EDUCAÇÃO

Sartori optou pela crise, denuncia Cpers

Enquanto o governador se licencia por estresse e descansa no Costão do Santinho(SC), os professores protestam contra parcelamentos e atrasos que se repetem há 21 meses
Por Priscila Lobregatte / Publicado em 19 de setembro de 2017

 

Concentração de professores na Praça da Matriz contra os parcelamentos

Foto: Igor Sperotto

Concentração de professores na Praça da Matriz contra os parcelamentos

Foto: Igor Sperotto

Limite, saturação, gota d´água. Termos como estes são comuns quando o assunto é a situação dos servidores públicos estaduais que culminou com a atual greve dos professores e trabalhadores de ensino. A decisão de parar as atividades foi tomada pela categoria no começo do mês após o mais recente parcelamento do governo Sartori – o 21º da gestão –, quando foram pagos apenas R$ 350,00. O parcelamento atinge a totalidade do funcionalismo, sendo 47.955 professores e 67 mil funcionários de escola estaduais. Além disso, o magistério gaúcho está como o piso, depois do último reajuste 82% abaixo do piso nacional.

“Este último parcelamento foi a gota d’água. Chegamos ao limite do suportável, não temos mais o que fazer. Estamos cheios de dívidas e juros. A situação ficou tão insuportável que a única resposta possível foi a greve”, explica Enio Manica, diretor do Cpers/Sindicato. Ele lembra que além do salário pago a conta-gotas, os professores ainda amargam congelamento salarial. O último reajuste foi dado em novembro de 2014. Desde então, não houve sequer reposição inflacionária. Segundo estimativas do sindicato, o congelamento dos salários da categoria fez com que o salário do professor gaúcho ficasse 82% abaixo do piso nacional. A defasagem teria aumentado 45% desde o início da atual gestão.

Greve pelo direito básico de receber em dia

Foto: Igor Sperotto

Foto: Igor Sperotto

“A greve está bastante forte. Escolas que não paralisaram antes estão em greve agora porque a categoria se deu conta de que ou a gente põe fim ao parcelamento ou a cada mês teremos de fazer uma greve e isso também não tem sentido”, diz Manica. De acordo com o dirigente, em média 80% da rede aderiu total ou parcialmente ao movimento. Ao todo, conforme dados de 2016, existem 2.557 escolas estaduais no RS. Em alguns municípios – como Santa Maria, Rio Grande, Palmeira das Missões, Passo Fundo, Gramado, Pelotas, Bagé, São Leopoldo, Caxias do Sul, Santa Cruz do Sul, Alegrete e Uruguaiana – a adesão foi de mais de 70%.

Uma série de atos e atividades estão previstas para esta semana a fim de ampliar a mobilização e informar a sociedade, como atos públicos e caravanas com Plenárias Macro-regionais de Mobilização e Resistência nos dias 21 e 22.

Antes do ato na Praça da Matriz, que reuniu 4 mil pessoas no centro da capital, na manhã desta terça-feira, 19, os manifestantes trancaram a avenida Mauá em frente à Secretaria da Fazenda por 21 minutos para lembrar os parcelamentos. “Há 21 meses a secretaria da Fazenda não se preocupa em cumprir a lei”, disse a presidente do Cpers, Helenir Schürer.  “Estamos em greve não para receber a integralização de nosso salário, mas para que o governo cumpra a lei. A nossa constituição é bem clara: o artigo 35 diz que os salários dos servidores devem ser pago integralmente até o último dia do mês trabalhado e o 13º até o dia 20 de dezembro. Infelizmente, temos um secretário da Fazenda que não conhece a Constituição”, completa, em seu discurso diante da Secretaria da Fazenda.

Após a manifestação, o governo emitiu a seguinte nota pela sua Secretaria de Comunicação (Secom), enviada ao Extra Classe pelo diretor de jornalismo Rui Felten: “o Governo do Estado alerta à sociedade gaúcha que, desde o dia 13 deste mês, todos os salários dos servidores estão pagos. O atraso não é questão de vontade, mas da maior crise financeira vivida pelo Estado na sua história.  Os salários sempre foram quitados dentro do mês. Portanto, a greve do Cpers perde o seu sentido e adquire viés de movimento político, prejudicando a vida dos alunos e suas famílias. Não é hora de divisões e radicalismos. Apelamos para que os professores mantenham as aulas”.

