SAÚDE

30 milhões de brasileiros podem ficar sem medicamentos

Governo federal suspende contratos com laboratórios responsáveis pela fabricação de 18 medicamentos que combatem ou atenuam os efeitos de transplantes, diabetes, imunização tetraviral, Parkinson e câncer
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 17 de julho de 2019
Os medicamentos são distribuídos gratuitamente pelo SUS à população

Foto: Mateus Pereira/GOVBA

Os medicamentos são distribuídos gratuitamente pelo SUS à população

Foto: Mateus Pereira/GOVBA

O ministério da Saúde suspendeu, no final de junho, relações contratuais importantes com laboratórios públicos e privados responsáveis pela fabricação de 18 medicamentos e uma vacina destinados a distribuição gratuita à população. A medida recai especialmente sobre medicações que combatem ou atenuam os efeitos de insuficiências renais, diabetes, imunização tetraviral, Parkinson e até câncer. Também, sobre os preventivos (vacinas) contra rubéola, caxumba, sarampo e catapora.  Para Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Oficiais do Brasil (Alfob),  que congrega laboratórios públicos do Brasil, há risco de 30 milhões de pacientes serem vitimados pela iniciativa. O governo justifica a medida com recomendações do Tribunal de Contas da União e outros órgãos fiscalizadores e declara que está em processo de licitação para comprar os medicamentos.

A Alfob manifestou, nesta terça-feira, 16, em nota pública, que a suspensão unilateral dos contratos “não apenas coloca em risco o abastecimento de medicamentos estratégicos para pelo menos 30 milhões de pacientes, mas também configura um ataque sem precedentes contra a soberania nacional na área da produção pública de medicamentos”. A Associação ainda informou que deve recorrer na Justiça contra a suspensão dos contratos.

Outra reação no horizonte da decisão do ministério da Saúde é que estados mantenedores de laboratórios e institutos de pesquisa que compõem a Rede Brasileira de Produção Pública de Medicamentos (RBPPM) já avaliam o ressarcimento do governo federal por seus investimentos jogados por terra por causa da decisão.

Para o presidente da Alfob, Ronaldo Dias, os laboratórios públicos brasileiros nunca foram pegos até agora “de surpresa dessa forma unilateral”. Ainda segundo Dias, que também preside a Fundação Baiana de Pesquisa Científica e Desenvolvimento Tecnológico, Fornecimento e Distribuição de Medicamentos (BahiaFarma), a suspensão dos contratos é o desmonte de milhões de reais de investimentos que foram feitos pelos laboratórios ao longo dos anos, além de gerar insegurança jurídica. “A insegurança que isso traz é o maior golpe da história dos laboratórios públicos”, afirma ao registrar que “os ofícios dizem que temos direito de resposta, mas que a parceria acabou”.

De fato, o documento assinado por Denizar Vianna Araujo, secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, no dia 26 de junho passado, não deixa dúvidas. Além de romper a relação com sete laboratórios públicos nacionais para a produção dos 19 medicamentos distribuídos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), deve paralisar contratos com oito laboratórios internacionais detentores de tecnologia de ponta e com laboratórios particulares nacionais.

Para esta quarta-feira 17, está prevista uma reunião entre parte dos laboratórios e o ministério da Saúde, que alega que as parcerias continuam vigentes e que somente foi enviado aos laboratórios um ofício que solicita “manifestação formal sobre a situação de cada parceria”. Para a pasta, o chamado “ato de suspensão” se dará em um período transitório, enquanto ocorre “coleta de informações”.

Desabastecimento e desemprego

Para o presidente da Alfob, o que considera uma “canetada pura e simples”, além de poder gerar sérios desabastecimentos, agravando a situação, por exemplo, de transplantados, e penalizar a população, o segundo impacto está na cadeia econômica. “Quantas pessoas vão ser demitidas?”, questiona.

Mas, a preocupação imediata é o agravamento do desabastecimento já apontado em reportagem do Extra Classe em 4 de junho passado, A insegurança diária dos transplantados no Rio Grande do Sul, e no último dia 5 de julho, Medicamentos para transplantados continuam em falta no estado  Para Dias, não existe tempo hábil para o ministério iniciar o processo de “uma compra pública hoje e fornecer em setembro”.

O presidente da Alfob ainda entende que haverá impactos nos preços fora das parcerias. “Você tira a garantia de abastecimento a um preço que o SUS possa pagar”, analisa. “O impacto disso é prioritariamente o paciente”.

