SAÚDE

MPT investiga focos de coronavírus em frigoríficos no RS

Aglomerações nas linhas de produção, superlotação de ônibus e ambiente refrigerado favorecem contágio de trabalhadores. Três unidades registraram mortes pela Covid-19
Por Gilson Camargo / Publicado em 28 de abril de 2020
Distanciamento nas linhas de produção é uma das reivindicações dos trabalhadores da alimentação

Foto: FTIAS/ Divulgação

Distanciamento nas linhas de produção é uma das reivindicações dos trabalhadores da alimentação

Foto: FTIAS/ Divulgação

A planta do frigorífico Minuano, em Lajeado, foi a única a não ter máquinas e serviços interditados entre as mais de dez avícolas investigadas pela força-tarefa estadual do Ministério Público do Trabalho (MPT). Outro frigorífico local com surto de Covid-19 na linha de produção é a multinacional BRF. O município de menos de 85 mil habitantes, no Vale do Taquari, registrou nesta terça-feira, 28, sete novos contágios e duas mortes pela doença em apenas 24 horas. Com 63 casos, já é o terceiro no estado em contágios, depois de Porto Alegre e Passo Fundo.

De acordo com a coordenadora estadual do projeto de fiscalização de frigoríficos do MPT e procuradora do Trabalho em Passo Fundo, Priscila Schvarcz, a operação deverá apontar as situações em que unidades deverão ser interditadas ou cumprir termos de ajuste de conduta. Segundo ela, nenhuma planta foi interditada além da unidade da JBS em Passo Fundo – fechada no dia 24.

A ação iniciou depois que a Secretaria Estadual da Saúde (SES/RS) passou a receber notificações dos municípios que evidenciavam aumento de surtos da doença entre trabalhadores de indústrias de beneficiamento de carnes no estado, a partir do início deste mês. Os focos de contaminação atingiram primeiro o frigorífico da JBS, em Passo Fundo, que tem em suas linhas de produção mais de 2,5 mil funcionários.

De acordo com a Federação dos Trabalhadores da Alimentação, empresas mantiveram salários de quem foi afastado e não ocorreram demissões no setor

Foto: FTIAS/ Divulgação

De acordo com a Federação dos Trabalhadores da Alimentação, empresas mantiveram salários de quem foi afastado e não ocorreram demissões no setor

Foto: FTIAS/ Divulgação

A unidade foi interditada pelos auditores fiscais na última sexta-feira, depois que 20 trabalhadores testaram positivo, dois familiares de funcionários morreram por Covid-19. Três pessoas que tiveram contato com funcionários foram diagnosticadas com a doença e há outros 15 trabalhadores e quatro contatos próximos com suspeita de contaminação. Além dos casos positivos, foram notificadas mortes em unidades de Passo Fundo, Garibaldi e Lajeado.

Com 16 trabalhadores diagnosticados com coronavírus, a direção do frigorífico Minuano, de Lajeado, decidiu afastar outros 700 funcionários que integram grupos de risco, por idade, comorbidades ou que tiveram contato com colegas infectados. A Agrodanieli paralisou por 48 horas a matriz, em Tapejara, com quatro casos confirmados, e a unidade de São Bento, com oito funcionários contaminados. Em Garibaldi, frigoríficos da JBS e da Nicolini também são alvos de investigações do MPT.

Nesta terça-feira, representantes do MPT e das empresas debateram por videoconferência com dirigentes da Federação dos Trabalhadores da Indústria da Alimentação do Rio Grande do Sul (FTIA/RS) a adoção de medidas para assegurar a proteção dos trabalhadores dos frigoríficos. A representação dos trabalhadores reivindicou uma série de medidas protetivas. “Queremos que os trabalhadores continuem produzindo, mas com a segurança de não serem contaminados”, ressaltou Paulo Madeira, presidente da Federação. A categoria tem mais de 250 mil trabalhadores no estado em todos os setores de produção de alimentos.

Segundo o dirigente, as empresas mantêm o pagamento dos salários dos funcionários afastados e não há informação de demissões no setor. Mas os empregadores resistem em atender as propostas de prevenção à pandemia apresentadas pela categoria e mediadas pelos procuradores do trabalho.

São ações como a realização de testes em todos os trabalhadores e a redução das atuais jornadas de dois turnos de oito horas para três turnos de seis horas. “É uma alternativa para desaglomerar o pessoal sem reduzir a produção”, explica Madeira. Ele lembra que devido às aglomerações nas linhas de produção e no transporte coletivo mantido pelas empresas, somadas à umidade do ambiente refrigerado, as unidades processadoras de carnes tornaram-se um ambiente favorável à proliferação ainda mais intensa do novo coronavírus.

