MOVIMENTO

Juristas criam ‘liga da justiça’ para combater ataques a direitos humanos

Rede de advogados, defensores públicos e juristas que libertaram os brigadistas no Pará está articulada para defender minorias e movimentos sociais diante de abusos de poder
Da Redação / Publicado em 5 de dezembro de 2019
Brigadistas presos no Pará, durante entrevista coletiva realizada no dia 30 de novembro

Foto: Tiago Silveira/Divulgação

Brigadistas presos no Pará, durante entrevista coletiva realizada no dia 30 de novembro

Foto: Tiago Silveira/Divulgação

Um grupo de advogados, promotores, defensores públicos, procuradores e entidades da sociedade civil organizada, desde setembro se reunindo e ampliando uma rede combater de modo amplo violações de liberdades individuais e direitos básicos no Brasil. Inicialmente batizada de Aliança, a entidade vai coordenar profissionais com diferentes atuações no sistema judiciário. O foco é atuar em temáticas ligadas à liberdade de expressão, liberdade de ensino e direitos voltados à igualdade de gênero, racial e social, garantias da Constituição.

Entre os fundadores da Aliança estão o advogado Beto Vasconcelos, ex-secretário nacional de Justiça, a advogada Juliana Vieira dos Santos, o advogado e ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, o presidente do Instituto Luiz Gama e professor de direito, Sílvio Luiz de Almeida, e a presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, Keila Simpson.

BRIGADISTAS – Depois de obter a liberdade dos quatro voluntários da Brigada de Alter do Chão, no dia 28 de novembro passado, no Pará, a prioridade da equipe de defesa dos rapazes é garantir a segurança de Daniel Gutierrez Govino, João Victor Pereira Romano e Gustavo de Almeida Fernandes e Marcelo Aron Cwerner. Os quatro haviam sido presos preventivamente sob acusação terem provocado incêndio florestal em parte da vegetação de uma área de Proteção Ambiental em Santarém e foram liberados com habeas corpus. De acordo coma defesa “há registros de ameaças” contra eles e um dos voluntários chegou a ter ataques de ansiedade durante a noite, por medo de ter sua casa invadida.

Os advogados queremos a revogação das medidas cautelares contra eles e demonstrar a ilegalidade do processo e além de garantir a segurança dos quatro, também dos demais brigadistas e voluntários de outras associações que atuam na região. A declaração fou do advogado Beto Vasconcelos, ex-secretário nacional de Justiça. Ao lado de Antônio Mariz de Oliveira, Maíra Salomi, Augusto de Arruda Botelho e Fernando Cunha, Vasconcelos passa a integrar a defesa da Brigada de Alter. Todos são membros da Aliança, uma rede de advogados, promotores e defensores públicos criada em setembro para atuar em casos “concretos e emblemáticos” de violação de liberdades e direitos fundamentais. Alguns membros já haviam trabalhado juntos no sistema de Justiça em casos relacionados a direitos humanos. De um ano para cá, quando recrudesceu a retórica contra liberdades e direitos humanos, começaram a se reunir por acreditar que esse discurso passaria da retórica à prática. O que veio a acontecer.

Em outubro, porém, a Aliança deve mudar de nome depois que o presidente Jair Bolsonaro anunciou a criação do partido Aliança pelo Brasil. A rede de defensores também trabalhou na defesa de Janice Ferreira da Silva, conhecida como Preta Ferreira, líder do movimento de moradia Movimento Sem Teto do Centro (MSTC) de São Paulo, que foi presa no final de junho e conseguiu o habeas corpus em outubro.

Agora, além de representar os quatro membros da Brigada de Alter, a Aliança também defenderá o Projeto Saúde e Alegria, onde foi cumprido um dos mandados de prisão contra o grupo, e a ONG internacional WWF. Um inquérito, baseado em provas frágeis, segundo os advogados, apontou que a ONG repassou fundos à Brigada e comprado fotos dos incêndios provocados por 47.000 reais. A WWF nega a compra de imagens e confirma uma parceria com o Instituto Aquífero Alter do Chão (do qual nasceu a Brigada, em 2018) para a compra de equipamentos de combate a incêndios florestais no valor de 70.600 reais.

Para Vasconcelos, o inquérito foi baseado em “áudios distorcidos e possivelmente ilegais que não indicam delito ou gravidade”. O delegado José Humberto Melo Júnior, um dos responsáveis pela investigação da Polícia Civil que durou dois meses, alegou que imagens, depoimentos e, principalmente, interceptações telefônicas indicavam a participação criminosa dos voluntários em incêndios florestais. “Trata-se de um caso extremamente sensível que remete a crimes ambientais, ainda mais na véspera da Conferência do Clima realizada em Madri (COP), de 2 a 13 de dezembro. Houve uma ação desmedida e injustificada do Estado contra a sociedade civil organizada, o que encaramos como uma criminalização dessas organizações”, argumenta o advogado.

Ele considera que a prisão preventiva dos quatro voluntários “não tem qualquer fundamento”, já que nenhum deles tem precedente na Justiça e todos vivem com suas famílias em endereços fixos. “E o trabalho voluntário que realizam é feito com o próprio Corpo de Bombeiros e amplamente divulgado”, acrescenta.

Em uma entrevista coletiva no dia 30 de novembro, os voluntários da Brigada de Alter negaram que estivessem na área em que começou o fogo em meados de setembro: segundo eles, Daniel fazia um trabalho de fotografia e turismo na Floresta Nacional Tapajós; Marcelo também estava em atividade turística na cidade; Gustavo se encontrava no interior de São Paulo, em um casamento familiar; e João encontrava-se em casa, com a mulher e as duas filhas. “Tudo o que mais fazemos, como profissionais e como voluntários, é preservar o ambiente e proteger a floresta. Foi revoltante perceber que nos transformaram em suspeitos por algo que o oposto em que acreditamos”, afirmou Marcelo.

REDE – A Aliança tem o objetivo de ser o ponto de encontro de quatro redes: uma de advogados, uma de defensores públicos, uma de promotores e procuradores e uma de entidades da sociedade civil. No caso da dos advogados, além do contatos da Aliança que se dispuseram a participar, o trabalho é feito em parceria com três entidades que já têm as próprias redes: o IDDD – Instituto de Defesa do Direito de Defesa, o IBCCrim – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e o Instituto Pro Bono. Entre as defensorias já há redes formadas de defensores públicos, com focos em liberdades e direitos civis. Idem no Ministério Público e em entidades da sociedade civil. Então a Aliança existe para ser um ponto de comunicação e fluxo de informação entre essas quatro áreas. É um papel de catalisador.

 

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