Confira a íntegra da nota pública da Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Oficiais do Brasil (Alfob)

A suspensão unilateral, por parte do Ministério da Saúde, de 19 contratos de Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs) celebrados por laboratórios públicos brasileiros não apenas coloca em risco o abastecimento de medicamentos estratégicos para pelo menos 30 milhões de pacientes, a valores, em média, 30% menores que os cobrados no mercado, mas também configura um ataque sem precedentes contra a soberania nacional na área da produção pública de medicamentos e produtos para a saúde e contra o próprio Sistema Único de Saúde (SUS).

A política de fomento aos laboratórios públicos e ao desenvolvimento de PDPs, que preveem a incorporação, por parte dos laboratórios farmacêuticos oficiais brasileiros, da tecnologia empregada para fabricação de medicamentos, vacinas e outros produtos para a saúde, foi desenvolvida como forma de prover sustentabilidade de longo prazo ao SUS. Ao adquirir tecnologia e ser capaz de produzir, por conta própria, insumos estratégicos para abastecer o mercado nacional de saúde, a rede de laboratórios públicos deixa o SUS menos exposto a eventuais problemas de fornecimento e a variações inesperadas de preços de medicamentos no mercado internacional – bem como à manipulação de valores por parte dos laboratórios privados.

Celebrado internacionalmente, o SUS é considerado o maior e mais complexo sistema de saúde pública do mundo. Parte importante de seu sucesso está calcado na previsibilidade média de alocação de recursos públicos – um dos pilares da importância dos laboratórios oficiais para a saúde pública brasileira. Ao atacar as PDPs consolidadas pelos laboratórios públicos, o Ministério da Saúde causa insegurança jurídica, põe em risco centenas de milhões de reais investidos em plantas industriais, pesquisa e equipamentos e, em última análise, prejudica a assistência farmacêutica a milhões de pacientes que dependem de medicamentos de uso contínuo fornecidos pelo SUS para sobreviver.

Como órgão representante dos laboratórios públicos, a Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Oficiais do Brasil (Alfob) critica veementemente o ato unilateral promovido pelo Ministério da Saúde – que não foi formalmente notificado aos laboratórios públicos e que está desalinhado, inclusive, com os esforços de outros ministérios do mesmo governo, como o de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações e o da Economia, que têm promovido esforços no sentido de aquisição de tecnologia por parte da indústria nacional.

A Alfob salienta que:

1. As PDPs, nos últimos oito anos, resultaram em mais de R$ 20 bilhões em economia para o Tesouro Nacional. Elas constituem fator de Soberania Nacional, ao reduzir a dependência tecnológica e vulnerabilidade do Brasil perante a indústria farmacêutica internacional. Defender as PDPs é defender o Direito Constitucional à Saúde, por meio do acesso a vacinas e medicamentos de última geração para o tratamento de câncer, hepatite, diabetes, artrite reumatoide, e outros produtos relevantes para a saúde dos brasileiros e brasileiras;

2. A Portaria 2531, de 12 de novembro de 2014, determina, de forma inequívoca, que a suspensão das PDP’s pelo Ministério da Saúde será submetida a posterior análise das Comissões Técnicas de Avaliação e decisão do Comitê Deliberativo (Art. 64);

3. Em seus artigos 18 e 19, a Portaria estabelece que o Comitê Deliberativo será interministerial e que poderá contar com a participação de outros órgãos públicos e privados e especialistas para tomadas de decisão que afetam a toda a cadeia produtiva do Complexo Industrial da Saúde;

4. A interrupção das PDP’s e a realização de “compras por pregão” no mercado privado constitui flagrante irregularidade perante o estatuto legal – e contraria, inclusive, decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que assegurou a legalidade e inviolabilidade das Comissões e Comitês Públicos;

5. A Portaria 2531, em seu Artigo 10, esclarece que, em sua Fase II, ocorre “início da fase de implementação da proposta de projeto de PDP aprovada”. Em termos concretos e exatos, a Fase II requer investimentos vultosos e irreversíveis, gerando a quebra de contratos prejuízos financeiros e obstáculos para a realização de novos investimentos em unidades de produção.

Diante do exposto, a Alfob decidiu contestar juridicamente a iniciativa do Ministério da Saúde pelo seu caráter impróprio, atemporal e unilateral, contrariando frontalmente o disposto em legislação federal. Estados afetados pela decisão também já começaram promover ações jurídicas buscando reparação junto ao governo federal quanto aos investimentos em estrutura, pessoal e pesquisa realizados em torno das PDPs firmadas.

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