MOVIMENTO

Avança movimento pela tributação das grandes fortunas na América Latina

Estudo revela que a região é uma das mais desiguais do mundo: 10% dos mais riscos concentram 71% da riqueza. O tema será tratado em painel nesta segunda-feira, 28
Por Redação / Publicado em 25 de junho de 2021
população adulta nas ruas aumentou 40% em um ano. A ONG Centro Social da Rua estima mais de 4 mil pessoas em situação de rua na capital gaúcha

Foto Igor Sperotto

Na América latina, 41% da riqueza está nas mãos do 1% mais rico, que contribui com apenas 3,8% da arrecadação total

Foto Igor Sperotto

O Instituto Justiça Fiscal (IJF) retoma, na próxima segunda-feira, 28, as discussões sobre a tributação de grandes fortunas no Brasil e na América Latina. O painel virtual será realizado às 19 horas e reunirá o deputado argentino pela Frente de Todos, Hugo Yasky, o sociólogo e especialista em tributação internacional Jorge Coronado, porta voz da campanha latino-americana para tributar grandes fortunas, o economista Paulo Nogueira Batista Jr, ex-diretor do FMI e banco dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), e a presidenta do IJF e coordenadora da campanha Tributar os Super-Ricos Maria Regina Paiva Duarte. A transmissão será pelas páginas do Youtube e Facebook do IJF.

As discussões, segundo Maria Regina, têm como objetivo fortalecer o movimento na América Latina, a mais atingida econômica e sanitariamente pela pandemia e ao mesmo tempo a que menos tributa a riqueza. A região engloba 20 países: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. Apenas Argentina e Bolívia aprovaram legislações para taxar super-ricos.

CONCENTRAÇÃO DE RIQUEZAS – Estudo realizado pela Rede Latino-americana por Justiça Econômica e Social (Latindadd) estima que 10% dos mais ricos da América Latina concentram 71% da riqueza e 60% dos bilionários latino-americanos receberam suas fortunas de herança e nunca pagaram impostos sobre os ativos financeiros e patrimoniais. A região é a mais desigual do planeta: 41% da riqueza está nas mãos do 1% mais rico, que contribui com apenas 3,8% da arrecadação total.

A dívida pública aumentou para 79% do PIB da região em 2020, o nível mais alto em décadas, depois que a pandemia provocou uma recessão profunda e encolheu a receita tributária. O movimento para fazer os ricos cobrirem os custos da covid-19 ganhou força em alguns círculos políticos.

Justiça fiscal para combater a pobreza

A crise, que empobreceu 45 milhões de pessoas na região, gerou um movimento que reúne 24 países na Campanha Agora ou Nunca! Impostos sobre as grandes fortunas, apresentada em dezembro passado e que articula mudanças legislativas internas nos países para promover justiça fiscal. Estimativa conservadora projeta arrecadação de US$ 26 bilhões por ano em 20 países do continente, caso as legislações sejam implementadas nos respectivos países.

Também em dezembro de 2020, o parlamento argentino aprovou a tributação temporária de grandes fortunas como forma de superar o desastre econômico gerado pelos reflexos do coronavírus. Cerca de 80% dos potenciais contribuintes pagou, informa Administração Federal de Receitas Públicas (Afip). Com 45 milhões de habitantes, o país vizinho tenta tributar cerca de 12 mil pessoas físicas e jurídicas que tenham declarado ativos acima de US$ 2,2 milhões.

Destes, 10 mil pagaram no prazo, que era até 16 de abril, totalizando cerca de US$ 2,4 bilhões. Mais de 200 recursaram à Justiça e outros estão sendo notificados a atualizar dados e pagar os tributos e multa. Chamada de Aporte Solidário, a Lei 27.605 se refere a uma contribuição única para minimizar os efeitos da pandemia. A alíquota varia de 2,25% a 5,25%, dependendo do tamanho da fortuna e se os patrimônios são mantidos localmente ou no exterior.

Meios de cobrar

Os resultados iniciais mostram que tributar os ricos não é tarefa simples. As insuficientes ferramentas para a identificação e tributação das fortunas têm dificultado enormemente a tarefa arrecadatória. A autoridade tributária da Argentina adiou o prazo para que indivíduos ricos enviem os cheques e teve que ajustar as regras, oferecendo planos de pagamento. A imprensa local publicou a lista dos que entraram com recurso judicial, sendo em sua maioria do agronegócio, setor financeiro e meios de difusão.

