ECONOMIA

Negacionismo tem impacto na conta de energia elétrica

Aneel anuncia reajuste de até 58% na bandeira vermelha: o descontrole da tarifa reflete apostas erradas do Operador Nacional do Sistema Elétrico e falta de competência no Ministério de Minas Energia
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 27 de agosto de 2021

Foto: Agência Brasil/ Arquivo

Governo deixou de fazer o monitoramento de riscos do setor. Segundo a ONS, o risco de um apagão elétrico não está descartado

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Nesta sexta-feira, 27, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) definiu mais um aumento da bandeira vermelha nível 2 das contas de energia. O reajuste será de até 58% sobre a tarifa atual de R$ 9,49 a cada 100 quilowatts-hora (kWh).

Na maior crise hídrica da história do Brasil, governo Bolsonaro não pode culpar a falta de chuvas pelo risco de colapso no setor elétrico. Apostas erradas, equipe ministerial fraca e falta de monitoração de riscos já estão impactando o bolso do brasileiro. A solução que está sendo adotada, na opinião de especialistas, é uma espécie de racionamento via estrangulamento econômico. O ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes, já deu o sinal ao afirmar no último dia 26, em audiência pública no Senado, que a taxa extra nas faturas de energia deve aumentar: “não adianta ficar sentado chorando”, debochou.

No lançamento da Frente Parlamentar Mista do Empreendedorismo na Câmara, um dia antes, Guedes indagou com ironia: “qual é o problema se energia ficar um pouco mais cara?”. Mais do que um elemento retórico, o questionamento de Guedes esconde que a energia do Brasil já subiu esse ano três vezes acima da inflação.

Aposta errada

O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) é uma organização criada no contexto de privatização do setor elétrico nacional na era Fernando Henrique Cardoso. Seu objetivo é fazer com que o Sistema Interligado Nacional (SIN) funcione com todas as garantias de segurança. É na entidade que se monitora os níveis dos reservatórios que são utilizados pela principal matriz energética nacional, as hidrelétricas; as condições de gerações térmica, eólica e solar, além do transporte da energia gerada via linhas de transmissão.

Apesar de ser uma associação privada, o governo federal indica três dos atuais cinco diretores do ONS.

Isso, segundo fontes ouvidas pelo Extra Classe, pode ser o indicativo de que, ao exemplo da pandemia Covid-19, houve uma espécie de “negacionismo” no setor.

“Acredito que fizeram a aposta de que haveria mais chuvas do que o esperado”, diz um experiente executivo que teve passagens tanto no Ministério de Minas e Energia (MME) quanto no próprio ONS. Com a condição de anonimato, revelou que os reservatórios já davam sinais de esgotamento e, mesmo assim, não se liberava a entrada da geração de usinas térmicas, que impactam no custo da energia que chega aos consumidores por ser muito mais cara.

Descuido no monitoramento e risco de “apagão”

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Maurício Tolmasquim: nem racionamento nem tarifaço

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Para analistas do setor, o termo “racionamento de energia” foi vetado pelo governo. O próprio presidente Bolsonaro pediu que a população desligasse “um ponto de luz”. A conta da fragilidade das políticas, da omissão, desinformação e despreparo no governo sobre a questão energética está chegando aos consumidores. E ela vem salgada. Riscos de um “apagão” como o do final do governo FHC em 2020 não é descartado, segundo último informe do ONS. Um dos principais motivos é o monitoramento de riscos do setor que parece ter ficado abaixo das necessidades.

Outro importante executivo do setor elétrico que também pediu anonimato entende que o MME de Bolsonaro é muito fraco. A começar pelo ministro Bento Albuquerque, um almirante da Marinha sem passagem pelo setor. Se em governos anteriores, registra ainda o profissional, o titular não era alguém da área, pelo menos o segundo no comando, o secretário-executivo, tinha forte experiência. “No atual MME, a secretária-executiva (Marisete Pereira) é uma economista da Eletrosul. Conhece gestão do caixa”, ironiza.

Maurício Tolmasquim foi o primeiro presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), entidade criada no governo Lula para auxiliar no planejamento energético nacional. Professor Titular do Programa de Planejamento Energético do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ), ele lembra que o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) tem atuado de forma diferente nas gestões anteriores do MME.

“No final das reuniões, tradicionalmente era gerado uma ata na qual se registrava os riscos identificados. Hoje, isso sumiu”, registra Tolmasquim. Criado em 2004, o CMSE tem o objetivo de, através de encontros regulares, avaliar o setor elétrico nacional. Nele se reúnem os mais variados agentes dessa indústria: agentes públicos, empresas e associações como o próprio ONS.

Sobre o tarifaço que está sendo utilizado para frear o consumo, o professor diz que é uma das estratégias para fazer frente a situações de crise como a de agora. A outra seria um “racionamento mandatário, regulatório”.

“Não estou advogando sobre o que é melhor ou pior. Ambos são ruins para a população e para a economia”, registra Tolmasquim. Ele pontua que é uma decisão de rumo que carece de estudos.

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