POLÍTICA

Declarações de Bolsonaro atrapalharam cronograma da vacina do Butantan, afirma Dimas Covas à CPI

Instituto tinha capacidade para entregar até 60 milhões de doses da Coronavac em dezembro e 100 milhões até agora, mas governo sabotou e retardou contratos
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 27 de maio de 2021
Descaso: Dimas Covas disse que o Butantan pode entregar até 40 milhões de doses da ButanVac no último trimestre deste ano. Vacina foi apresentada a Queiroga, mas ministério ainda não manifestou interesse

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Descaso: Dimas Covas disse que o Butantan pode entregar até 40 milhões de doses da ButanVac no último trimestre deste ano. Vacina foi apresentada a Queiroga, mas ministério ainda não manifestou interesse

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

“Sinto-me decepcionado”. Com essa frase, o diretor presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, resumiu sua resposta a uma indagação feita nesta quinta-feira, 27, pelo relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, Renan Calheiros (MDB-AL). O relator queria a opinião objetiva sobre o tratamento dispensado à instituição centenária durante as tratativas para a produção de vacinas contra a pandemia.

Concretamente, durante o depoimento de Covas, os senadores foram informados que, ao contrário do que dizem as redes sociais bolsonaristas, até a compra da Coronavac, produzida pelo Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac, nenhum recurso federal foi repassado ao instituto.

Segundo o executivo, dois pedidos de fomento feitos não prosperaram junto ao governo federal. Um se referia à ideia da construção de uma fábrica capaz de produzir 100 milhões de doses de vacinas por ano e o outro a estudos clínicos do fármaco que estava sendo pesquisado e que hoje é o pilar de sustentação do Plano Nacional de Imunização (PNI) do ministério da Saúde. 

Campanha contrária de Bolsonaro impactou na produção

Pronunciamento do senador Humberto Costa (PT-PE) durante exibição de vídeo em que Bolsonaro ataca a China e a Coronavac

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Pronunciamento do senador Humberto Costa (PT-PE) durante exibição de vídeo em que Bolsonaro ataca a China e a Coronavac

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Defrontado por vídeos apresentados pelo relator, Covas afirmou que a posição ideológica do governo federal influenciou e continua influenciando muito nos processos de produção da vacina do Butantan. “Impactou no cronograma”, disse.

O impacto, afirmou, ocorreu na fase inicial, nos testes, tanto quanto agora, na liberação de insumos da China, maior exportadora mundial desses componentes.

Os vídeos apresentados por Calheiros mostram o presidente Jair Bolsonaro, que questionava a qualidade da “vacina chinesa” e a afirmação do então secretário executivo do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, Élcio Franco, que disse que “não há previsão de compra de vacina chinesa e ninguém será obrigado a tomar uma vacina ou outra”.

Segundo Covas, o posicionamento de Bolsonaro e seus apoiadores chegou a impactar na fase inicial das pesquisas. Na época, registrou, “tivemos dificuldades de entrada de voluntários”.

Covas foi outro que contradisse o ex-ministro Pazuello. Ao lembrar que a vacina da Astrazeneca que está sendo produzida pela Fiocruz foi contratada em agosto de 2020, ele registrou que o acordo com o Butantan só acabou sendo firmado, nas mesmas condições, em janeiro passado, seis meses após. Até a assinatura, o Butantan fez três propostas, sendo que a primeira foi apresentada em julho do ano passado.

Até as declarações do presidente, pondera Covas, as conversas com o ministério se davam no ambiente técnico. “Depois das declarações, não houve progresso nas negociações”. Covas registrou que as tratativas ficaram paralisadas por três meses.

Brasil poderia ter sido o primeiro a vacinar

Senadores Jorginho Mello (PL-SC), Marcos Rogério (DEM-RO) e Carlos Heinze (PP-RS): a baixa voltagem da tropa de choque de Bolsonaro na CPI provocou risos com argumentos falsos sobre a vacina chinesa

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Senadores Jorginho Mello (PL-SC), Marcos Rogério (DEM-RO) e Carlos Heinze (PP-RS): a baixa voltagem da tropa de choque de Bolsonaro na CPI provocou risos com argumentos falsos sobre a vacina chinesa

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Para o presidente do Butantan, se todos os agentes públicos tivessem colaborado, o Brasil poderia ter sido o primeiro país do mundo a começar a vacinação.

Para embasar essa informação, ele disse que o instituto tinha quase 10 milhões de doses prontas e que poderiam ter sido entregues até 10 de dezembro do ano passado.

Segundo ele, depois dessa data, ainda em dezembro, o Butantan poderia ter entregue 60 milhões de doses. Até maio de 2021, a estimativa era de entregar 100 milhões de doses para o governo federal, mas a demora na assinatura do contrato acabou empurrando o prazo para setembro, enumerou o diretor do Butantan. “O mundo começou a aplicar os imunizantes em oito de dezembro”, lembrou.

Contradizendo também o ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, Covas revelou que participou de uma reunião com o embaixador da China no Brasil ao lado do atual chanceler, Carlos França, e o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. O embaixador, relata, teria deixado claro que falas de autoridades brasileira, como o presidente e seus filhos, poderiam afetar a relação e a entrega de insumos.

Covas entende que a troca do chanceler possibilitou uma melhora do diálogo com o governo federal e representou uma “evolução na postura”. “Foi a primeira vez que eu, assim como a presidente da Fiocruz, fui chamados para uma reunião”, completou.

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