ECONOMIA

Ferro, tragédias e negócios da China

Exportações de minério de ferro para a China só cresceram após o rompimento da barragem de Mariana; o colapso de Brumadinho elevou preços. Enquanto isso, a Vale segue explorando reservas, como Carajás
Naira Hofmeister / Publicado em 15 de abril de 2019

Foto: Vale/Divulgação

Foto: Vale/Divulgação

Exportações do minério para a China só cresceram após o rompimento da barragem de Mariana, em 2015. Colapso de Brumadinho elevou preços da commodity, o que pode compensar a conta de multas e indenizações milionárias que a Vale terá que pagar. Enquanto isso, a Vale segue produzindo sem percalços, inclusive em extrações controversas, como em Carajás, na Amazônia, em territórios indígenas, onde o impacto ambiental é alto e talvez irreversível.  Em 1980, a indústria extrativa representava 6,4% do PIB do Brasil. Em 2017, segundo dados do IBGE, representava 4,3% do PIB, incluindo petróleo e gás. Considerando apenas a mineração (indústria extrativa mineral), o cálculo é de cerca de 1,4% do PIB (2017). Mas o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) avalia que esse número é subestimado e aposta que a mineração teria pelo menos 3,2% do PIB sozinha

As câmeras de segurança do complexo mineiro do Córrego do Feijão, em Brumadinho, Minas Gerais, registraram o rompimento da barragem de rejeitos de uma das operações de minério de ferro da Vale pontualmente às 12h28min do dia 25 de janeiro. O efeito da lama foi devastador para o meio ambiente e para a sociedade: já são mais de 200 mortes contabilizadas até o final de março − e ainda há uma centena de desaparecidos.

A reação do mercado internacional, contudo, foi oposta. O preço pago por tonelada do mineral aumentou, especialmente depois do anúncio de que a Vale reduziria a oferta anual para desativar barragens de rejeitos construídas com a mesma técnica da que desabou.

Em fevereiro, as exportações brasileiras aumentaram quase 10%, segundo a média diária de embarques divulgada pelo Ministério de Minas e Energia. Somente na terceira semana de março o desempenho teve a primeira queda após a tragédia.

Três anos atrás, em novembro de 2015, foi a barragem da Mina do Fundão, em Mariana, também Minas Gerais, que veio abaixo, carregando sedimentos que mataram o Rio Doce − no maior desastre ambiental da história brasileira. Na ocasião, a trajetória crescente das exportações tampouco foi abalada. Pelo contrário, cresceu tanto em valores como e volume vendido no mercado internacional.

“Nos últimos 10 anos, o Brasil se tornou um dos principais produtores de minério de ferro do mundo, vendendo US$ 15 bilhões por ano. É a nossa principal commodity mineral. Apenas a soja, que é agrícola, é mais vendida”, explica Mauro Rochlin, especialista em comércio exterior e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

O mundo não parece disposto a abrir mão do produto brasileiro e a Vale é beneficiada duplamente: a empresa detém quase 80% da exploração de minério de ferro nacional, e o mais importante, opera reservas de qualidade única no planeta − e essas não foram afetadas pelas tragédias de Brumadinho nem de Mariana, em 2015.

O minério mais puro está na Amazônia

Minas Gerais é o estado líder na produção de minério de ferro no Brasil, com 59,2% do total explorado − o segundo colocado é o Pará, que responde por 40,25%. Mas essas posições tendem a se inverter, porque os depósitos em Minas Gerais já estão em operação há um século e o que sobrou para retirar da terra é um ferro impuro. O custo para extraí-lo também é alto, porque é preciso cavar mais fundo para encontrar o mineral.

Em contrapartida, a província mineral de Carajás, no sudeste do Pará, tem exploração muito mais recente: foi descoberta em 1967 e a produção começou em 1985. São jazidas únicas, que oferecem um minério com o mais alto teor de pureza do planeta, a um custo de exploração baixo. “Essa jurisdição é o futuro da indústria no Brasil”, assegura o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).

