OPINIÃO

Comer é um ato político. Quais as implicações disso?

Por Marco Weissheimer / Publicado em 10 de abril de 2015

Em nossa vida diária, manifestamos indignação contra muitos acontecimentos da vida política e social do país, aos quais temos um acesso, na maioria das vezes, mediado pela forma como eles nos são apresentados pelos meios de comunicação em suas diversas plataformas e modalidades, que hoje não são poucas. A indignação com a corrupção é um exemplo disso. É difícil encontrar uma pessoa que não tenha opinião e convicção formada sobre esse tema. Em geral, nos colocamos fora dele. O corrupto é sempre um outro, um político de modo geral, e nós não temos responsabilidade pelo que ocorre nesta dimensão. No entanto, pouquíssima gente se preocupa com um tema que diz respeito diária e diretamente a nossas vidas, que é a qualidade da nossa alimentação.

Ato público contra os agrotóxicos em frente ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, em Brasília, onde fica a sede do CNTBio

Foto: Antônio Cruz/ABr

Ato público contra os agrotóxicos em frente ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, em Brasília,
onde fica a sede do CNTBio

Foto: Antônio Cruz/ABr

A presença de agrotóxicos, hormônios e transgênicos em nosso cardápio diário tornou-se um fato natural como o sol e a chuva e pouca gente parece disposta a pensar sobre o que está comendo e qual a relação que isso tem com a atual ordem econômica, política e social do país. Comer teria algo a ver com a corrupção, por exemplo? A pergunta parece esdrúxula, mas talvez não seja. O agronegócio representa hoje um dos principais elementos formadores do PIB brasileiro, responsável por alguns dos principais produtos que integram a pauta de exportações do país.

Essa força econômica tem expressão direta no Congresso Nacional, nos parlamentos estaduais e municipais, e nos Executivos, no Judiciário, na definição da linha editorial dos grandes meios de comunicação e da pauta de produção das grandes agências de publicidade. O agronegócio é um fator positivo para a economia do país, mas isso não encerra o assunto. Há uma contrapartida que não é exatamente positiva: ele desenvolveu um modo de produção de alimentos que faz do Brasil um dos maiores consumidores mundiais de agrotóxicos. É impossível dissociar o agronegócio da indústria dos agrotóxicos, assim como é impossível dissociá-los da indústria dos transgênicos. Quando iniciou o debate sobre a utilização de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) na agricultura, uma as principais promessas feitas por seus defensores era que o cultivo de transgênicos, entre outros benefícios, traria uma diminuição do uso de agrotóxicos, em função do desenvolvimento de plantas resistentes a pragas. Passadas cerca de duas décadas, o que se viu no Brasil foi exatamente o contrário. A crescente liberação do plantio de variedades transgênicas de soja, milho e outros cultivos trouxe não uma diminuição, mas um aumento da utilização de agrotóxicos.

Em 2005, quando foi aprovada a Lei de Biossegurança nº 11.105, que impulsionou a liberação de transgênicos no país, o consumo de agrotóxicos no Brasil estava na casa dos 700 milhões de litros/ano. Em 2011, seis anos apenas depois, já estava na casa dos 853 milhões de litros/ano. Em 2013, as estimativas apontam para um consumo superior a um bilhão de litros/ano, uma cota per capita de aproximadamente 5 litros por habitante. O Brasil consome hoje pelo menos 14 agrotóxicos que são proibidos em outros países do mundo. Esse uso intensivo, além dos problemas para a saúde e o meio ambiente, vem provocando o surgimento de novas pragas mais resistentes aos venenos, que demandam o desenvolvimento de novos venenos, numa espiral que parece não ter fim e que vem sendo construída sem os estudos de impacto ambiental necessários.

De 60 a 70% dos alimentos que a população brasileira compra em mercados hoje são controlados por um grupo de apenas dez empresas. A produção da maior parte desses alimentos envolve uso de agrotóxicos, hormônios e transgênicos. Em busca de uma vida mais saudável, os mais ricos aumentam o consumo de produtos orgânicos. Os mais pobres, que não têm acesso aos orgânicos, seguem consumindo alimentos com agrotóxicos, hormônios e transgênicos sem terem acesso a informações sobre o que estão ingerindo. Comer tornou-se, portanto, mais do que nunca, um ato político. O alimento tornou-se um elemento simbólico e material para ligar a realidade de quem vive e produz no campo e de quem vive e produz nas cidades.

As implicações desse laço para a saúde andam de mãos dadas com as implicações para o meio ambiente. No dia 10 de março, em uma audiência pública na Assembleia Legislativa, mulheres integrantes da Via Campesina entregaram para o Ministério Público Estadual e para o MP Federal um dossiê denunciando o impacto dos agrotóxicos no Rio Grande do Sul. Doenças como o câncer, contaminações das mais variadas formas e desaparecimento de abelhas estão entre os problemas apontados. Pense um pouco nisso em sua próxima refeição. Essa reflexão pode ser uma condição para uma digestão mais tranquila e saudável.

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