POLÍTICA

Senado derruba veto presidencial e prorroga desoneração da folha de pagamento até 2021

A pretexto de preservar empregos, decisão altera contribuição das empresas de 17 setores para a Previdência Social, de 20% sobre os salários para até 4,5% sobre o faturamento bruto
Por Gilson Camargo* / Publicado em 5 de novembro de 2020
Por 64 votos a dois, senadores derrubaram veto à desoneração da folha de pagamento, cedendo ao lobby das indústrias que prometem não demitir em troca da redução na contribuição previdenciária

Foto: Jefferson Rudy/ Agência Senado

Por 64 votos a dois, senadores derrubaram veto à desoneração da folha de pagamento, cedendo ao lobby das indústrias que prometem não demitir em troca da redução na contribuição previdenciária

Foto: Jefferson Rudy/ Agência Senado

Com acordo dos líderes partidários, o Senado confirmou a decisão dos deputados e, por 64 votos a 2, derrubou o veto presidencial 26/2020 que impedia a prorrogação da desoneração da folha de pagamento de empresas de 17 setores da economia até 2021. Com isso, os senadores cederam à pressão de federações de indústrias de diversos estados, a exemplo dos setores calçadista e farmacêutico, a pretexto de preservar empregos. Na prática, a desoneração da folha de pagamento adotada desde 2012 representa renúncia de arrecadação pela União e redução nos recursos da Previdência Social.

A prorrogação foi incluída no texto da legislação pelo Congresso Nacional em maio, durante apreciação da Medida Provisória 936/2020, que criou o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. A MP deu origem à Lei 14.020, de 2020, que permite a redução da jornada de trabalho e do salário durante a pandemia de coronavírus.

A lei atual garante a desoneração somente até o final deste ano. Com a decisão do Congresso, a renúncia fiscal será prorrogada até o fim de 2021. O benefício é para empresas com mais de 6 milhões de trabalhadores dos setores calçadista, têxtil, de tecnologia da informação, construção civil e companhias do transporte rodoviário coletivo de passageiros, entre outros.

A desoneração permite que empresas desses setores possam contribuir para a Previdência Social com um percentual que varia de 1% a 4,5% sobre o faturamento bruto, em vez de 20% de contribuição sobre a folha de pagamento.

Desonerações: Previdência perdeu R$ 77,6 bi em quatro anos

A política de redução de contribuições previdenciárias foi adotada em 2012 no governo Dilma Rousseff (PT) para aumentar a competitividade e a geração de empregos em um período no qual o dólar estava cotado em R$ 1,56, o que reduzia a capacidade de exportação das empresas. O próprio governo federal já reconheceu o fracasso da desoneração, que representa uma renúncia de arrecadação pela União da ordem de R$ 115 bilhões desde 2012.

De acordo com o Ministério da Previdência Social, a política de desoneração da folha de pagamento tem grande repercussão negativa e os prejuízos são cumulativos para o Regime Geral de Previdência Social (RGPS).

Segundo um estudo apresentado pelos técnicos da Previdência, Eduardo Pereira e Edvaldo Barbosa, sobre as projeções decorrentes da aplicação dessa política até o ano de 2015, a redução de 1 ponto percentual na alíquota patronal implica em uma queda de cerca de 0,14% do PIB na receita do RGPS.

Os efeitos acumulados ao longo de apenas quatro anos são expressivos e resultam em um aumento da necessidade de financiamento da Previdência Social de R$ 28,8 bilhões no período 2012 a 2015.

De acordo com a projeção, em 2015 a contribuição patronal seria de 16% (ao invés dos 20% atuais) e a redução na receita do RGPS de cerca de R$ 34,3 bilhões ao ano, ou seja, 0,60% do PIB estimado para aquele ano. Nessa simulação, a perda acumulada de receita do RGPS em apenas quatro anos seria de R$ 77,6 bilhões.

“Como o principal efeito da desoneração será sobre as médias e grandes empresas – uma vez que as micro e pequenas empresas já têm desoneração total da contribuição previdenciária patronal sobre a folha de salários – e o índice de informalidade nas médias e grandes empresas é relativamente pequeno, o efeito da desoneração sobre a formalização deverá ser pequeno”, destaca o relatório divulgado pela própria Secretaria da Previdência.

Setores beneficiados respondem por 6 milhões de empregos

Na avaliação da maioria dos senadores, a redução da contribuição previdenciária representa uma garantia de que as empresas beneficiadas não irão demitir em virtude da pandemia e até podem criar mais empregos. Nenhum parlamentar avaliou o impacto que a desoneração representa para a Previdência Social, com a flagrante queda na arrecadação, nem abordou o lobby exercido pelas federações de indústrias de Minas Gerais e São Paulo, especialmente dos setores calçadista e farmacêutico.

“Eu acho que isso é de suma importância para o Brasil de hoje, o Brasil pós-pandemia 2021, quando essas empresas, que são 17 empresas, responsáveis por seis milhões de empregos no país, possam manter esses empregos, quem sabe até fazer a ampliação das suas bases industriais com novos investimentos”, disse o senador Otto Alencar (PSD-BA).

Na mesma linha, o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) defendeu a escolha dos segmentos beneficiados. “Esses 17 setores não foram achados do acaso, são setores com alta empregabilidade, cuja desoneração é fundamental para a sua própria sobrevivência num momento de pandemia”, declarou.

O senador Alvaro Dias (Podemos-PR) ressaltou que, apesar de criticar a política de desonerações por avaliar que compromete o ajuste fiscal, entende que o atual cenário pede outro posicionamento. “Nós vivemos um outro momento e o fundamental agora, neste estado de calamidade pública, é preservar as empresas para garantir o emprego e o salário dos trabalhadores”, disse.

Izalci Lucas (PDSB-DF) lembrou que essas empresas também precisam de planejamento. “Nós já estamos em novembro. Em qualquer orçamento que se dê em uma obra, em uma grande obra, tem que se saber qual é o impacto do custo, e essa derrubada de veto é muito importante, com certeza, principalmente para a construção civil e para todos aqueles que geram muitos empregos”, destacou.

O líder da Rede, senador Randolfe Rodrigues (AP) afirmou que a desoneração é uma luta da oposição e que o “governo demorou”, já que o ministro da Economia, Paulo Guedes, resistiu à prorrogação do prazo. Para a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), a decisão é um incentivo às empresas. “A derrubada desse veto significa, na verdade, o incremento de milhares de empresas em todo o país. Portanto, um investimento e um incentivo muito grande nesse momento que nós estamos vivenciando. O aumento da carga tributária é algo que nós precisamos não admitir porque traz mais problemas ainda em relação à geração de emprego e renda”, disse a senadora.

*Com Agência Senado.

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