MOVIMENTO

Reforma trabalhista: um ano de retrocessos

Mudança da CLT provocou redução da renda e do emprego, precarização e desregulação do trabalho e fragilizou sindicatos. E gerou só 37% dos empregos prometidos
Por Gilson Camargo* / Publicado em 13 de novembro de 2018
Integrantes de centrais sindicais protestam no centro do Rio contra reforma trabalhista que altera a CLT, aprovada em 2017

Foto: Fernando Frazão/ Agência Brasil

Integrantes de centrais sindicais protestam no centro do Rio contra reforma trabalhista que altera a CLT, aprovada em 2017

Foto: Fernando Frazão/ Agência Brasil

Redução dos níveis de renda e emprego, precarização das relações de trabalho, insegurança jurídica, aumento no número de demissões por acordos feitos fora dos sindicatos, desrespeito dos empregadores às cláusulas sociais das convenções coletivas de trabalho e maior dificuldade de acesso à Justiça do Trabalho. Esse é o saldo da reforma trabalhista, Lei 13.467, que completou um ano no domingo, 11, acumulando ainda um resultado pífio em termos de geração de empregos: Nesses 12 meses de vigência da reforma trabalhista aprovada pelo governo sob o argumento de que geraria 1 milhão de empregos, foram criadas apenas 372 mil vagas. Além disso, a reforma trabalhista descumpriu tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário e colocou o país na lista suja da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de países que promovem graves violações dos direitos trabalhistas.

Conforme a decisão da OIT, o Brasil passou a fazer parte do grupo de 24 países violadores de normas de proteção aos trabalhadores, acompanhado de Haiti e Camboja, o que ocorreu a partir de consultas feitas pelo Ministério Público do Trabalho e denúncias de sindicatos contra a Reforma Trabalhista.

A OIT integra o sistema das Nações Unidas (ONU) e possui um comitê que irá analisar a denúncia de violação de convenções internacionais ratificadas pelo Brasil. No ano passado, antes da aprovação da Reforma Trabalhista, o Brasil chegou a ser incluído na lista mais ampla e preliminar, mas acabou de fora da lista definitiva.

Mentor da reforma trabalhista, o ex-ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, que não conseguiu se reeleger deputado pelo PTB/RS por conta do desgaste

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Mentor da reforma trabalhista, o ex-ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, que não conseguiu se reeleger deputado pelo PTB/RS por conta do desgaste

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A legislação alterou mais de cem pontos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e instituiu formas precarizadas de contratação, como a modalidade de trabalho intermitente e a formalização do teletrabalho. Outras mudanças foram a demissão por meio de acordo entre empregado e patrão, formalização do teletrabalho, divisão das férias em três períodos e o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical. O principal argumento do governo Temer para aprovar a reforma com cortes de direitos foi a geração de empregos. A estimativa do então ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, era de 2 milhões de vagas nos dois primeiros anos.

Os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), derrubam a tese em tom de ameaça. Nos 12 primeiros meses, o saldo de vagas geradas no país foi de 372 mil, ou seja, faltaram mais de 620 mil oportunidades de trabalho para chegar na meta de 1 milhão estimada pela equipe de Temer para o primeiro ano. No mesmo período foram registrados 47.139 contratos de trabalho intermitente, quando a remuneração é pelas horas trabalhadas. “Foi um resultado pífio e muitas das vagas geradas são de emprego intermitente, ou seja, o trabalhador foi contratado, porém, pode ser que ele nem tenha sido convocado para trabalhar. Ou seja, continuou sem a renda”, avalia o analista político Marcos Verlaine, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

“Sai a consolidação das leis do trabalho e entra a consolidação das leis de mercado. A legislação vigente privilegia o patrão e o mercado em detrimento do trabalhador”, resume Verlaine, do Diap

Foto: Sindicato dos Metalúrgicos SP/ Divulgação

“Sai a consolidação das leis do trabalho e entra a consolidação das leis de mercado. A legislação vigente privilegia o patrão e o mercado em detrimento do trabalhador”, resume Verlaine, do Diap

Foto: Sindicato dos Metalúrgicos SP/ Divulgação

Para o procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) e coordenador nacional de combate às Fraudes nas Relações de Trabalho do MPT, Paulo Joarês Vieira, o resultado ficou aquém do esperado. Para ele, a redução do desemprego não se deu pelo ganho de vagas formais, mas pelo ingresso de pessoas no mercado de trabalho informal. “No setor privado, apenas desconsiderando o setor público e o setor doméstico, o IBGE aponta a perda de 300 mil vagas formais neste período de um ano. Então, o impacto nesse aspecto foi negativo, do nosso ponto de vista”, avalia Vieira. O procurador lembra que algumas das novidades impostas pela reforma, como o trabalho intermitente, em que o empregador chama o trabalhador de acordo quando necessário, também acabaram não gerando um volume de contratações como imaginado. “O trabalho intermitente atingiu em torno de 30 mil contratações, o que em comparação com o volume do mercado de trabalho é um número pequeno. Mas, são 30 mil contratos precários em que o trabalhador não tem garantia nem de renda, nem de uma jornada de trabalho”.

