EDUCAÇÃO

Rede Metodista fecha escola no Rio e faz promessas em Porto Alegre

Durante o Dia do Basta, no último dia 22, enquanto professores da Rede Metodista de cinco estados protestaram por valorização e salários, gestores anunciaram fechamento no Rio e ampliação em Porto Alegre
Por César Fraga / Publicado em 24 de setembro de 2020
Colégio Metodista Bennet, Zona Sul do Rio de Janeiro (capital), fundado em 1888, encerrará atividades no próximo dia 17 de dezembro

Foto: Rede Metodista/Divulgação

Colégio Metodista Bennet, Zona Sul do Rio de Janeiro (capital), fundado em 1888, encerrará atividades no próximo dia 17 de dezembro

Foto: Rede Metodista/Divulgação

Na última terça-feira, 22, dia escolhido pelos professores da Rede Metodista de Educação de de cinco estados para protestar no Dia do Basta (veja box) contra atrasos salariais e descumprimentos de direitos trabalhistas, dois fatos diametralmente opostos chamaram a atenção.

No Rio de Janeiro, a mais tradicional escola, e tida como referência, o Colégio Metodista Bennett anunciou seu fechamento.

Já, em Porto Alegre, a 1.568 quilômetros de distância da escola carioca, a mantenedora convocou uma reunião com os pais do Colégio Americano, na qual informou que tempos maior prosperidade se anunciam. Na ocasião, foi dito pelos gestores que, com a conclusão da venda de um terreno, as pendências salariais com os professores seriam saldadas “imediatamente” e que a partir do próximo ano a escola se tornaria referência nacional na rede.

Bennett anuncia fechamento

Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer, e tempo de morrer; (…) tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar; tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar. Foi com esse trecho bíblico dos Eclesiastes, que a mantenedora introduziu o comunicado aos pais e professores do Colégio Metodista Bennet, fundado em 1888, de que no próximo dia 17 de dezembro a escola fechará.

“Os últimos anos, no entanto, apresentaram desafios financeiros intensos, os quais comprometeram decisivamente a sustentabilidade deste importante colégio Carioca. Mudança em gestão, enxugamento de quadro administrativo, revisão de salários de docentes, medidas não operacionais, aperfeiçoamento de uma proposta pedagógica cada vez mais enriquecedora e atrativa não foram medidas suficientes para a solução da crise financeira engendrada há anos, passando a comprometer processos e outras Unidades”, diz um trecho do comunicado. Em outro trecho: “Informamos que o Colégio Metodista Bennett encerrará suas atividades em dezembro de 2020 e dará lugar a outra Rede, mantendo padrões de qualidade pedagógica e de sustentabilidade financeira”.

Relato

A professora Clarissa Lima, que atua na escola e também é dirigente sindical no Sinpro-Rio (sindicato dos professores da rede particular) fez um depoimento emocionado durante os atos do “Dia do Basta”. Ela vê com muita tristeza que uma escola centenária, fundada por mulheres estadunidenses, com 134 anos – faz aniversário em outubro – e de uma tradição de educação progressista, deixe de existir.

“O Bennett sempre foi uma escola de vanguarda. Foi o primeiro colégio particular do Rio de Janeiro a admitir crianças filhas de pais separados, por exemplo. Sempre esteve do lado progressista e do desenvolvimento humano”.

Universidade vendida

Segundo ela, nos últimos anos quando houve uma mudança de gestão na Rede Metodista e as instituições passaram a atuar em rede, iniciou-se um grande desmonte. Primeiro, foi a Universidade Unibennett que foi desfeita. Quem assumiu o ensino superior foi o grupo Ser Educacional, de Fortaleza, em parceria com a Univeritas no mesmo campus. As dependências da Universidade são contíguas ao Bennett com entradas separadas e prédios independentes.

