CULTURA

Cinco trajetórias de artistas populares

Webdocumentários destacam artistas gaúchos que têm em comum vidas dedicadas à arte popular, às bandeiras coletivas e ao movimento negro
Por Gilson Camargo / Publicado em 22 de abril de 2021
O compositor, cantor e ator José Carlos Peixoto, o Zé da Terreira, 75 anos, natural de Rio Grande: "fui conhecer o teatro quando já estava nele, estudando a construção do espetáculo, a arte como ciência e o lugar do artista nesse território"

Foto: Igor Sperotto

O compositor, cantor e ator José Carlos Peixoto, o Zé da Terreira, 75 anos, natural de Rio Grande: “fui conhecer o teatro quando já estava nele, estudando a construção do espetáculo, a arte como ciência e o lugar do artista nesse território”

Foto: Igor Sperotto

Maturidade, experiência e sabedoria. O projeto Arte como Ciência: Raízes destaca, em webdocumentários que estreiam no final de abril, as trajetórias profissionais de cinco artistas gaúchos que têm em comum vidas dedicadas à arte popular, às bandeiras coletivas e ao movimento negro.

Durante cinco dias, serão apresentados documentários que resgatam a atuação e as principais realizações dos artistas escolhidos pelo projeto.

São eles “Vera Lopes: arteativista das lutas negras”, uma trajetória que engloba a arte negra no teatro, na poesia, no cinema e na música; “Zé da Terreira: na cadência do tambor”, ressaltando seu trabalho no teatro de rua, performance política e música; “Seli Maurício: o exercício da sensibilidade”, artista plástica e bonequeira da cidade de Pelotas; “Mestre Pernambuco: quilombismo, a utopia viável”, com enfoque na promoção do carnaval de rua e sua relação filosófica e política com o quilombismo; “Irene Santos: memória fotográfica de negros de alma preta”, com ênfase na promoção do papel essencial da negritude na formação da cultura gaúcha.

O lançamento será acompanhado de uma mesa-redonda virtual dedicada a refletir sobre o tema central da trajetória abordada. As mesas serão compostas por profissionais especialistas em cada temática central, em uma programação que acontecerá na última semana de abril e durante todo o mês de maio, sempre às terças-feiras, às 14h30min, no canal do Arte Como Ciência no Youtube e na página do Facebook.

O Arte como Ciência: Raízes foi criado em meio à pandemia da covid-19, um momento em que o mundo está sofrendo o luto de perder tantas trajetórias repletas de maturidade, experiência e sabedoria. As pessoas enfocadas nesta realização têm mais de 60 anos. “São artistas que fizeram parte de momentos históricos essenciais às transformações dos modos de emocionar e refletir que as realizações artísticas promovem”, destaca a produção.

De acordo com a dramaturga Viviane Juguero, coordenadora pedagógica do projeto, “os discursos artísticos são fundamentais na configuração das estruturas sociais, pois compõem as coordenações emocionais que embasam valores e desejos, e resultam nas escolhas de cada pessoa em relação às possibilidades dos contextos em que estão inseridas”.

Ao mesmo tempo, o projeto englobou profissionais com trajetórias e experiências distintas, em uma equipe diversa em todos os sentidos. Junto a profissionais com ampla experiência e formação, aprendizes e iniciantes também tiveram a oportunidade de aprimorar seus conhecimentos, por meio de distintos estágios.

A iniciativa também reúne profissionais da arte de diversos estados, ampliando nacionalmente a repercussão do trabalho, além de equipes de acessibilidade, divulgação e tradução, pois, seguindo o propósito original do projeto de estabelecer conexões internacionais, todos os vídeos e encontros contam com tradução para o inglês e o espanhol.

Daniela Israel, coordenadora técnica, pontua que o projeto é colaborativo, “feito com muitas mãos, de diferentes lugares, envolvendo muita paixão, arte e ciência”. “Focamos em como um conteúdo pesado e difícil de ser entendido por vezes possa ser leve, interessante, agregando e transformando a sociedade”, sintetiza. A produção foi contemplada com recursos da Lei Aldir Blanc.

