”, testemunha o médico Cristiano Franke, da Comissão de Transplantes do Hospital de Pronto-Socorro de Porto Alegre.

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