Os dados sobre riqueza e fortunas são frágeis e opacos devido à existência de países com tributação baixa ou nula (guaridas fiscais), sociedades off shores, sociedades anônimas e aos segredos bancário e financeiro vigentes na maioria dos países do bloco. Como rastrear o dinheiro está entre os desafios comuns à região e que poderá ser minimizado com intercâmbio de dados entre países.

“No Brasil e na região, as administrações tributárias precisam ser fortalecidas em sua capacidade de fiscalização. As modernas ferramentas tecnológicas devem ser colocadas à disposição dos países para enfrentar os desafios decorrentes da tributação das grandes fortunas”, destaca a dirigente do IJF.

Chile e Peru travam fortes embates internos para aprovar medidas similares, mas os governos de partidos de direita até o momento freiam as mudanças. O presidente chileno, Sebastián Piñera, é o homem mais rico do seu país.

Bolívia avança

Também no final de 2020, a Bolívia promulgou a Lei 1357, com a diferença de aplicar imposto anual e permanente a todos que viverem na Bolívia, incluindo estrangeiros, preservadas as identidades dos milionários. Abrange apenas 152 pessoas com patrimônio superior a US$ 4,3 milhões, destinando a arrecadação na melhorias das condições de todas as famílias da Bolívia, com população de 11,5 milhões.

A lei estabelece porcentagens graduais para o pagamento da alíquota: 1,4% para pessoas com riqueza de US$ 4,3 milhões a US$ 5,7 milhões; 1,9%, até US$ 7,2 milhões; e 2,4% para fortunas maiores.

Campanha no Brasil é reforçada

Personagem de Aroeira surge para fomentar o debate em crianças e adolescentes sobre desigualdade, economia e tributação de fortunas

Foto: Reprodução/Aroeira/Divulgação

Personagem de Aroeira surge para fomentar o debate em crianças e adolescentes sobre desigualdade, economia e tributação de fortunas

Foto: Reprodução/Aroeira/Divulgação

A campanha Tributar os Super-Ricos no Brasil propõe tributar apenas 0,3% dos mais ricos (600 mil pessoas entre 210 milhões), arrecadando cerca de R$ 300 bilhões ao ano.

As oito medidas para alcançar esse montante foram apresentadas ao Congresso Nacional em agosto de 2020, mas não estão em tramitação ainda. “As propostas de reforma tributária (PEC) que estão no Parlamento brasileiro não fazem justiça fiscal e são de complexa tramitação. O que propomos na Campanha são medidas emergenciais, projetos de lei que não necessitam de PEC, exceto uma”, alerta a presidenta do IJF, Maria Regina Paiva Duarte.

A auditora-fiscal aposentada alerta que sem alterar a estrutura tributária que penaliza os mais pobres e isenta os mais ricos não é possível reduzir a desigualdade no Brasil, país com a segunda maior concentração de renda do mundo, perdendo apenas para o Catar, de acordo com relatório da 2019.

JUSTIÇA – O Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar nesta sexta-feira, 25, ação do Psol sobre a regulamentação de um imposto sobre grandes fortunas. O processo será analisado no plenário virtual, formato no qual não há debates e os ministros depositam seus votos no sistema da Corte. A sessão dura uma semana. No pedido, o Psol argumenta que há “flagrante omissão” do Congresso Nacional em não votar uma medida que institua a taxação de grandes fortunas.

“Conforme o disposto no art. 153, inciso VII da Constituição Federal, compete à União Federal instituir um imposto sobre ‘grandes fortunas, nos termos de lei complementar’. Até agora, porém, ou seja, mais de três décadas após a promulgação da vigente Constituição, esse dispositivo constitucional permanece letra morta, por falta de lei complementar votada pelo Congresso Nacional”, diz o partido. “Como é fartamente sabido, o Brasil é um dos países com os maiores índices de desigualdade socioeconômica do mundo, notadamente em matéria tributária”, diz outro trecho da ação.

O Psol pede que o STF declare a inconstitucional omissão do Congresso. Quer que seja determinada a tramitação do projeto de lei com prioridade no Legislativo.

Protestos na Colômbia

Vinte pessoas morreram e mais de 800 ficaram feridas na Colômbia durante protestos no final de abril contra a reforma tributária enviada ao Congresso. Sindicatos, estudantes, indígenas, oposição e outras organizações da sociedade civil tomaram as ruas contra o projeto que, alegam, afeta majoritariamente a classe média.

