JUSTIÇA

“Meu filho foi assassinado. Temos urgência por justiça”, desabafa mãe de Eduardo Fösch

ENTREVISTA | JUSSARA FÖSCH
Por Gilson Camargo / Publicado em 24 de agosto de 2022

Foto: Acervo Pessoal

“Desde o início estranhamos a ausência da polícia no local, tentaram arquivar o caso, houve trocas de juízes e promotores, tentam nos convencer que foi acidente. Meu filho foi assassinado. A memória dele deve ser reparada”, afirma Jussara Fösch

Foto: Acervo Pessoal

A família de Eduardo Fösch ingressou nesta semana com dois recursos contra as sentenças do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) no processo que julga os acusados pelo assassinato do jovem em 27 de abril de 2013, durante uma festa de jovens em um condomínio na zona Sul de Porto Alegre.

No final de julho, Simone Schmitz e José Antonio Jacovás, proprietários da residência no condomínio Jardim do Sol onde ocorreu a festa foram condenados na esfera cível ao pagamento de uma indenização por danos morais à família da vítima no valor de R$ 200 mil e mais R$ 8 mil relativos a despesas com hospitais e funeral – Eduardo ficou hospitalizado nove dias devido a agressões.

No julgamento, o juiz Vanderlei Deolindo, da Vara Cível do Foro Regional da Tristeza rejeitou o pedido de indenização por danos morais e materiais contra o condomínio.

A outra decisão é do dia 19 de agosto. Na esfera criminal, o juiz substituto Tadeu Trancoso de Souza, da 2ª Vara do Foro Central de Porto Alegre, absolveu o segurança privado Isaias Miranda das acusações de homicídio triplamente qualificado, por motivo fútil, meio cruel e com recurso que impossibilitou a defesa da vítima. Principal acusado, ele trabalhava como segurança da festa.

O juiz considerou insuficientes as provas arroladas no processo. O juiz também adiou o julgamento do ex-policial civil e, à época do crime, supervisor de segurança do residencial, Luís Fernando Souza de Souza, acusado de limpar o local do crime e apagar as gravações das câmeras de segurança. Deolindo remeteu o caso dele para outra vara por entender que Souza “não cometeu crime contra a vida”.

As sentenças, após nove anos em que o processo se arrasta no judiciário gaúcho, causaram indignação entre familiares de Eduardo, de acordo com a mãe do jovem, a bancária Jussara Fösch, 56 anos. “Qual é o valor que vai nos ajudar a conviver com a dor por um filho assassinado?”, indaga.

“Desde o início do processo nós já estranhamos a ausência da polícia no local, as tentativas de arquivamento do processo, trocas de juízes e de promotores, toda a abordagem para nos convencer que houve um acidente. Não foi. Foi agressão. Meu filho foi assassinado. Temos urgência por justiça para que a memória dele seja reparada”, desabafa Jussara nesta entrevista.

Foto: Arquivo Pessoal

“Eu não entendo que possa ser um rito normal o andamento desse processo, que a cada dia chega mais próximo ao prazo de prescrição das penas”

Foto: Arquivo Pessoal


Extra Classe – Por que a família questiona os valores fixados na sentença cível?
Jussara Fösch – O pai do Eduardo (Júlio César Rodrigues) e eu entendemos que para indenizar essa situação que levou nosso filho à morte esse valor é muito, mas muito baixo. Não tem como valorar a vida de uma pessoa, em especial a vida do nosso filho. E se a gente considerar que o condomínio recebeu o Eduardo e fechou os portões, nós também entendemos que existe uma responsabilidade do condomínio, que também deve haver uma condenação. Temos expectativa de que no recurso tudo isso possa ser revisto. O custo para uma pessoa que perde um filho corresponde a todo o dinheiro que existe no mundo. Eu respondo como mãe: se tivesse que quantificar, para mim seria impossível, porque nenhum valor seria suficiente para nos ajudar a conviver com essa perda e com essa dor.

EC – Em relação ao dano material, quanto foi gasto nesses nove anos, a começar pela contratação da perícia que desarquivou o caso?
Jussara – Com certeza a gente gastou em torno do valor atribuído, uns R$ 200 mil. Somando as despesas todas durante esses nove anos. Isso aí não passaria de um reembolso de despesas. Não passa nem perto de uma indenização pela perda de um filho.

EC – Por que os denunciados pelo Ministério Público não foram a júri popular como havia sinalizado o judiciário?
Jussara – Para nós soou muito estranho que transcorridos esses nove anos, o julgamento tenha sido feito exatamente no momento em que se tinha um juiz substituto. Não parece ser uma situação comum. Nós entendemos que o Isaías deveria ter sido condenado pelo juiz e vamos recorrer, porque estamos inconformados, decepcionados com esse resultado. Vamos tentar reverter essa impronúncia e fazer com que ele vá a júri popular. E além disso vamos tentar trazer de volta para esse processo o julgamento do supervisor Luís Fernando Souza.