JUSTIFICATIVAS – O Cpers alega que governo do estado tem se limitado a defender o Regime de Recuperação Fiscal como única saída para recuperar as finanças e acabar com os parcelamentos para não apresentar saídas para o impasse. Na última quinta-feira, dia 14, quando ocorreu reunião com representantes do Cpers, o secretário adjunto da Fazenda, Luiz Antônio Bins, defendeu a necessidade de incrementar receitas e qualificar despesas e ações como o pacto federativo, o duodécimo e “tudo que possa significar recursos no caixa do governo”. Dentre os itens que compõem as contrapartidas que o governo estadual deve garantir para o fechamento do acordo com a União estão, por exemplo, a privatização de estatais, o congelamento de salários e de novas contratações e a prorrogação do aumento do ICMS.

Enio Manica, diretor do Cpers/Sindicato

Foto: Carol Ferraz/Cpers/Divulgação

Enio Manica, diretor do Cpers/Sindicato

Foto: Carol Ferraz/Cpers/Divulgação

Mas, para Manica e o Cpers, o foco da política do governo estadual é outro. “Sartori decretou a crise, disse que não podia fazer concurso, não podia nomear, nem pagar nada, mas dias depois tudo isso foi desmentido com a sanção dos projetos aprovados pela Assembleia com altos reajustes para altos salários. Ou seja, a crise é uma farsa, é um discurso para fora, para justificar a implementação de políticas que acabam com direitos, com os serviços públicos e que enfraquecem o Estado com o objetivo de privatizar seus serviços, liquidando com as chances de o Rio Grande do Sul se recuperar e se desenvolver”.

Parcelamento obriga professores escolher quais contas pagar

A opção do Governo em parcelar salários como forma de barganha para fazer passar suas políticas impede que o funcionalismo dê conta de compromissos básicos do dia a dia de qualquer pessoa virou um jogo cotidiano no qual é preciso escolher o que comprar e qual boleto pagar, numa conta que nunca fecha. Há relatos extremos de professores que tiveram de entregar imóveis e foram despejados por falta de pagamento de aluguel.

“Eu fazia artesanato como passatempo; agora, ele me ajuda a pagar a prestação do apartamento e acabou virando uma importante fonte de renda. Neste mês, tive minha luz cortada. Nunca imaginei passar por isso”, lamenta a professora Silvia Ehlers, da escola Presidente Costa e Silva.  Ela foi uma das professoras que, com o apoio de alguns alunos, organizaram um pedágio solidário realizado nas esquinas das avenidas Oscar Pereira e Aparício Borges no dia 18 de setembro. Com faixas, bandeiras e jornais do sindicato, o grupo aproveitava os breves intervalos entre os sinais vermelho e verde para dialogar com os motoristas. Os apoios vinham na forma de singelas contribuições financeiras ou eram declarados verbalmente ou por meio das buzinas dos carros. “Garanto que o salário do governador vem em dia”, disse um dos motoristas, já engatando a primeira para não trancar o trânsito que voltava a fluir.

“Desde 2016 estou recorrendo a empréstimos. Nosso décimo terceiro vem a conta-gotas e acaba entrando nas despesas mensais, ou seja, não conseguimos pagar nossas contas em dia, nem planejar nada porque sequer sabemos quanto e quando vamos receber nossos salários, além de termos de pagar os juros destes empréstimos”, explicou a professora Adriana Costa, da escola Oscar Pereira. “Estamos realmente saturados, mas desta vez, percebemos maior adesão da categoria, da comunidade escolar e da sociedade. Hoje, não temos outra saída: a greve é nosso único instrumento”. Gabriel Brocca, do Grêmio Estudantil Edson Luis, da escola Presidente Costa e Silva, foi um dos alunos que participou do ato em apoio aos professores. “Mesmo que a greve afete nossa aula, ela é justa. Hoje, nem receber em dia eles conseguem”, diz.

Em meio a tanta incerteza, os planos pessoais acabam virando motivo de apreensão. “Planejei estruturar minha vida profissional para, depois, ter um filho. Saí da iniciativa privada para o setor público para ter estabilidade, estou grávida, mas agora tenho medo do futuro”, explica outra professora ouvida pelo Extra Classe e que prefere não ser identificada. “Muitas vezes temos de escolher entre pagar as contas e fazer o rancho. Hoje, nem estamos mais reivindicando o reajuste, mas tão somente receber nosso salário em dia. E não há diálogo com o atual governo. É como falar com as paredes. Essa greve é a nossa última tentativa”.

 

 

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