“Quando a Unibbenett foi vendida, a fala dos gestores foi de que o dinheiro da venda seria para investir no Colégio”, recorda Clarissa. Mas o que se viu foi ao longo dos últimos anos foram muitas demissões, praticamente todo o quadro docente foi substituído, com exceção de quem tinha estabilidade de aposentadoria, de acordos sindicais ou direitos trabalhistas.

Demissões

Sempre sem as rescisões trabalhistas, obrigando os despedidos a entrar na Justiça para terem seus direitos reconhecidos. Muitos, não receberam ou receberam com muito atraso. No ano passado começou a haver redução da hora/aula dos professores e os novos contratados com valor de hora/aula inferior, quebrando a isonomia salarial.

A escola que chegou a ter 1.500 alunos manteve apenas 240.  “Nesse ano, em virtude da pandemia, permanecemos na escola, de maneira remota. O campus ficou muito abandonado. Porém, já havia movimentações desde o não anterior nas dependências do Colégio de pessoas estranhas ao Bennett. O que fez surgir muita especulação sobre venda. Porém nada foi passado ao corpo docente nem aos funcionários sobre essa possiblidade ou o que estava acontecendo”, conta.

Fechamento anunciado

“No último dia 22, durante uma reunião de equipe, fomos comunicados do encerramento das atividades da escola no dia 17 de dezembro. Nos causou muita surpresa, muito embora soubéssemos da gravidade do quadro. Havia constantes atrasos de salário, de 13° entre outras pendências. Nunca imaginamos que uma instituição desse porte”, desabafa.

O colégio, localizado na Zona Sul do Rio de Janeiro, ocupa a quase metade de um quarteirão de uma rua nobre. “Não sabemos nada sobre o que será feito do patrimônio, se foi vendido ou não. Fizeram uma oferta aos alunos para se transferirem para outra escola, o Pense, que pertence à Rede Eleva. Sobre a parte estrutural nada foi dito, se o Pense assumirá ou não. Sabemos apenas o que saiu na imprensa local: de que outra rede ocupará”, relata a professora.

“É lamentável. Professores, funcionários e alunos estão muito abalados, não pela perda dos empregos apenas, mas pelo fechamento de toda uma história, das vivências que ocorreram naquele espaço. Nosso desejo é que quem venha a ocupá-lo, faça valer a educação de qualidade, libertária, com respeito à dignidade dos professores, dos alunos e dos funcionários que fizeram a história da instituição”, conclui emocionada.

Em Porto Alegre, no Colégio Americano

“No Colégio Americano, temos uma realidade de atrasos salariais e paralisações de professores por conta desses atrasos”, explica a diretora Margot Andras, do Sindicato dos Professores do Ensino Privado (Sinpro/RS).
Segundo ela, os professores estão há dois meses fazendo apenas uma aula síncrona por semana e limitando as atividades ao lançamento de materiais nas plataformas institucionais sem a participação de reuniões e outras ações que não envolvam diretamente os estudantes. Decisão tomada pelos docentes ante ao não pagamento das pendências salariais e mantida na última assembleia ocorrida no último dia 10 de setembro.

Luta por dignidade

Foi nesta mesma assembleia que ficou definida a participação no dia de Luta pela vida, dignidade e valorização dos(as) professores(as) da Rede Metodista do Brasil, organizado pelos sindicatos de professores dos estados em que existem instituições metodistas, e que ocorreu na última terça-feira, 22 de setembro, ocasião em que foram suspensas todas as atividades docentes na instituição. A atividade também foi chamada de “Dia do Basta”

Surpresas, expansão e high school

E, neste mesmo dia, culminou com, além do anúncio do fechamento do Colégio Bennet no Rio de Janeiro, com uma reunião dos gestores com os pais do Círculo de Pais e Mestres (CPM) da escola. Conforme relatos, neste encontro o gestor da rede metodista, juntamente com a direção da escola, informou aos pais, que o Americano passará a ser o colégio de referência da rede aqui no Região Sul, que a partir da consolidação da venda de um terreno pertencente á escola serão pagas todas as pendências salariais imediatamente e que em 2021, além de ampliação da escola, anunciou “surpresas”. Uma delas é que o colégio se transformara em high school – modelo estadunidense equivalente ao ensino médio.

