POLÍTICA

Empresa de logística do Ministério da Saúde fez transações milionárias

Motoboy confirma à CPI da Pandemia que fez saques e pagou boletos em nome da VTCLog, selecionada pelo governo para cuidar da armazenagem e distribuição de medicamentos
Da Redação / Publicado em 1 de setembro de 2021

Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Acompanhado do advogado Alan Ornelas, o motoboy Ivanildo Gonçalves da Silva confirmou saques milionários e pagamento de boletos em nome da VTCLog, mas não deu detalhes sobre os destinatários

Foto: Roque de Sá/Agência Senado

As transações milionárias com dinheiro vivo da VTCLog, empresa que presta serviços de logística na distribuição de medicamentos e vacinas para o Ministério da Saúde, foram o tema central do depoimento desta quarta-feira, 1º, na CPI da Pandemia. O depoente foi Ivanildo Gonçalves da Silva, motoboy da empresa, que confirmou saques e pagamentos de boletos em nome da VTCLog.

A empresa é suspeita de participar do esquema de corrupção envolvendo vacinas e o ministério. Um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) apontou que a VTCLog movimentou de forma suspeita R$ 117 milhões nos últimos dois anos. O nome de Ivanildo Gonçalves da Silva é citado várias vezes no documento. Ele teria sacado, em diversos momentos, o montante de R$ 4,7 milhões, sendo a maioria de saques em espécie e na boca do caixa.

Acompanhado do advogado Alan Diniz de Ornelas, pago pela empresa, Ivanildo se negou a entregar seu celular à CPI e não deu nomes nem detalhou suas ações. O motoboy também confirmou idas ao Ministério da Saúde, onde teria entregue um pen drive, além de “faturas”.

O depoimento de Ivanildo substituiu o de Marcos Tolentino, acusado de ser sócio oculto da FIB Bank, fiadora da Precisa Medicamentos na fracassada compra da vacina indiana Covaxin. Tolentino alegou para não depor internação no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, devido a um “mal-estar”.

A justificativa de Tolentino para não comparecer foi considerada suspeita pelos membros da CPI. O relator da comissão, senador Renan Calheiros (MDB-AL), assegurou que o relatório final, previsto para este mês, não será divulgado enquanto Tolentino não comparecer.

“Quero pedir que a CPI entre em contato com a direção do hospital e tenha as informações corretas. Coincidentemente, no dia que é marcado, a pessoa teve um mal-estar. Possível, sim, que seja verdade, mas possível também que a gente desconfie desse comportamento”, anunciou o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM).

Saques

Em seu depoimento, Ivanildo admitiu ter feito inúmeros saques e pagamentos de boletos em espécie na boca do caixa, geralmente na agência da Caixa Econômica Federal do aeroporto de Brasília, chegando numa ocasião a sacar “um valor de 400 e poucos mil”. Ele negou ter conhecimento da origem e dos destinatários desses valores, que, suspeita-se, estariam relacionados a desvio de recursos em contratos do Ministério da Saúde. A CPI levantou saques que totalizam mais de R$ 4,7 milhões nos últimos dois anos.

Ivanildo disse ainda que ia “constantemente” ao Ministério da Saúde e que levou, numa ocasião, um pen drive (dispositivo de armazenamento de dados) ao quarto andar do ministério – onde funcionaria o Departamento de Logística. Até junho, esse departamento era dirigido por Roberto Ferreira Dias, acusado de negociar propina na compra de vacinas. Ivanildo negou conhecer Dias.

Mudança da pauta

O depoimento do motoboy estava inicialmente marcado para a véspera, mas um habeas corpus do Supremo Tribunal Federal levara ao cancelamento da inquirição. Diante da ausência de Marcos Tolentino, porém, anunciou-se no início da manhã a mudança da pauta, com a remarcação do comparecimento de Ivanildo.

O início do depoimento foi marcado por um atrito entre o advogado de Ivanildo, Alan Diniz de Ornelas, e os membros da CPI. Ornelas interveio quando o relator pediu a seu cliente que emprestasse o celular, para que a comissão copiasse mensagens relevantes para a investigação. Depois de uma discussão sobre os limites da assistência do advogado, Ivanildo, que de início parecia disposto a ceder o celular, acabou recusando o pedido. Diante da recusa, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI, determinou que a comissão tomasse providências para a quebra do sigilo do telefone.

Houve novo bate-boca na segunda parte da reunião, quando Ornelas interveio para impedir perguntas referentes ao período pré-pandemia, o que, segundo ele, estava vedado pela decisão do STF.

Nas perguntas iniciais do relator, Ivanildo explicou que faz saques, depósitos e pagamentos de boletos a pedido de Zenaide de Sá Reis, funcionária da VTCLog. Causou espanto aos membros da CPI o transporte de valores elevados sem medidas de segurança especiais. Essas idas a bancos, segundo ele, diminuíram nos últimos meses, o que Omar Aziz atribuiu ao trabalho da CPI.

A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) acusou Ivanildo de omitir informações relevantes, depois que o depoente disse não conhecer Roberto Dias: “o senhor está escondendo coisa aqui na CPI, orientado pelo seu advogado”, suspeitou.

O motoboy defendeu, porém, a veracidade de suas declarações. “A minha vida já não é mais a mesma. Jornalistas, muitas pessoas na minha cola. Pensei que [comparecer] podia ser o final disso, porque não está fácil. Mas eu estou aqui com a consciência limpa. Muitos estão dizendo que eu estou mentindo”, disse, explicando a Randolfe Rodrigues por que decidira depor, mesmo depois do habeas corpus do STF.

Novos investigados

O relator, Renan Calheiros, informou que adicionou novas pessoas à lista de investigados pela CPI:

  • Cristiano Carvalho, que se apresenta como representante de vendas no Brasil da empresa americana Davati;
  • Emanuella Medrades, diretora da Precisa Medicamentos;
  • Tenente-coronel Hélcio Bruno de Almeida, que teria intermediado encontro entre o secretário-executivo do Ministério da Saúde, coronel Elcio Franco, e negociantes de vacinas;
  • Luciano Hang, empresário e acusado de pertencer ao chamado “gabinete paralelo” que aconselha o presidente Jair Bolsonaro sobre a pandemia;
  • Luiz Paulo Dominghetti Pereira, cabo da Polícia Militar que negociou a venda de 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca dizendo representar a empresa americana Davati;
  • Coronel Marcelo Bento Pires, ex-assessor do Ministério da Saúde acusado de processar pela compra da vacina indiana Covaxin;
  • Regina Célia Silva Oliveira, servidora do Ministério da Saúde citada como responsável por fiscalizar a importação da Covaxin;
  • Onyx Lorenzoni, atual ministro da Cidadania;
  • Osmar Terra, deputado federal (MDB-RS), também acusado de integrar o “gabinete paralelo”.

7 de Setembro

As manifestações pró-governo previstas para o feriado de 7 de setembro foram tema de debate no início da reunião. Humberto Costa (PT-PE) informou à CPI que o prefeito de Cerro Grande do Sul (RS), Gilmar João Alba (PSL), foi flagrado com R$ 505 mil em espécie no aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Suspeita-se que o dinheiro seria usado para financiar atos antidemocráticos. Omar Aziz anunciou que a CPI daria conhecimento do fato ao ministro do STF Alexandre de Moraes.

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