É nessa região que a Vale revolve o solo para extrair ferro, cobre e níquel, bem debaixo da Floresta Nacional dos Carajás e em cima de terras sagradas indígenas, em plena Amazônia brasileira. Conhecedora do impacto da atividade para o ambiente e o modo de vida dos povos tradicionais, a Vale financia a manutenção de cinco Unidades de Conservação na área e paga dividendos a diversas etnias e aldeias. Ainda assim, sobram questionamentos e ações judiciais contra a mineradora.

A venda de minério de ferro no mercado internacional leva em conta o índice de pureza do produto. O teor padrão é 62%, sendo que os compradores pagam prêmios quando o minério é superior e descontam no preço quando a mercadoria está abaixo desse nível. “A antiga Companhia Vale do Rio Doce, estatal privatizada em 1997, sempre ganha prêmios porque a média de hematita (ferro puro) contida no minério que vende é de 64%”, explica o jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto, um dos mais atentos comentaristas do assunto.

Segundo cálculos de Pinto, em 2014 a Vale recebia 1,75 dólar por cada ponto percentual acima desse patamar – e na época, a pureza do minério de ferro de Carajás era calculada em 64%. Mas em seu site, a própria Vale informa que “as rochas encontradas em Carajás são formadas, em média, por 67% de teor de minério de ferro (o teor mais alto do planeta)”.

Principal parceiro comercial do Brasil no mundo, a China é também o maior destino das exportações minerais brasileiras. No segundo semestre de 2018,  o gigante asiático respondeu por 38% da receita operacional da Vale, que opera em 16 portos do país.

Logo depois do rompimento da barragem em Brumadinho, os chineses revelaram que o prêmio pela pureza do minério de ferro poderia atingir patamares inéditos. A avaliação de especialistas indica que se a China continuar a crescer uma média de 6% ao ano e outros emergentes 5% ao ano, os preços não devem cair abaixo do patamar de US$ 80 por tonelada. O colapso de Brumadinho pode aumentar esse índice para US$ 100/t.

Ainda que essas previsões sofram abalos, o custo de extração do minério de ferro em Carajás é bastante inferior, girando entre US$ 13 e 15 por tonelada − pela diferença entre os custos de produção e o valor de venda dá para calcular o bom negócio que é a extração de ferro no sudeste do Pará.

A indústria extrativa já representou 6,4% do PIB do Brasil em 1980; em 2017, segundo dados do IBGE, representava 4,3% do PIB, incluindo petróleo e gás.

 

Foto: Vale/Divulgação

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Produção triplica durante crise de preços

Em 2019, se completam 52 anos da descoberta de Carajás, no dia 31 de julho. Uma equipe de geólogos procurava manganês para uma companhia de aço norte-americana em 1967. Ao fazer um pouso de abastecimento em uma clareira da Serra Arqueada, no sudeste do Pará, viram o solo avermelhado e perceberam que era ferro.

Quando a lavra foi iniciada, em fevereiro de 1985, os depósitos de minério de ferro eram calculados em 18 bilhões de toneladas. A Vale não atualiza a informação sobre quanto desse total já foi explorado. Tampouco revela se as reservas se confirmaram, diminuíram ou aumentaram.

“Esse número vai mudando muito com o tempo, mas certamente, hoje a vida útil da mina é bem menor”, observa o ex-superintendente da Agência Nacional de Mineração (antigo DNPM) no Pará, Carlos Botelho da Costa.

Divulgações do ano passado da mineradora estimavam a produção do Complexo de Carajás em 150 milhões de toneladas, mas esse dado talvez seja bem mais alto. Em outubro, o jornal Valor Econômico divulgou a expectativa da mineradora de alcançar a marca dos 400 milhões de toneladas de minério de ferro produzidas em 2019 e chegar a 2020 com capacidade nominal de produção de 450 milhões de toneladas.