Sem resposta

A partir disso, a sindicalista, que também é professora na escola entrou em contato com o setor de RH da mantenedora, em São Paulo, questionando sobre quando serão quitados os débitos com os professores e não obteve resposta.

Margot relata que uma das coisas marcantes que aconteceu na live do Dia do Basta foi no encerramento da atividade. Uma professora se manifestou dizendo “que não aguenta mais promessas e que os gestores afirmam com muita facilidade uma série de coisas, mas que essas coisas nunca se concretizam”.

“Embora exista essa informação de pagamento imediato, não tivemos notícia, já passados três dias, da concretização desses pagamentos, nem previsão de data. Infelizmente, mesmo querendo que as promessas se concretizem para o bem de toda a comunidade escolar do Americano, não podemos deixar de lembrar que não seria a primeira vez que promessas nesse sentido são feitas e não são cumpridas”, destaca a sindicalista.

Como foi o Dia do Basta

Live reuniu representantes dos professores, estudantes e funcionários da Rede Metodista de Educação em todo país

Foto: Reprodução/Web

Live reuniu representantes dos professores, estudantes e funcionários da Rede Metodista de Educação em todo país

Foto: Reprodução/Web

Na última terça-feira, 22 de setembro, os professores e funcionários da Rede Metodista de Educação promoveram o Dia do Basta, uma paralisação das atividades pela valorização, dignidade e garantia de direitos dos trabalhadores destas instituições. A ação foi on-line e contou com representantes de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul e consolidou preposições que visam garantir os direitos dos trabalhadores.

Os profissionais reivindicam o pagamento regular dos salários, em atraso constante nos últimos anos, respeito aos acordos judiciais firmados, garantia de direitos descumpridos pela Rede, entre outros pontos. O ato foi convocado pelo coletivo de sindicatos de professores e funcionários, além de federações, estudantes e entidades ligadas à educação.

Live

Durante a live, os representantes denunciaram a falta de diálogo com a direção Metodista e o desmonte de instituições centenárias, que estão sendo fechadas por má administração em diversos estados do país. “Acompanho este movimento há muito tempo, tudo o que vem acontecendo com os trabalhadores das instituições metodistas que, apesar de terem seus direitos desrespeitados, nunca deixaram de executar seu trabalho com o mesmo empenho”, destacou o presidente da Federação dos Professores do Estado de São Paulo (Fepesp), Celso Napolitano.

Participação do RS

No Rio Grande do Sul, as pendências salarias têm sido constantes. Colégios e centros universitários da Rede promoveram diversas paralisações desde o último ano. Recentemente, os professores do Centro Educacional Metodista de Passo Fundo estiveram parados por 55 dias em função das pendências de quase cinco salários.

“Temos acompanhado a situação dos professores metodistas. A direção se nega a negociar e não da qualquer perspectiva de regularização. Vemos com muita tristeza o desmonte de instituições históricas”, afirma Margot Andras, diretora do Sinpro/RS.

O que foi decidido

Entre as medidas aprovadas pelo coletivo estão a realização de um estudo jurídico sobre a possibilidade de ação nacional contra as instituições metodistas e a solicitação, via Confederação (Contee), de uma reunião com o Ministério Público Federal. Também foram feitas propostas de exigência de datas fixas de pagamento de salários atrasados e de estabilidade de emprego enquanto não houver comprovação financeira para o pagamento das verbas rescisórias conforme legislação vigente.

Além disso, serão feitos estudos e ações jurídicas e políticas que permitam interferência nas determinações do próximo Concílio da Igreja Metodista em 2021, com a retomada da autonomia das Instituições Metodistas de Educação.

 

 

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