Programação:

Arte como Ciência: Raízes

Às terças-feiras, 14h30 
27 de abril – Mestre Pernambuco: quilombismo, a utopia viável
04 de maio – Vera Lopes: arteativista das lutas negras
11 de maio – Seli Maurício: o exercício da sensibilidade
18 de maio – Zé da Terreira: na cadência do tambor
25 de maio – Irene Santos: memória fotográfica de negros de alma preta

Assista aos webdocumentários:

Site oficial: https://www.artecomociencia.com/
Instagram: @artecomociencia | https://www.instagram.com/artecomociencia/

Quem são

Waldemar Moura Lima, Pernambuco

Foto: Caco Argemi/ Divulgação

Waldemar Moura Lima, Pernambuco

Foto: Caco Argemi/ Divulgação

Waldemar Moura Lima, Pernambuco – Compositor, cantor, ator e diretor de teatro e carnavalesco, é fundador e coordenador da Rua do Perdão e da Banda DK na produção de eventos no carnaval de rua de Porto Alegre. É idealizador e diretor artístico do Grupo Temático Pedagógico Ponto Z (Z de Zumbi), criado com o objetivo de proporcionar uma releitura na história do Brasil, apresentando em diferentes palcos o espetáculo educativo Contando a verdade, cantando a história. É também um dos coordenadores do Movimento Quilombista Contemporâneo, continuidade da ideia implantada por Abdias do Nascimento, com inspiração na República de Palmares, de colocar negros e negras em espaço de poder e a governança afrocentrada.

Vera Lopes

Foto: Camila de Morais/ Divulgação

Vera Lopes

Foto: Camila de Morais/ Divulgação

Vera Lopes – Atriz gaúcha com atuação em teatro, cinema, recital poético-musical, com mais de 30 anos de experiência. Vive em Salvador (BA) e tem como foco atuar com expressões artísticas baseadas na cultura negra. No cinema gaúcho, teve sua estreia no premiado curta O Dia em que Dorival encarou a guarda, em 1986, dirigido por Jorge Furtado e José Pedro Goulart. Participou dos longas, igualmente premiados, Netto perde sua alma, de Beto Souza e Tabajara Ruas (1998), e Netto e o domador de cavalos, de Tabajara Ruas (2005). Foi protagonista no curta Antes que chova, direção de Daniel Marvel (2009), e participou ainda de Tolerância, de Carlos Gerbase (2000); Da colônia africana à cidade negra, de Paulo Ricardo de Moraes; Brasil – um eterno quilombo, de Julio Ferreira (2006). No teatro, atuou nos espetáculos Hamlet sincrético e Transegun, do grupo Caixa-Preta, ambos dirigidos por Jessé Oliveira, entre outros.

Seli Maurício

Foto: Patrícia Custódio/ Divulgação

Seli Maurício

Foto: Patrícia Custódio/ Divulgação

Seli Maurício – Artista plástica e bonequeira, nascida em Morro Redondo, vive em Pelotas há mais de 50 anos. Uma de suas maiores e mais reconhecidas obras é a Via sacra da igreja da luz, feita em 1977, na técnica entalhe em madeira. Pioneira no teatro de bonecos profissional em Pelotas, foi fundadora do grupo Trio Pilha, o primeiro a participar do Festival Internacional de Teatro de Bonecos de Canela. Em 1991, criou o espaço Praça da Paz, que conta com o trabalho paisagístico da artista na praia do Laranjal e, recentemente, lançou uma nova série de desenhos com o tema Mulheres Guerreiras/Luzes da África. Atua entre o erudito e o popular e entre o sagrado e o profano.

José Carlos Peixoto, Zé da Terreira

Igor Sperotto

José Carlos Peixoto, Zé da Terreira

Igor Sperotto

José Carlos Peixoto, Zé da Terreira – Nasceu em Rio Grande, em 1945. É cantor, ator e personalidade do meio cultural de Porto Alegre. Em 1969, estudou no Departamento de Arte Dramática da Ufrgs. Foi para o Rio de Janeiro em 1970, conviveu com o grupo Tá na Rua. Participou como cantor no Festival Universitário de Música Brasileira. Em 1984, de volta a Porto Alegre, trabalhou no Ói Nóis Aqui Traveiz e no grupo teatral Oficina Perna de Pau.

Irene Santos

Foto: Rogerio do Amaral Ribeiro/ Divulgação

Irene Santos

Foto: Rogerio do Amaral Ribeiro/ Divulgação

 

 

 

 

Irene Santos – Fotógrafa e historiadora dedicada à preservação da memória da comunidade negra em Porto Alegre. É autora dos livros Negro em preto e branco: história fotográfica da população negra de Porto Alegre (Fumproarte, 2005/ Prêmio Açorianos de Literatura – categoria Especial) e Colonos e quilombolas: memória fotográfica das colônias africanas de Porto Alegre (Fumproarte, 2010). Como fotógrafa de artistas da cidade, tornou-se conhecida no meio artístico, o que a levou à realização de várias exposições individuais de fotografia em lugares prestigiados como o Margs, a Galeria do Theatro São Pedro e a Casa de Cultura Mario Quintana.