Em nota, o secretário-executivo substituto do Ministério do Trabalho, Admilson Moreira dos Santos, explicou que os trabalhadores e empregadores ainda estão se adaptando às novas normas. “Acreditamos que a implantação da Lei 13.467 ainda está em curso, e, talvez, demande mais algum tempo para se consolidar em nosso mercado. No entanto, vemos que a cultura das relações de trabalho está mudando e isso é bom. É um processo gradual”, disse.

TRABALHO INTERMITENTE – De acordo com o técnico do Diap, o trabalho intermitente, que estabelece a possibilidade de pagamento das horas efetivamente trabalhadas, de acordo com a convocação do empregador, é um indicativo forte da precarização do trabalho. “Para conseguir uma renda, ele terá que trabalhar em vários lugares diferentes. E sem garantia de quanto vai receber”, alerta Verlaine.

Outro problema relacionado ao emprego intermitente é a contribuição para o INSS. Segundo a regra do governo, a contribuição mínima tem como referência o salário mínimo, que está em R$ 954. Se o trabalhador intermitente não consegue atingir este valor de renda por mês, ele terá que fazer uma contribuição complementar da diferença para o INSS.

“Imagine como é grave. Além de ficar com a renda comprometida naquele mês, ele pode ficar em débito com o INSS, caso não faça a contribuição extra, e perder este tempo na contagem para a aposentadoria”, explica o especialista em direito previdenciário Guilherme Portanova.

Queda de ações no judiciário trabalhista

Um levantamento do Tribunal Superior do Trabalho (TST) mostra que em novembro de 2017, quando a lei entrou em vigor, as Varas do Trabalho receberam mais 26,2 mil processos, volume considerado pico naquele ano. A partir de dezembro de 2017, no entanto, o número de casos novos a cada mês caiu, sendo menor em comparação a todos os meses do ano anterior. De janeiro a setembro de 2017, o número de reclamações trabalhistas alcançou a soma de 2.013.241. De janeiro a setembro deste ano, foram recebidas 1.287.208 ações, o que representa volume menor de aproximadamente 40%.

O estoque de processos pendentes de julgamento também caiu. Em dezembro de 2017, havia 2,4 milhões de processos à espera de decisão das primeiras ou segundas instâncias da Justiça do Trabalho. Em agosto deste ano, o resíduo de processos não julgados era de 1,9 milhão, volume cerca de 20% menor do que o registrado quando a reforma começou a vigorar. “Até o momento, o principal impacto é a redução do número de reclamações trabalhistas, o que pode ser comprovado pelos dados estatísticos. Paralelamente, houve um aumento de produtividade”, disse o presidente do TST e do Conselho Superior do Trabalho (CSJT), ministro Brito Pereira.

O procurador do MPT, Paulo Vieira, pondera que a redução no número de ações trabalhistas pode estar relacionada a obstáculos de acesso à Justiça que surgiram com a reforma, que determinou, por exemplo, o pagamento das custas judiciais pela parte que perde a ação. “Aconteceu a redução dos processos, mas, do nosso ponto de vista, não é um número positivo, porque não representa um progresso da sociedade, mas sim um retrocesso de desrespeitar o direito constitucional de que todos tenham acesso à Justiça e todos possam buscar a reparação dos seus direitos quando lesados”, disse.

A reforma trabalhista não é um consenso e provocou questionamentos judiciais por parte de representações dos trabalhadores. De acordo com o TST, há 19 ações de inconstitucionalidade contra a reforma em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF), ajuizados pela Procuradoria-Geral da República, entidades que representam trabalhadores e empregadores de vários setores da economia.

Um levantamento apresentado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) mostra que o número de novos processos trabalhistas caiu 36,2% com a reforma. De janeiro a setembro de 2017, as varas do trabalho protocolaram 2,01 milhões de ações. Já entre janeiro de setembro de 2018, com a reforma em vigor, foram 1,28 milhão.

Para Estanislau Maria de Freitas Júnior, advogado especialista em Direito do Trabalho, pela USP, e em Políticas Públicas, pela Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap), essa redução é reflexo da mudança que desequilibrou a correlação de forças entre empregador e trabalhador.

Obstrução do acesso à Justiça do Trabalho

Entre os pontos mais questionados está o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical. A questão foi julgada pelo Supremo, que declarou em junho deste ano a constitucionalidade do artigo.

Outro ponto que deve ser julgado é o que prevê que a parte vencida no processo deve pagar os honorários de advogados e peritos, mesmo que a parte seja beneficiária da justiça gratuita.

O trabalho intermitente, atualização dos depósitos recursais, a fixação por tabela de valores de indenização por dano moral e a realização de atividades insalubres por gestantes e lactantes também são objeto de ações a serem julgadas pelo Supremo.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) avalia que a reforma representa “uma revolução” e “prestigia o diálogo entre o empregado e o empregador para que definam de forma autônoma e de comum acordo as condições e rotinas de trabalho”. Os empresários defendem que a reforma oficializa a adoção de “arranjos aparentemente corriqueiros” dentro do mercado, como o home office e jornadas mais flexíveis. A entidade informou que dispõe de uma pesquisa em que oito de cada dez brasileiros disseram que desejam trabalhar em casa ou em locais alternativos à empresa.

