ECONOMIA

Trabalhadores negros perdem mais empregos, ganham menos e têm menos chances de recolocação durante a pandemia

Dos quase 9 milhões que perderam seus empregos, mais de 70% são trabalhadores negros e negras – que também são maioria entre aqueles que agora não conseguem voltar para o mercado de trabalho
Por Gilson Camargo / Publicado em 19 de novembro de 2021

Foto: Marcello Casal Jr. / Agência Brasil

Foto: Marcello Casal Jr. / Agência Brasil

A pandemia de covid-19 afetou todos os trabalhadores, mas os impactos foram mais intensos sobre os negros, seja pela dificuldade que essa população enfrenta para encontrar colocação ou pela necessidade de voltar antes ao mercado de trabalho, devido à falta de renda para permanecer em casa, protegida do vírus. É o que demonstra um estudo que será divulgado neste sábado, 20 de novembro, pelo Departamento Intersindical de Economia e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

Entre o primeiro e o segundo trimestres de 2020, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 8,9 milhões de homens e mulheres saíram da força de trabalho – perderam empregos ou deixaram de procurar colocação por acreditarem não ser possível conseguir vaga no mercado de trabalho. Desse total, 6,4 milhões eram negros ou negras e 2,5 milhões, trabalhadores e trabalhadoras não negros.

“A partir do momento em que as pessoas começaram a buscar a volta ao mercado de trabalho, a taxa de desocupação cresceu. A comparação do volume da força de trabalho do segundo trimestre de 2021 com o mesmo período de 2020 mostra que a força de trabalho negra cresceu 3,8 milhões (1,79 milhões de homens e 1,97 milhões de mulheres). Já entre os não negros, o aumento foi de 2,3 milhões (963 mil homens e 1,38 milhões de mulheres)”, observam os economistas do Dieese no documento.

2,6 milhões não retornaram

Porém, quando se compara 2021 com o primeiro trimestre de 2020, antes da pandemia, nota-se que parcela expressiva de negros não voltou para a força de trabalho: 1,1 milhão de negras e 1,5 milhão de negros. Pode-se dizer que, no segundo trimestre de 2021, enquanto a força de trabalho não negra já equivalia a 92% do total registrado antes da pandemia (primeiro trimestre de 2020), entre os negros, esse percentual foi de quase 59%, número que levanta a questão sobre o destino desses quase 2,6 milhões de negros e negras.

O número de pessoas que perdeu postos de trabalho por causa da crise sanitária, entre o 1º e o segundo trimestre de 2020, foi de 8,8 milhões. Desses, 71,4% ou 6,3 milhões eram negros: 40,4%, mulheres, 31%, homens.

A comparação entre os segundos trimestres desse ano e de 2020 mostra que, em 2021, havia 2,9 milhões de negros ocupados a mais do que no ano passado – o equivalente a 47,0% do primeiro trimestre de 2020.

Para os não negros, os impactos da crise sanitária foram menores: dos 2,5 milhões que perderam as ocupações entre o 1º e o segundo trimestre de 2020, 59% voltaram a trabalhar em 2021.

O nível de ocupação ainda não voltou ao que estava no primeiro trimestre de 2020: em 2021, são 4,4 milhões abaixo do observado antes da pandemia.

O aumento da taxa de desocupação é visível no segundo trimestre de 2021. Com o avanço da vacinação, muitas pessoas voltaram a buscar colocação no mercado de trabalho, mas a economia brasileira não apresentou dinamismo suficiente para receber esse volume de trabalhadores.

Para os negros, a taxa de desemprego é sempre maior do que a dos não negros.

Enquanto para os homens negros, ficou em 13,2%, no segundo trimestre de 2021, para os não negros, foi de 9,8%. Entre as mulheres, a cada 100 negras na força de trabalho, 20 procuravam trabalho, proporção maior do que a de não negras, 13 a cada 100.

Subutilização da força de trabalho

Infográfico: Dieese

Infográfico: Dieese

Apesar da volta de grande contingente de pessoas ao mercado de trabalho, o desempenho pífio da economia fez uma parcela da mão de obra ficar subutilizada. A taxa de subutilização, que expressa a demanda potencial por trabalho, apresentou comportamento diferenciado entre homens e mulheres.

