ECONOMIA

Plataformas digitais não comprovam padrões mínimos de trabalho decente

Pesquisa avaliou remuneração, condições de trabalho, contratos, gestão e representação de seis empresas no Brasil: iFood, Rappi, Uber, UberEats, 99 e GetNinjas
Da Redação / Publicado em 17 de março de 2022

Foto: Marcello Casal/ Agência Brasil

Os principais riscos à segurança e à saúde, de acordo com os trabalhadores são acidentes de trânsito, violência, exposição excessiva ao sol, problemas nas costas, estresse e sofrimento mental

Foto: Marcello Casal/ Agência Brasil

Um levantamento feito para classificar como as maiores plataformas digitais tratam os trabalhadores mostrou que nenhuma conseguiu comprovar padrões mínimos de trabalho decente. A pesquisa foi feita no âmbito do projeto Fairwork Brasil, vinculado à Universidade de Oxford, e ouviu seis plataformas: Uber, iFood, 99, Rappi, UberEats e GetNinjas.

A pontuação atribuída vai de 0 a 10 e reflete o trabalho justo a partir de cinco eixos: remuneração, condições de trabalho, contratos, gestão e representação. Os dados foram obtidos por meio de entrevistas com os trabalhadores.

Segundo o relatório Fairwork Brasil 2021: Por trabalho decente na economia de plataformas, o primeiro do projeto no Brasil, o iFood e a 99 receberam nota 2; a Uber, nota 1; e GetNinjas, Rappi e Uber Eats, nota 0.

Quando avaliado o quesito Remuneração Justa, apenas a 99 conseguiu evidenciar que os trabalhadores ganham pelo menos o salário mínimo local, de R$ 5,50 por hora, que resulta em R$ 1.212 ao mês (2021), descontados os custos para a realização do trabalho. Em comunicado público a empresa garantiu que nenhum trabalhador ganha menos que o salário mínimo local.

O estudo avaliou se os trabalhadores recebiam o salário mínimo local, levando em consideração não apenas o valor pago por horas trabalhadas, mas também o custo de equipamentos específicos da tarefa e outros custos relacionados ao trabalho que os trabalhadores tiveram que pagar do próprio bolso.

Os cálculos de remuneração também levaram em conta o tempo de espera entre uma atividade e outra, que deve ser pago pelas plataformas. A maioria delas não atinge esse princípio básico, o que inclui até altas taxas para entrada na plataforma.

Ofertas de trabalho

“Há até plataformas que exigem que o trabalhador compre moedas para acessar as ofertas de trabalho. As tarifas de remuneração e as horas de trabalho também são altamente voláteis, levando a uma alta insegurança de renda para os trabalhadores”, explicou o coordenador do Fairwork no Brasil, Rafael Grohmann.

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Paralisação dos entregadores de aplicativo na praça Charles Miller, Pacaembu, em 2020

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

A Uber e a 99 conseguiram mostrar que executam ações para proteger os trabalhadores de riscos específicos das tarefas, evidenciando assim que trabalham para oferecer Condições Justas de trabalho. Entretanto, há outras plataformas que têm projetos em andamento e planejados para lidar com esses riscos. De acordo com o estudo, as boas práticas abordadas envolveram a eliminação de barreiras ao acesso a equipamentos de proteção individual (EPI) e o fornecimento de apólices de seguro claras.

“Mesmo assim os trabalhadores disseram enfrentar muitas barreiras, como a distância, para acessá-los. Outra queixa recorrente é a falta de infraestrutura básica como acesso a banheiros, áreas de descanso e água potável. Os principais riscos à segurança e à saúde, de acordo com eles, são acidentes de trânsito, violência, exposição excessiva ao sol, problemas nas costas, estresse e sofrimento mental”, destacou Grohmann.

Apenas uma plataforma (iFood) conseguiu mostrar a adesão aos padrões básicos para contratos, resultando então em Contratos Justos, inserindo termos e condições acessíveis com ilustrações.

Ainda assim, segundo o coordenador da pesquisa, a questão dos termos de serviço acessíveis representa um desafio para esses trabalhadores.

Segundo o Fairwork, as plataformas também precisam passar a notificar os trabalhadores sobre as mudanças propostas dentro de um prazo razoável, outra condição que cinco das seis plataformas estudadas não cumpriram.

Por fim, quando trata de Representação Justa, que significa que a empresa permite que os trabalhadores sejam capazes de se organizar livremente no ambiente de trabalho, o estudo revela que nenhuma das plataformas está apta nesse sentido. Uma das plataformas (iFood) pontuou no nível básico devido à construção de mecanismo em relação à voz dos trabalhadores, mostrando que, após as grandes greves, a direção se reuniu com as lideranças.

“Foi criado o Fórum de Entregadores, a iFood instituiu um canal por meio do qual a voz coletiva do trabalhador pode ser expressa. Esperamos que a iFood continue e expanda ainda mais essa iniciativa para incluir o maior número possível de lideranças de entregadores e realmente use esse mecanismo para ouvir os trabalhadores”, disse Grohmann.

O coordenador afirmou ainda que a pesquisa gera impactos ao redor do mundo. “É uma pesquisa-ação. Os princípios podem ajudar na formulação de políticas públicas e a construir, junto com as diferentes instituições interessadas, mecanismos rumo ao trabalho decente na economia de plataformas no Brasil”.

Contraponto das plataformas

Ao comentar o resultado da pesquisa, a plataforma Uber disse que lamenta que o relatório Fairwork Brasil tenha ignorado alguns fatos em pelo menos três princípios: remuneração, gestão e contratos.

Sobre a remuneração, a empresa alega que “é a única plataforma que mostra em seu site, com transparência, informações sobre a média de ganhos dos parceiros de acordo com a cidade e o número de horas online”.

Sobre a gestão, a Uber cita novamente a transparência e diz que disponibiliza processos em um portal do site, para que parceiros possam solicitar revisão de alguma decisão que entenda equivocada.

Finalmente, sobre os contratos, a empresa informou que todos os motoristas parceiros precisam revisar os Termos e Condições Gerais em um documento que fica a disposição para consulta e atualização.

A empresa GetNinjas esclareceu, em nota, que não foi consultada durante a elaboração do relatório Fairwork Brasil e que seu modelo de operação é diferente do das demais empresas do levantamento. A plataforma alega que o contato, negociação e pagamento dos serviços são realizados fora da plataforma: “Portanto, o nosso modelo de negócio se diferencia dos demais citados na pesquisa”.

“Destacamos que o GetNinjas opera como um classificado online, em que prestadores de serviço – o que inclui micro e pequenos empreendedores – anunciam seus serviços e conseguem novos potenciais clientes. Dessa forma, os profissionais utilizam a plataforma como um canal de anúncio para divulgar serviços e negociar com potenciais clientes”.

*Com informações da ABr

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