OPINIÃO

A boiada está passando na Educação

Por Gabriel Grabowski / Publicado em 6 de abril de 2021

Foto: Carolina Antunes/PR

Foto: Carolina Antunes/PR

Os governos, especialmente o federal, têm demonstrado na área da educação a mesma omissão, incompetência, despreparo e ausência de coordenação política demonstrados na gestão da pandemia.

No MEC, as investidas e sucessivas substituições em funções estratégicas se configuram em irresponsabilidade, desonestidade e risco a oferta de educação enquanto direito e bem público.

A agenda conservadora e o projeto reacionário estão em pauta. A porteira está aberta para a boiada passar e, as consequências futuras impactarão a educação por um longo período. Vejamos alguns fatos:

Corte nos recursos

Em um ano de pandemia, o Ministério da Educação (MEC) reduziu recursos para ajudar o ensino remoto e também preparar as escolas para a volta presencial. Relatório da comissão de deputados que acompanha o trabalho da pasta demonstra que o programa de conectividade do MEC teve menos da metade da verba em 2020 do que tinha em 2019.

E o programa de investimentos em infraestrutura de escolas, que precisavam de ajuda para reformar banheiros, salas ou comprar álcool em gel, perdeu R$ 1,6 bilhão.

“É impressionante a negligência com a pandemia. Em um momento de crise geral, perderemos dois anos de educação para nossos estudantes”, diz o deputado federal Felipe Rigoni (PSB-ES), coordenador da Coalizão Parlamentar de Acompanhamento do MEC.

Nenhuma política ou programa emergencial consistente e robusta de apoio às universidades, escolas, professores e estudantes foi implementada em mais de um ano de pandemia. Ao contrário, a pasta do MEC encerrou o exercício de 2020 com a menor dotação desde 2011, R$ 143,3 bilhões.

A educação básica encerrou 2020 com R$ 42,8 bilhões de dotação, 10,2% menor em comparação ao ano anterior, em plena crise sanitária e calamidade pública. Segundo o Censo Escolar, mais de 4 mil escolas não têm banheiro no país e 17 mil não possuem internet banda larga.

Mesmo assim, com a pandemia em curso, houve redução de 60% nas verbas para infraestrutura nas escolas. Bolsonaro ainda vetou este mês o Projeto de Lei nº 3.477/20, que previa o acesso à internet, com fins educacionais, a alunos e professores da rede pública de educação.

Autoritarismo

Uma “escalada autoritária”, através de intervenções sistemáticas, incidem na educação básica e apresenta particularidades na educação superior, segundo denuncia  o sindicado Andes.

Desde a regulamentação das escolas cívico-militares, em 2019, e a tentativa de consolidá-las nos estados, municípios e no Distrito Federal, o MEC autorizou a presença de militares em 53 escolas, em 21 estados, mediante “Prestação de Tarefa por Tempo Certo”.

Militares inativos passam a exercer funções “didático-pedagógicas”, com atividades de supervisão escolar; “educacional”, para “fortalecer valores humanos, éticos e morais”; além de função “administrativa”, para assessorar a organização da escola. Muitos governos estaduais e municipais se somam a este esforço. Cumplicidade e adesão oportunistas.

Educação superior

No ensino superior, reitores eleitos não receberam a nomeação pelo presidente da República e são substituídos por servidores que não venceram ou não participaram do pleito. O Andes contabilizou 24 instituições federais entre 2019 e 2021, com contagem até fevereiro deste ano.

As universidades públicas e institutos federais gaúchos vieram a público registrar seu repúdio às frequentes investidas de grupos obscurantistas, particularmente às universidades públicas.

No dia 26 de março de 2021, a Universidade Federal do Pampa (Unipampa) “foi brutalmente atacada por um desses grupos, que se valeu de um símbolo nacional, de forma dissimulada, como escudo para sua ação covarde. São grupos articulados que negam a educação e a ciência, com o simples propósito de destruir a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”.