 

PERFIL | ZÉ DA TERREIRA

“A arte não te livra da agonia de viver”

“Nem todos sabem que o artista trabalha com a instabilidade”

Foto: Kin Viana/ Divulgação

“Nem todos sabem que o artista trabalha com a instabilidade”

Foto: Kin Viana/ Divulgação

O compositor, cantor e ator José Carlos Peixoto, o Zé da Terreira, 75 anos, nasceu em Rio Grande, em 1945. Na adolescência, final dos anos 1960, desistiu de cursar Geologia e decidiu que queria ser ator, participar daquele universo de astros e estrelas que batiam na tela das matinés do cinema Glória. “Era mais um sentimento vago de querer ser artista. Só fui conhecer o teatro depois, quando estava dentro do teatro, estudando a construção do espetáculo, a arte como ciência e o lugar do artista nesse território”, resume.

Em 1969, estudou no então Centro de Arte Dramática da Ufrgs e estreou no Tablado da mineira Maria Clara Machado, com a peça infantil A menina e o vento. Em 1970, foi para o Rio de Janeiro, onde participou do Festival Universitário de Música Brasileira e do elenco da primeira montagem da ópera-rock Hair. Depois de atuar em diferentes encenações do teatro profissional carioca, participou do grupo Tá na Rua, dirigido por Amir Haddad – que ele considera “um dos mais expressivos nomes do teatro de rua”.

De volta a Porto Alegre, nos anos 1980, Peixoto participou do início do teatro de rua da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz, com A exceção e a regra, de Bertolt Brecht. O envolvimento com o coletivo da Terreira da Tribo lhe rendeu o apelido. Zé da Terreira montou os shows Césio 137, Tiro ao álvaro e África-Brasil, com apresentações ao ar livre no Largo Glênio Peres, Usina do Gasômetro, Escola de Samba Imperatriz Dona Leopoldina e Esplanada da Restinga. Também atuou com o grupo de teatro Oficina Perna de Pau.

Recluso na Casa do Artista Rio-Grandense devido à pandemia, ele conta que já recebeu as duas doses da vacina contra a covid-19. Os dias são de espera, bem diferentes da atmosfera visceral dos palcos, as ruas, no caso. Não é uma conversa formal. Avesso a definições, entre relatos de coxia, impressões sobre revolução tecnológica e banalização da informação, o artista deixa escapar: “O espectador vê a obra pronta. Nem todos sabem que o artista trabalha com a instabilidade. Com a licença do Iberê Camargo, quero dizer que o processo de criação é agonizante. Tu és um artista, tu vives entre os teus iguais, o território é o que te define. Mas isso não te livra dessa agonia”.

A música sempre permeou a carreira no teatro, ao ritmo do maracanã, seu inseparável instrumento de percussão. Com Caio Gomes, interpretou músicas de Noel Rosa, no show Conversa de botequim. Atuou como cantor e ator nas peças Jacobina, Balada para um Cristo mulher e A exceção e a regra, de Bertold Brecht. Nesta, foi compositor, ao lado de Johann Alex de Souza e Mário Falcão, e na musicalização das letras do dramaturgo alemão – que viraram show no Instituto Göethe. Em 2002, lançou o CD Quem tem boca é pra cantar.

Recebeu em 2000 o Prêmio Qorpo Santo, da Câmara Municipal de Porto Alegre, pelos inúmeros serviços prestados à cultura local e, em 2009, o Prêmio de Patrimônio Imaterial “Personagens do Centro de Porto Alegre”, do Instituto Hominus/Unesco/Iphan e Ministério da Cultura.

Em 2017, escreveu e musicou Cartagena, espetáculo solo de rua que estreou em Porto Alegre e integra a programação do 4º Festival de Artista de Rua. É a história de um andarilho esquizofrênico, Rubião, que, a partir da descoberta de um livro, passa a ser assombrado pelos fantasmas dos marinheiros Fernão de Magalhães e Cartagena durante a primeira viagem ao redor do mundo em pleno século 16. A montagem tem texto e direção de Carlos Pinto e patrocínio do Fumproarte.

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