EC – Por que houve tentativas de arquivamento e por que o processo demora tanto para andar no judiciário?
Jussara – Desde o início do processo nós já estranhamos a ausência da polícia no local no dia do ocorrido. Fomos nós que registramos o boletim de ocorrência, mas a polícia não foi ao local. Depois tivemos duas tentativas de arquivamento do processo, várias trocas de juízes e de promotores. Durante esses nove anos e toda a abordagem do ocorrido tentaram nos convencer que o Eduardo se feriu durante uma queda, que eu tenho certeza que não foi, estou convicta que foi agressão e que meu filho foi assassinado. Depois de verificar prontuários do HPS e entender a avaliação do perito nós confirmamos que de fato foi um assassinato. Nós da família entendemos que todas essas situações tinham o objetivo de levar à impunidade, à não punição do criminoso, e de retardar todos os procedimentos e a conclusão desse processo para que de fato ninguém seja punido.

EC – A senhora vê alguma relação com o fato de os pais dos jovens que organizaram a festa serem um empresário influente e um subprocurador do MPRS?
Jussara – Nós entendemos que sim. O andamento do processo pode estar sendo retardado. Proteger alguém, para nós, é uma hipótese. Talvez proteger mesmo o Isaías ou até algum outro envolvido que a gente não tem conhecimento. Só quem tem urgência e pressa na punição desses criminosos é o Júlio César (pai de Eduardo), eu e advogada de acusação (Lesliey Gonzales). Todas as outras partes têm um trabalho a fazer, mas não têm a nossa urgência e a nossa pressa. Considerando que sequer a polícia entrou no condomínio para fazer uma investigação ou uma perícia na época, eu acredito que sim, tanto o local onde ocorreu a agressão como as pessoas que ali residem e que promoveram o evento podem ter influência sobre o andamento do processo.

EC – O judiciário atribui os atrasos, adiamentos e substituições de juízes ao excesso de processos nas varas…
Jussara – Eu não entendo que possa ser um rito normal o andamento desse processo, que a cada dia chega mais próximo ao prazo de prescrição das penas. Entendo que esse ritmo não deveria ser o ritmo dos procedimentos do judiciário.

Foto: Arquivo Pessoal

“Eduardo era um excelente ser humano, uma pessoa de muito valor, com uma ótima formação, muito amado, então nós entendemos que ele é digno de todo o bem que a gente puder resgatar nesse processo”

Foto: Arquivo Pessoal

EC – Houve algum desdobramento da denúncia que vocês fizeram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da ONU por crime de racismo?
Jussara – Apresentamos informações sobre o assassinato de Eduardo e a insuficiência e inadequação do sistema de justiça brasileiro na investigação, processamento e condenação das pessoas responsáveis pela morte. Nesse contexto, discutimos o impacto de Eduardo ser adolescente e a única pessoa afrodescendente em festa que se realizava em um condomínio de casas de alto padrão. Alegamos a violação dos direitos à vida, à integridade pessoal, às garantias e proteções judiciais, e o direitos da criança, todos da Convenção Americana de Direitos Humanos. Desde que fizemos a denúncia, aguardamos a notificação e manifestação do Estado brasileiro para que sejam analisadas a admissibilidade e o mérito do caso.

EC – A senhora disse que a família tem pressa por justiça. É uma questão de reparação da memória do seu filho?
Jussara – Ao nosso filho Eduardo foi negado o direito ao respeito, à saúde, à vida, à liberdade no momento em que ele foi agredido e levado à morte. Por isso nós temos muita pressa de ter resultados na justiça que venham a resgatar a dignidade dele, que venham reparar a sua memória, e que levem o judiciário a executar e os responsáveis pelo crime a cumprir as leis brasileiras em favor do nosso filho e em nosso favor, pois no nosso entendimento ele era um excelente ser humano, uma pessoa de muito valor, com uma ótima formação, muito amado, então nós entendemos que ele é digno de todo o bem que a gente puder resgatar nesse processo.

EC – Quem era o Eduardo?
Jussara – Nós sabemos que o nosso Eduardo, o nosso ‘Negrão’ não volta mais para o nosso convívio, mas também sabemos que a passagem dele nas nossas vidas foi uma bênção. Na companhia dele nós tivemos um mundo melhor e nos tornamos pessoas melhores. E continuamos buscando isso todos os dias. Então, não vamos desistir dessa luta, vamos insistir, nos esforçar cada dia mais e vamos, assim como ele nos mostrou, sempre buscar um mundo de igualdade e de justiça. E vamos fazer isso em nome do amor que sentimos por ele e que podemos ter por todas as pessoas que passam pelo nosso caminho.

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