Após ouvir representantes do setor, governo prepara decreto para prevenir surtos em indústrias

Diretores da Secretaria da Saúde (SES) discutiram em webconferência, nesta terça-feira, com representantes de entidades representativas do setor de carnes e derivados e deputados estaduais as estratégias de prevenção, monitoramento e contenção de surtos do coronavírus em indústrias. Casos recentes de transmissão da doença em frigoríficos motivaram a secretaria a preparar uma Portaria com medidas preventivas não apenas para o setor de carnes, mas para toda a indústria. “Queremos evitar surtos localizados da Covid-19, pois além de atingir os funcionários dessas empresas, eles acabam levando também para seus familiares”, ressaltou a secretária Arita Bergmann. A secretária lembrou que evitar a transmissão no ambiente industrial é uma via de muitas mãos: “A prevenção é responsabilidade do trabalhador em horário de trabalho ou fora dele, da gestão da empresa, do município e do Estado. Por isso estamos escutando diversas opiniões, para que a Portaria reflita na prática o que decidirmos aqui”.

A chefe da Divisão de Vigilância Epidemiológica do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs), Tani Ranieri, alertou que as medidas devem levar em conta que “esse vírus tem um alto poder de transmissibilidade. Cada pessoa infectada, se não for feito nada, pode contaminar cerca de 10 outras pessoas”. O documento será publicado nos próximos dias, contendo recomendações gerais para todas as indústrias no estado, independentemente da área e do porte. “Queremos que as empresas detectem previamente e nos notifiquem oportunamente quando surgir algum caso suspeito de coronavírus dentro do seu âmbito. Um caso em uma empresa tem potencial de transmissão para outros municípios e outras regiões”, explicou o coordenador do Centro de Operações de Emergência (COE) da vigilância estadual, Marcelo Vallandro.

Entre as recomendações previstas estão reforço na higiene dos ambientes, escalas entre funcionários, uso correto e distribuição de equipamentos de proteção individual (EPIs), entre outras normas gerais e específicas para a produção industrial. “Precisamos sistematizar os fluxos de informações entre as empresas e as vigilâncias em saúde dos municípios e estadual”, reforçou Vallandro. Assim como aconteceu com o decreto estadual que define o isolamento social, essas diretrizes podem vir a mudar no futuro, em função de parâmetros de saúde em cada região, como o aumento no número de casos e a lotação dos leitos de Unidades de Tratamento Intensivo (UTI).

Multinacional faz acordo para proteger trabalhadores no país

Linha de produção da BRF: em 2018, a multinacional fechou três plantas no RS e demitiu 5,6 mil trabalhadores

Foto: BRF/ Divulgação

Linha de produção da BRF: em 2018, a multinacional fechou três plantas no RS e demitiu 5,6 mil trabalhadores

Foto: BRF/ Divulgação

Três unidades da BRF, multinacional conhecida dos gaúchos pelas marcas Sadia, Perdigão e Qualy, tiveram focos de contaminação no estado – em Lajeado, Marau e Serafina Corrêa. Na semana passada, representantes da empresa e do Ministério Público do Trabalho firmaram um termo de compromisso de âmbito nacional para assegurar medidas de proteção dos trabalhadores contra a Covid-19 em todas as unidades de abate e processamento de aves.

Com faturamento de R$ 680 milhões no quarto trimestre de 2019, a empresa é uma das maiores do país a adotar providências práticas para minimizar impactos da pandemia no setor. Dentre as medidas, reforçará a obrigatoriedade de distanciamento mínimo entre empregados nas entradas e saídas das unidades, postos de trabalho, refeitórios, espaços reservados às pausas e vestiários. Também intensificará distribuição de máscaras de proteção, com troca periódica, para todos trabalhadores.

A BRF se comprometeu, ainda, a manter o limite de 50% da capacidade de trabalhadores sentados nos veículos fretados pela empresa e disponibilizar testes para diagnósticos da doença nas unidades localizadas em municípios onde os exames não estão sendo feitos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Também deverá assegurar vacinação para todos empregados, de forma gratuita, para proteção contra os vírus Influenza A (H1N1), A (H3N2) e B com vistas a melhor identificação dos casos sintomáticos de Covid-19.

Comentários