Entre as negras, era de 40,5%, no segundo trimestre de 2020, e 40,9% no mesmo período de 2021; entre as não negras, os percentuais foram menores, mas também crescentes, 26,4% e 27,7% no segundo trimestre de 2020 e nos mesmos meses de 2021, respectivamente. Entre os homens, nesses mesmos períodos, a subutilização diminuiu: para os não negros passou de 19,1% para 18,5% e, entre os negros, de 29,4% para 26,9%

Considerando apenas os subocupados, que são aqueles que trabalham menos de 40 horas semanais e que gostariam de ter uma jornada maior, a proporção de negros (8,4%) e negras (13,5%) superou a de não negros homens (5,0%) e mulheres (8,2%), no segundo trimestre de 2021.

Um ano depois do início da pandemia, sem que a vacinação tenha atingido 100% da população, o mercado de trabalho seguiu cambaleando, em sintonia com a economia que não cresceu: o assalariamento sem carteira no setor privado (16,0%), o trabalho doméstico sem carteira (14,9%), o trabalho por conta própria (14,7%) e o trabalho familiar (8,7%) foram os que mais se ampliaram, quando se compara o 2º trimestre de 2021 com o mesmo período de 2020.

O mercado de trabalho foi incapaz de gerar postos protegidos: o emprego com carteira no setor privado não variou (0,1%); no setor público, cresceu 1,74%; e o trabalho doméstico com carteira diminuiu cerca de 7,0%.

Para as mulheres negras, o emprego no setor público com carteira cresceu quase 20,0%; o trabalho doméstico sem carteira aumentou 16,8%; e o conta-própria, 15,8%. Para o homem negro, houve elevação do assalariamento sem carteira no setor privado (23,4%) e do trabalho por conta-própria (13,5%).

No caso dos não negros, para os homens, o aumento mais expressivo ocorreu no assalariamento sem carteira no setor privado (13,6%) e no trabalho conta própria (12,2%), enquanto para as mulheres, houve ampliação de 20,5% no trabalho por conta própria e de 12,8% no emprego doméstico sem proteção legal.

Economia à deriva

“Informalidade crescente para todos os trabalhadores, negros e não negros, é reflexo da desconfiança sobre o futuro do país e da ausência de rumo da economia brasileira, problema acentuado pelos efeitos da reforma trabalhista, que não gerou empregos e arrancou direitos dos trabalhadores, e pela pandemia, que acontece diante de um estado omisso diante das dificuldades crescentes dos brasileiros”, aponta a nota técnica.

Em relação aos rendimentos, na comparação com o momento pré-pandemia, no primeiro trimestre de 2020, registrou-se queda média de 2,40% para todos os ocupados, no segundo trimestre de 2021. No caso dos homens, as reduções foram maiores: os rendimentos médios dos negros diminuíram 3,2% e dos não negros, 5,7%. Entre as mulheres, a queda foi de 1,9% para as não negras. Já o rendimento médio das negras apresentou alta de 1,5%.

Em relação ao início do isolamento, no segundo trimestre de 2020, o decréscimo médio de rendimentos foi de 6,9%. Por sexo e raça, todos os segmentos tiveram queda: homens não negros (-7,5%), mulheres não negras (-6,6%), homens negros (-6,4%) e mulheres negras (-4,7%).

Para se entender a queda acentuada, é necessário lembrar que, no início do isolamento social, em abril, grande parte dos trabalhadores informais e com menores salários perdeu as ocupações. Com isso, a média de rendimentos ficou mais alta do que no primeiro trimestre de 2020, pois quem continuou empregado era majoritariamente assalariado com carteira e rendimentos médios superiores à média vigente – e foi trabalhar em esquema de home office.

Nos dois últimos trimestres de 2020, muitas pessoas começaram a trabalhar, geralmente em postos informais com baixos rendimentos. Assim, quando se comparam os rendimentos do segundo trimestre de 2021 com os auferidos no início do isolamento, a queda foi mais acentuada.

As médias de rendimento também comprovam a desigualdade de remuneração por cor/raça. Enquanto homens e mulheres não negros receberam em média R$ 3.471,00 e R$ 2.674, respectivamente, no segundo trimestre de 2021, trabalhadores negros ganharam R$ 1.968 e trabalhadoras negras, R$ 1.617.

“A inserção de negros e negras no mercado de trabalho sempre foi marcada por dificuldades muito maiores que as encaradas por não negros. Desemprego mais alto, ocupações precárias, subutilização e menores rendimentos fazem parte dos tantos problemas enfrentados por homens e mulheres negros”, conclui o documento – acesse a íntegra.

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