Já a Central Única dos Trabalhadores (CUT) avalia que a reforma trabalhista precarizou as condições de trabalho. A entidade critica que a maioria dos postos de trabalho, criada no último ano, foi sem carteira assinada, com menos direitos e salários mais baixos. No período, de acordo com a CUT, aumentou o número de demissões por acordos feitos fora dos sindicatos e o desrespeito dos empregadores às cláusulas sociais das convenções coletivas de trabalho. A reforma também resultou em uma barreira para o acesso dos trabalhadores à Justiça do Trabalho na sua previsão de que a parte vencida no processo trabalhista, mesmo beneficiada pela justiça gratuita, deve pagar os honorários de advogados e peritos.

DESEMPREGO – Ao alterar mais de 200 pontos na CLT – conjunto de leis que protegia os direitos dos trabalhadores –, a reforma trabalhista retirou direitos fundamentais dos brasileiros e agravou a crise do emprego e renda. Atualmente, segundo IBGE, são 12,5 milhões de brasileiros desempregados. Para o analista político Marcos Verlaine, do Diap, com a falsa promessa de ser uma “vacina” contra a diminuição da oferta de vagas, a proposta de reforma atendeu a interesses do mercado financeiro e dos empresários. “Essa tentativa de alterar a CLT vem de muito tempo. Não é uma coisa recente. Entretanto, desde a redemocratização, os empresários e o mercado não conseguiram reunir os elementos para aprovar a mudança, que seriam: uma bancada no Congresso com esse objetivo, força política na sociedade brasileira e uma dificuldade do movimento sindical de resistir”, avalia Verlaine.

Para enfraquecer os sindicatos, a reforma atacou a fonte de financiamento das entidades. “Houve uma queda de mais ou menos de 80% da arrecadação dos sindicatos com o fim da contribuição obrigatória. Isso desequilibrou bastante as negociações”, afirma.

Leis do trabalho versus leis do mercado

Na opinião do analista do Diap, as mudanças aprovadas há um ano alteram radicalmente as características da CLT e abrem espaço para a precarização dos empregos. “Sai a consolidação das leis do trabalho e entra a consolidação das leis de mercado. A legislação vigente privilegia o patrão e o mercado em detrimento do trabalhador”, resume Verlaine. A criação de novas modalidades de contratação, com flexibilização aguda dos direitos trabalhistas, salários menores e pouca margem para negociação, dá a tônica da reforma.

A reforma trabalhista contribuiu ainda para ampliar os impactos da crise econômica, o que atrapalha qualquer perspectiva de retomada do crescimento da atividade econômica, segundo a economista Marilane Teixeira, pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais de Economia de Trabalho da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

A economista Marilane Teixeira, da Unicamp (D), alerta que, com a reforma, surgiu a renda instável, que reduz o consumo e gera recessão

Foto: CUT/ Divulgação

A economista Marilane Teixeira, da Unicamp (D), alerta que, com a reforma, surgiu a renda instável, que reduz o consumo e gera recessão

Foto: CUT/ Divulgação

“Esses contratos têm uma renda muito instável. Se você tem uma renda instável, você não planeja o futuro. Não tem perspectiva de assumir qualquer tipo de compromisso, contratação de crédito. Isso tem impacto sobre o consumo, a produção e o investimento. As medidas [da reforma] não têm condições de contribuir para que se retome a atividade econômica”, constata.

Segundo ela, uma das mudanças da reforma trabalhista mais aplicadas nos acordos coletivos dos últimos 12 meses, por parte dos empregadores, foi a instituição do banco de horas. Para os trabalhadores com carteira assinada, isso teve um impacto direto na remuneração pois afetou o pagamento de horas extras. “O banco de horas substitui as horas extras, que para boa parte dos trabalhadores já foi incorporada ao salário. Então teve uma queda de renda familiar. Isso é grave, porque dois terços do produto nacional vêm do consumo das famílias. Quando o consumo das famílias reduz em função da queda da renda familiar, o impacto é muito grande”, explica.

APOSENTADORIAS – O advogado Guilherme Portanova, especialista em direito previdenciário, aponta o reflexo da reforma trabalhista nas aposentadorias e benefícios pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O percentual de crescimento da arrecadação líquida das contribuições, descontadas dos contracheques e recolhida pelas empresas, teve redução de 58%, na média de nove meses após a implantação da reforma, comparando com o mesmo número de meses antes da reforma. “A redução no ritmo de crescimento da arrecadação tem a ver com o desemprego em alta e, em boa parte, com a precarização do trabalho gerado pela reforma da CLT”, analisa. Antes da reforma, a arrecadação líquida média era de R$ 29,7 bilhões com um crescimento de 5,39%. Após a entrada em vigor das novas regras, a média ficou em R$ 30,4 bilhões, ou seja, o crescimento ficou em 2,25% apenas.

*Com Agência Brasil, MPT e MTBe.

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