OPINIÃO

Essa mulher é perseguida por ser pobre

Por Moisés Mendes / Publicado em 14 de outubro de 2021

 

Rosangela Sibele de Almeida Melo

Foto: Reprodução/YouTube

Foto: Reprodução/YouTube

A mulher da foto foi mostrada ao Brasil esta semana como a síntese de uma figura perigosa e nociva à sociedade. Foi a Justiça de segunda instância, a Justiça dos tribunais, que assim a definiu.

Durante quase um mês, a mulher mobilizou a polícia, o Ministério Público, a Defensoria Pública e o alto Judiciário de São Paulo, para que a Justiça fosse feita sem demora.

Poucos dias depois da revelação das contas secretas de autoridades e empresários em paraísos fiscais, Rosangela Sibele de Almeida Melo era exposta como a cara do Brasil que não deu certo e que deveria ser evitado.

No dia 29 de setembro, a mulher de 41 anos, mãe de cinco filhos, furtou uma garrafa de 600 ml de Coca-Cola, dois pacotes de Miojo e um suco em pó Tang em um minimercado. Somados, mesmo com inflação, custariam ao redor de R$ 22.

O sistema de Justiça foi acionado, desde o flagrante, para que a punição fosse exemplar. Foram duas mulheres – uma promotora e uma juíza de primeira instância – que determinaram que ela ficasse presa.

Nos despachos, alguém aconselhou que os filhos fossem cuidados por uma avó. Um desembargador do Tribunal de Justiça referendou: se a mulher morava na rua, ela não faria falta em casa.

Rosangela não poderia mais voltar ao convívio da sociedade, até o julgamento do seu caso, por ser um ameaça às pessoas honestas. A mulher era reincidente. Tinha fome reincidente e tinha – imaginem a petulância – o desejo de beber Coca-Cola.

Rosangela Sibele fez o que todos os miseráveis brasileiros teriam o direito de fazer: roubar para matar a fome. Roubar para jogar na cara de um país doente que alguns só conseguem sobreviver roubando o que estiver por perto.

São os miseráveis ladrões de pouca coisa que acabam denunciando os ladrões de coisas graúdas. E esses, os fortões, não são caçados pelas instituições.

Uma mulher miserável rouba para mostrar que, em menos de um mês, a Justiça delibera sobre o seu caso, mas engaveta casos de sonegadores bilionários, de altos varejos, beneficiados por anistias e por prescrições variadas.

O inquérito de Rosangela foi parar no Tribunal de Justiça do Estado num ritmo alucinante. Do Tribunal de Justiça paulista, foi para o Superior Tribunal de Justiça, em Brasília.

Só não foi parar no Supremo, porque o Supremo está atarefado com Bolsonaro e com os filhos de Bolsonaro.

A mulher que furtou o Miojo deveria cozinhar a massa e oferecer um banquete a todos os grandes ladrões brasileiros, quase todos impunes, raros julgados e condenados.

Deveria chamar a elite brasileira para um banquete de Miojo, principalmente a elite moralista e bolsonarista, essa que despreza o genocídio da pandemia, o negacionismo e a destruição da economia.

No banquete, ela deveria dizer que só teve ao seu lado a Defensoria Pública. Uma mulher promotora e uma mulher juíza a empurraram para a cadeia, por medida cautelar, para que ela ficasse afastada da vida normal.

O Judiciário brasileiro, contaminado pelo lavajatismo, é cada vez mais seletivo e sem medo dos estragos provocados pela própria soberba e alienação.

A Justiça não poderia condenar uma mulher que furta Miojo, argumentar com pretextos moralistas do século 19 e ainda exaltar a argumentação como um caso exemplar de reparação.

Não poderia ter feito o que fez, não só pelo absurdo da deliberação tomada (em colegiado, na alta Justiça paulista), mas pela incapacidade de perceber que caminhava para a execração pública.

Essa mulher roubou essas migalhas em nome dos mais de 20 milhões de desempregados e dos mais de 15 milhões que vivem em extrema pobreza. Só foi solta por interferência do STJ.

Na primeira entrevista que deu, ao sair finalmente da cadeia, onde ficou por 18 dias, ela disse a uma emissora de TV:

“Meu grande sonho é ser gente. Eu ainda não sei o que é isso, não sei o que é ser mãe, filha, irmã”.

Se depender do Judiciário, ela será apenas uma grave ameaça à sociedade.

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