A forte repercussão resultou na retirada do projeto de tramitação e a violência policial desproporcional motivou a renúncia do ministro da Defesa e manifestação da ONU em defesa dos direitos humanos.

Mais miséria e bilionários

De cada 100 latino-americanos, 77 estão em situação vulnerável, projeta a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). A entidade aponta que a região retrocedeu 15 anos na luta contra a pobreza e estimou que 2,7 milhões de empresas formais fecharam em 2020.

Mesmo com este quadro desumano, a lista de super-ricos no ranking da revista Forbes tem 51 latino-americanos em 2021.

O magnata mexicano das telecomunicações Carlos Slim é a 16ª pessoa mais rica do mundo, com uma fortuna de US$ 62,8 bilhões, e lidera a lista de 51 bilionários na região. Entre as nacionalidades, os brasileiros dominam com um total de 15 pessoas. Desde 2018 o número de latino-americanos com mais de US$ 1 bilhão caiu: anteriormente havia 89 pessoas que faziam parte desse seleto grupo.

“É indispensável tributar as grandes fortunas. Os Estados não têm recursos para enfrentar a gravidade da situação”, registra o porta voz da campanha latino-americana, o sociólogo e especialista em tributação internacional, Jorge Coronado.

FMI e Biden defendem imposto progressivo

O Fundo Monetário Internacional (FMI) orienta que os governos aumentem a progressividade de suas cargas tributárias como uma forma de lidar com o crescimento do endividamento público, resultado das medidas de resposta à pandemia da covid-19, mesma medida anunciada pelo presidente norte-americano, Joe Biden. O estado de Nova York, sede do centro financeiro mundial, tem planos de aumentar temporariamente impostos sobre milionários.

Os impostos sobre patrimônio cresceram em popularidade desde que o economista francês Thomas Piketty descreveu o aumento da desigualdade em seu best-seller de 2014 O Capital no Século XXI e defendeu um imposto anual progressivo sobre o capital para reduzir a lacuna.

Países como Noruega e Suíça provam que impostos sobre patrimônio bem planejados podem aumentar a receita tributária e reduzir a desigualdade sem ameaçar empregos e investimentos, de acordo com Fernando Velayos, consultor de política tributária na Espanha e ex-pesquisador do Banco Interamericano de Desenvolvimento. O que está evidente é que sem investimento público e justiça fiscal, os Estados levarão gerações para se recuperar das crises e do endividamento.

ARGENTINA e BOLÍVIA – Únicos dos países que aprovaram tributação de grandes fortunas em dezembro de 2020. Argentina em parcela única e Bolívia de forma permanente. Ambos têm governos de esquerda – Luis Arce ( Movimento ao Socialismo) e Alberto Fernández (Frente de Todos).

URUGUAI – Têm o Imposto sobre Patrimônio (Ipat) líquido de pessoas físicas e jurídicas, que inclui dinheiro, metais preciosos, veículos, imóveis, mobiliário e créditos para o contribuinte. Para pessoas físicas e famílias residentes no Uruguai, varia de 0,4% a 0,7%. Para pessoas físicas não residentes, vai de 0,7% a 1,5%.

COLÔMBIA – Os ativos líquidos de pessoas físicas e jurídicas são tributados sobre líquido bruto total menos dívidas. Inclui bens no exterior e a versão atual da lei se aplica de 2019 a 2021. Possui uma taxa única de 1% para ativos líquidos acima de US$ 1,5 milhão (aproximadamente). A propriedade isenta é a primeira casa do contribuinte por um valor de até US$ 140,5 mil, aproximadamente. O país enfrentou revolta mês passado com 20 mortos e 800 feridos protestando contra um projeto de aumento de impostos que atinge mais o consumo. Projeto retirado e o ministro caiu.

MÉXICO – Dos 51 latino-americanos mais ricos pelo ranking da Forbes, os dois primeiros são mexicanos. Carlos Slim (telecomunicações) e Germán Larrea Mota Velasco é dono da maior parte da maior mineradora de cobre. Governado pelo presidente de esquerda Andrés López Obrador, em 2019 implementou novas leis contra a sonegação de impostos e se recusado a fornecer estímulo fiscal para sustentar a economia e intensificou ataques retóricos a mexicanos ricos vinculados a administrações passadas – tem aumentado a fuga dos ricos para Miami. O país tem a menor taxa de arrecadação de impostos de todas as 37 nações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

Com informações da Campanha Tributar os Super-Ricos no Brasil

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