A revelação surpreendeu o mercado a ponto de exigir da Vale uma resposta formal à Bolsa de Valores, confirmando os números informados pelo jornal.  “Está crescendo numa velocidade muito grande”, observa Botelho. A título de comparação, na época da descoberta de Carajás, a Vale já era uma das maiores empresas do Brasil, produzindo quase 11 milhões de toneladas de minério de ferro por ano.

Dois fatores contribuíram para essa expansão de volumes: o substancial crescimento da China na década passada − agora mais tímido, mas ainda assim decisivo − e a crise econômica mundial de 2009, que derrubou os preços do minério de ferro. A cotação, que chegou a beirar os US$ 200/t no pico de valorização (2011), caiu abaixo de US$ 40/t (jan/2016) e a fórmula encontrada pelas mineradoras para manter os lucros foi aumentar a extração. “Quando não é o momento de maior preço, o volume compensa”, complementa o ex-superintendente da ANM no Pará.

Segundo especialistas, os estoques da Vale fora do país duplicaram entre 2016 e 2017, o que agora pode assegurar a entrega mesmo com a interrupção na produção de algumas minas.

Não à toa, essa é a segunda substância com maior volume de processos minerários registrados – a primeira é o ouro, que é sempre a garantia em qualquer crise econômica. São 8.428 registros na Agência Nacional de Mineração (ANM), somando 15,3 milhões de hectares requeridos.

O interesse no minério de ferro também pode ser medido pelas etapas em que se encontram esses processos. Atualmente, estão em atividade 368 minas de ferro no Brasil, que somam quase 222 mil hectares em exploração. Mas a área explorada vai praticamente dobrar nos próximos anos, porque há 187,5 mil hectares com início de atividade iminente, na última etapa de requerimento para produção na ANM.

O saldo da balança mineral comercial brasileira tem registrado recorde sobre recorde, mas o crescimento se dá mais pela variação do dólar do que pela expansão da atividade. Em 2017, a expansão foi de 27%. A perspectiva para o fechamento de 2018 é ainda maior.

Foto: Ibama/Divulgação

Projeto Carajás inclui extração de minério de ferro, beneficiamento, acessos, diques na Floresta Nacional de Carajás, no Pará

Foto: Ibama/Divulgação

Uma mina com barragem a seco

A principal operação em Carajás da Vale é chamada de Complexo S11D, a menina dos olhos da mineradora cuja operação envolve a tecnologia mais avançada no planeta − o que reduz perdas na linha de produção e assegura vantagens ambientais. Os caminhões, por exemplo, foram substituídos por esteiras que carregam o minério diretamente da área de extração até a usina de beneficiamento.

Outra novidade é o uso da umidade natural para “lavar” o minério, o que reduz o consumo de água em 93%, segundo a mineradora. A técnica assegurou a “eliminação de barragens de rejeito, já que o ultrafino de minério com alto teor de ferro, que iria para a barragem, não será descartado, permitindo que, em 30 anos de vida útil da mina, 300 milhões de toneladas sejam incorporados à produção”, propagandeia a Vale.

Entretanto, pertinho de S11-D está a mina de Salobo, de cobre, cuja barragem é do mesmo modelo das que romperam em Mariana e Brumadinho − à montante com compactação de terra − razão pela qual os indígenas temem que um vazamento possa atingir suas aldeias, distantes cerca de 100 quilômetros do empreendimento.

O relatório da Agência Nacional de Águas (ANA) sobre a segurança das barragens no Brasil de 2017 classifica o reservatório de Salobo como sendo de alto nível de Dano Potencial Associado, o que indica que em um eventual acidente, o estrago na região poderia ser grande. Os Xikrin pedem que a Justiça interrompa a operação para garantir a segurança de suas aldeias e rios.

Considerando apenas a mineração (indústria extrativa mineral), o cálculo é de cerca de 1,4% do PIB (2017). Mas o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) avalia que esse número é subestimado e aposta que a mineração teria pelo menos 3,2% do PIB sozinha .

A título de comparação, o agronegócio brasileiro, frequentemente mencionado como o motor da economia mesmo sob crises, detém uma fatia de 5% do PIB.

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