JUSTIÇA

Limite legal da liberdade de expressão está parado no STF há quatro anos

Quase 300 mil processos que tramitam na Justiça contra jornalistas e comunicadores podem ser suspensos enquanto Supremo não deliberar sobre recurso de repercussão geral do tema
Por Flávio Ilha / Publicado em 24 de julho de 2020
Luís Roberto Barroso, não tem prazo para apresentar seu relatório sobre recurso especial que impede censura

Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Luís Roberto Barroso, não tem prazo para apresentar seu relatório sobre recurso especial que impede censura

Foto: Nelson Jr./SCO/STF

O tema de repercussão geral 837, que irá definir os limites da liberdade de expressão em contraposição a outros direitos de igual hierarquia, está parado no Supremo Tribunal Federal (STF) há quatro anos. A análise, originária de um recurso extraordinário de 2011, servirá como referência para todos os processos que envolvam esse tema no país. O relator, ministro Luís Roberto Barroso, não tem prazo para apresentar seu relatório.

No último levantamento oficial realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2018, havia cerca de 300 mil processos envolvendo o tema tramitando na Justiça brasileira, dos quais 59% pedem indenização por danos morais ou difamação. A maioria dos réus é de jornalistas ou comunicadores.

A Constituição de 1988 garante, no artigo 5º, o pleno exercício da liberdade de expressão, mas tornou-se comum a utilização da via judicial, especialmente de agentes públicos, para silenciar críticas ou mesmo opiniões dissonantes. Muitas dessas ações incluem pesadas sanções econômicas.

O recurso especial que motivou a análise de repercussão geral ocorreu no interior de São Paulo e envolveu uma publicação pela internet da ONG Projeto Esperança Animal (PEA) denunciando maus tratos durante realização da Festa do Peão Boiadeiro de Barretos. A publicação afirmava que os animais eram artificialmente estimulados a serem agressivos de forma a potencializar seu comportamento na arena de provas. A Justiça de São Paulo considerou que a ONG agiu de forma abusiva porque não apresentou nenhuma prova de que os maus tratos de fato ocorressem.

Repercussão geral é importante para dizer claramente o que não é proibido, explica o jurista Lênio Streck

Foto: Igor Sperotto

Repercussão geral é importante para dizer claramente o que não é proibido, explica o jurista Lênio Streck

Foto: Igor Sperotto

O jurista Lênio Streck avaliou que a liberdade de expressão deve ter uma limitação circunscrita à difusão de discursos de ódio ou autocontraditórios – ou seja, em nome da democracia, por exemplo, contra a defesa do fim da democracia. “Essa repercussão geral é importante, não para comprimir os limites de expressão, mas para alargar e dizer, claramente, o que não é proibido, como ocorreu no caso concreto que levou à análise”, disse.

Os temas de repercussão geral foram instituídos por reforma constitucional em 2004. Em síntese, o próprio STF é quem define quais temas devem ser analisados sob essa ótica, considerando a existência de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico “que ultrapassem os interesses subjetivos do processo”.

No artigo do Código de Processo Civil referente ao tema, fica estabelecido que o relator, logo que reconhecida a repercussão geral, “determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão”.

Na prática, enquanto o tema não tiver deliberação por parte do STF, todos os processos podem ser suspensos – a pedido das instâncias inferiores ou das partes envolvidas nos casos. Segundo o STF, existem 451 teses de repercussão geral tramitando no tribunal.

No parecer que acolheu a tese da repercussão geral para a liberdade de imprensa, o ministro Barroso delimitou que a questão constitucional consistirá em definir os limites da liberdade de expressão “ainda que do seu exercício possa resultar relevante prejuízo comercial”. Além disso, o relator deverá identificar, na sua decisão, hipóteses “em que a publicação deve ser proibida e/ou o declarante condenado ao pagamento de danos morais ou outras consequências jurídicas”.

No final de seu voto, Barroso argumenta que não há liberdade de imprensa “pela metade ou sob as tenazes da censura prévia”, mesmo que essa censura venha do poder judiciário. “Silenciando a Constituição quanto ao regime da internet (rede mundial de computadores), não há como se lhe recusar a qualificação de território virtual livremente veiculador de ideias e opiniões, debates, notícias e tudo o mais que signifique plenitude de comunicação”, defende o relator.

A reportagem do Extra Classe entrou em contato com a assessoria do STF na quarta-feira,22, para estimar prazos de apresentação de voto do ministro Barroso ou análise do caso em plenário. Até esta publicação, o órgão não havia enviado nenhuma resposta aos questionamentos do jornal.

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