No Inep, órgão técnico estratégico para a educação brasileira, a equipe técnica e os pesquisadores são desprestigiados com a nomeação de um coronel da aeronáutica para a diretoria de avaliação da educação básica. Trata da quinta nomeação, só neste governo, para um cargo decisivo e de perfil estritamente técnico.

Olavistas

O coronel não demonstra qualquer competência para gerenciar o maior e mais importante exame do nosso sistema educacional. Por outro lado, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) está sendo transferido do Inep para Secretaria Executiva do MEC onde os olavistas se encarregarão de controlar o desempenho das aprendizagens dos estudantes brasileiros.

Além disso, houve alta de 600% no total de militares no ministério desde 2019.

Outra meta traçada pelo governo Bolsonaro na educação é aprovar o ensino domiciliar ainda neste primeiro semestre de 2021. Boa parte de quem faz homeschooling no Brasil é de famílias religiosas. Deputados que apoiam a proposta na Assembleia Legislativa do RS estão forçando a aprovação do mesmo projeto, o mais breve possível, para o território gaúcho.

Porém, como nem todos vão poder e querer estudar em casa, o MEC passou a dedicar-se três novas frentes para mudar o que é ensinado no Brasil: avaliações, materiais didáticos e Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Ataque ao Fundeb

As investidas contra o Fundeb, enquanto maior fundo público para manutenção e desenvolvimento do ensino, persistem e se intensificam. A mais recente foi o MEC ter deixado o “Sistema fora do ar” e impedindo o cadastro de Conselhos de Acompanhamento e Controle Social (CACS). A consequência será que o Tesouro Nacional irá considerar estes entes como inadimplentes e os impedirá de receber os recursos do fundo.

Sequer a capacitação dos conselhos, prevista na lei, de responsabilidade do FNDE/MEC, foi providenciada.
Negligência, omissão e redução de recursos na educação em plena pandemia, programas inoportunos para o momento de agravamento da crise sanitária e escolas fechadas, estão sendo aceleradas sem escuta e participação das comunidades escolares.

Decisões de gabinete

É o caso da BNCC para educação básica – e seus respectivos Referenciais Curriculares estaduais – bem como a reforma do “novo” ensino médio. Referenciais curriculares novos, matrizes curriculares e alterações substanciais na estrutura curricular estão sendo definidas em gabinetes e enviadas por e-mail para escolas.

Sequer um programa de formação de professores, condição sine qua non, para toda e qualquer reforma. docente foi realizada. Escolas estão fechadas, sem novos investimentos, sem escuta aos jovens estudantes, sem discussão com a sociedade local e regional, reformas avançam a revelia do contexto atual.

Enquanto direções de escolas e professores lutam para se salvar e salvar vidas, confortar colegas e estudantes quer perderam entes e amigos, o reformismo e gerencialismo de desempenho implementa reformas educacionais sem a participação efetiva de professores, especialistas em educação e universidades.

Tais reformas irão promover a desorganização curricular atual sem conseguir efetivar as novas, simplesmente porque as condições não foram providenciadas e viabilizadas nas escolas. A escola pública e os estudantes pobres serão, mais uma vez, cobaias e vítimas de reformas fracassadas na educação básica, com o mesmo teor e propósito, como ocorreu com a Lei nº 5.692/1971, durante a ditadura militar.

Liberdade

A atual LDB (Lei nº 9.394/1996) garante autonomia e gestão democrática nas escolas concernente ao projeto político pedagógico, questões didáticas, metodológicas e curriculares. As escolas e os professores precisam de liberdade para pesquisar, ensinar e construir com os educandos o livre pensar, o saber e as ciências. Somente a liberdade educa e a educação liberta. Sem educação, não há liberdade.

Em plena pandemia, enquanto uns se empenham em manter um ensino remoto sem as condições necessárias devido omissão e negligência dos governantes, enquanto profissionais saúde se dedicam-se até o limite para salvar vidas, de forma astuciosa, o MEC e algumas Secretarias de Educação estão passando a “boiada” na educação.

Gabriel Grabowski é professor e pesquisador. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.

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