AMBIENTE

O lumpesinato da água

Heraldo Campos / Publicado em 17 de julho de 2002

Não é mais possível separar processos ambientais daqueles provocados pelo homem. O homem é parte integrante do sistema Terra. O procedimento que deve levar à compreensão da realidade ambiental de uma região deve começar pela reflexão sobre o que concretamente existe na comunidade em que se está inserido. Essa reflexão é fundamental para a participação e atuação social na preservação do meio ambiente e passo decisivo para a desaceleração de atividades antrópicas que predispõem o aumento do desequilíbrio natural.

Na sociologia marxista, o lumpesinato é a camada social carente de consciência política, constituída pelos operários que vivem na miséria extrema e por indivíduos direta ou indiretamente desvinculados da produção social e que se dedicam a atividades marginais, como por exemplo, o roubo e a prostituição.

Esse verbete do Aurélio, muito apropriado para os dias de hoje, representa uma dura realidade para quem vive à margem da sociedade, não experimentando a cidadania, dado seu baixo nível de instrução ou seu orçamento bastante limitado. Assim, não se pode falar em exclusão social sem considerar a distribuição de renda da população e seu acesso aos serviços públicos básicos.

A sociedade tem que se organizar, tem que lutar, porque senão os governos não ouvem. No campo, a organização mais relevante foi a do Movimento dos Sem Terra (MST) que surgiu em 1984, no Rio Grande do Sul, e que, desde então, luta por uma distribuição mais igualitária das terras e pelo fim do latifúndio improdutivo, que há muitos anos predomina no Brasil. Porém, chega ao século XXI sem ter ainda conquistado, em sua plenitude, esse direito.
O professor Milton Santos dizia que o processo autoritário da globalização excluía a democracia e nos levaria ao globalitarismo, representando o fim da crítica e da autocrítica.

E é na esteira de uma globalização da economia e suas múltiplas conseqüências que os serviços de águas estatais vão sendo gradualmente privatizados. A água é um direito da população. O governo tem que garantir que nenhum cidadão fique à margem desse bem público. Ela deve ser fraternalmente compartilhada e não utilizada como uma mercadoria de guerra, como ocorre em regiões do Oriente Médio onde o controle de sua distribuição e utilização é historicamente cenário permanente de tensões e conflitos.

A criação da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) faz parte da estratégia norte-americana, com objetivos políticos, econômicos e militares de longa duração, para limitar a ação dos governos nas suas políticas internas e facilitar o acesso das multinacionais aos serviços públicos. Para os mais de 300 milhões de pobres e miseráveis latino-americanos, a ALCA significa o reforço da mesma política de empobrecimento que já dura há séculos.

Dez anos depois da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (mais conhecida como Eco 92) realizada no Rio de Janeiro, representantes dos cinco continentes vão se reunir na chamada Cúpula Rio+10, na África do Sul, entre 26 de agosto e 4 de setembro deste ano. Neste momento de desafios às instituições governamentais, no que se refere ao saneamento básico, um dos programas de ação da Agenda 21 para melhorar a saúde do planeta, não temos nada a comemorar. A situação piorou.

Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), mais de 5 milhões de seres humanos morrem todo ano pela falta de água potável para beber ou através de alguma doença provocada pela veiculação hídrica. Hoje mais de 3 bilhões de pessoas em países subdesenvolvidos não têm saneamento básico, num processo intimamente ligado à questão da pobreza e da miséria, gerando a categoria do lumpensinato da água.

E, como foi dito por um índio mexicano, “já estão privatizando a água, agora só faltam privatizar as nuvens!”

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