EDUCAÇÃO

Bolsonaro edita medida para aparelhar universidades públicas

Medida provisória publicada no Natal aumenta o poder de decisão do presidente e esvazia conselhos universitários na escolha dos reitores
Da Redação / Publicado em 26 de dezembro de 2019

 

Medida Provisória nº 914 altera o processo de escolha dos reitores das universidades federais

Foto: Marcos Corrêa/PR

Medida Provisória nº 914 altera o processo de escolha dos reitores das universidades federais

Foto: Marcos Corrêa/PR

Na calada da noite da terça-feira, véspera de Natal, o presidente Jair Bolsonaro publicou em edição extra do Diário Oficial da União (DOU) a Medida Provisória nº 914, que altera o processo de escolha dos reitores das universidades federais, dos dirigentes dos institutos federais e do Colégio Pedro II.

Entre outras coisas, o texto retira poderes dos conselhos universitários (Consuni) órgãos deliberativos nas universidades, compostos por professores, técnicos e alunos, que eram, até a medida, encarregados de entregar uma lista tríplice de onde se escolhia o reitor.

ANDES – De acordo com nota do Sindicato dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes – Sindicato Nacional) “a MP ignora a diversidade de estrutura interna das IES e a democracia interna ao instituir que os campi serão dirigidos por diretores(as)-gerais, que serão escolhido(a)s e nomeado(a)s pelo(a) reitor(a). Do mesmo modo, acaba com eleição direta para a direção das unidades acadêmicas, estabelecendo que o(a)s diretores(as) e os(as) vice-diretores(as) das unidades serão escolhido(a)s e nomeado(a)s pelo reitor(a) para mandato de quatro anos”.

A medida estabelece como obrigatória a realização de consulta à comunidade acadêmica para a formação da lista tríplice para o cargo de reitor(a) por votação direta, preferencialmente eletrônica. Tal consulta não poderá ser feita com voto paritário ou universal e obrigatoriamente deverá ser realizada com peso de 70% no voto docente, 15% no do técnico-administrativo e 15% para o voto discente. A mesma regra é imposta aos Institutos Federais que não submetiam ao Presidente da República, até então, uma lista tríplice para a escolha de reitor(a).

COMO ERA – Para escolher reitores pela forma antiga, algumas universidades faziam uma consulta informal à comunidade acadêmica (professores, técnicos e alunos). Cada instituição tinha sua forma de paridade pois há variações nas proporção dos integrantes dos conselhos. Depois dessa consulta, o Consuni se reunia e indicava três nomes da chapa colocada em 1º lugar. Na maioria das vezes, as demais chapas se retiravam da disputa, dando lugar a uma chapa única. Esses escolhidos formavam a lista tríplice a ser entregue ao presidente, que escolheria 1 para ser o reitor.

INTERFERÊNCIA – A MP estabelece também que o Presidente da República poderá nomear reitor(a) pro tempore em “razão de irregularidades verificadas no processo de consulta”. Esse tipo de intervenção, ressaltamos, está em curso na Universidade Federal da Grande Dourados e no CEFET-RJ e poderá ampliar-se, bastando para isso que haja judicialização do processo de escolha de reitor(a).

INCONSTITUCIONALIDADE – Na mesma nota, a Andes “considera inconstitucional a utilização do instrumento da Medida Provisória para tratar de matéria que não preenche os critérios para tal; e repudia tais medidas que atacam a autonomia das universidades, suficientemente expressa no Artigo 207 da Constituição Federal de 1988, e a democracia das IES, além de aprofundar o autoritarismo ao concentrar poder nas mãos do(a) reitor(a) e, por consequência, do Presidente da República que o(a) escolhe”.

A Andes defende que os dirigentes sejam escolhidos por meio de eleições diretas, com voto paritário ou universal, e que o processo se encerre no âmbito de cada IES, sem necessidade, portanto, que elaboração de lista tríplice

APARELHAMENTO – De acordo com Ligia Bahia, secretária regional da Sociedade Brasileira para Progresso da Ciência (SBPC) ao site poder 360, ao retirar o poder dos conselhos, se perde o  poder de condução das políticas que durante quatro anos vão vigorar. Estão montando o aparelho de Estado deles. Essa MP é muito mais do que parece ser”.

ESCOLHA – Pela MP, o reitor será escolhido e nomeado pelo presidente da República entre esses três candidatos mais bem votados. O presidente não tem obrigação de nomear o 1º colocado da lista tríplice. Desde 2003, sob o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, há a tradição de empossar o preferido dos acadêmicos. Essa postura mudou sob Jair Bolsonaro.

Já o reitor vai escolher o vice-reitor entre aqueles professores que cumprirem os pré-requisitos. Este, por sua vez, será nomeado pelo presidente da República para cumprir mandato em período coincidente ao do titular – ambos ficam no cargo por 4 anos. Outros ocupantes de cargos em comissão e funções de confiança na instituição de ensino serão nomeados ou, conforme o caso, designados pelo reitor.

O curioso é que a MP sugere que a consulta à comunidade acadêmica seja feita por meio de votação eletrônica. Uma contradição diante do que Bolsonaro fala sobre eleições eletrônicas. Ele defendeu reiteradas vezes durante a campanha presidencial de 2018 que o voto passasse a ser impresso.

ANDIFES – A associação de reitores das federais, a Andifes, e a Frente Parlamentar Mista pela Valorização das Universidades Federais, criticam a falta de debate. Entre dirigentes, há ainda receio de que a MP dê margem para mais interferência do Executivo nas universidades, que têm autonomia prevista pela Constituição.

A nova regra precisa ser aprovada pelo Congresso em até 120 dias para não perder a validade.

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