JUSTIÇA

Bolsonaro e Mourão abandonaram programas de combate ao racismo

O discurso negacionista em relação ao racismo assumido pelo presidente e o vice que governam o país desde 2018, na prática, condena mais de 30 mil jovens negros à morte todos os anos
Por Gilson Camargo* / Publicado em 23 de novembro de 2020
Aos protestos pelo assassinato de João Alberto, em Porto Alegre, Bolsonaro e Mourão reagiram com o desdém e a indiferença de sempre

Foto: Igor Sperotto

Aos protestos pelo assassinato de João Alberto, em Porto Alegre, Bolsonaro e Mourão reagiram com o desdém e a indiferença de sempre

Foto: Igor Sperotto

O relatório técnico preliminar “Direitos da População Negra e Combate ao Racismo”, elaborado pela Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, aponta que o governo federal não tem executado grande parte dos programas de combate do racismo e à violência contra a população negra e outros grupos em situação de vulnerabilidade.

De acordo com indicadores do Ipea, os homicídios que têm como vítimas pessoas negras aumentaram 11,5% em uma década, já o percentual entre não negros teve queda de 12,9%. Em 2018, primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (sem partido), mais de 30 mil jovens dos 15 aos 29 anos foram assassinados, ou 54% do total de homicídios no país.

O relatório técnico da Câmara dos Deputados foi solicitado pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, deputado Helder Salomão (PT-ES), para dar subsídio ao Observatório Parlamentar da Revisão Periódica Universal, uma parceria entre a Câmara e o Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos.

“Os achados do estudo técnico são gravíssimos. Estamos vivendo no Brasil um momento de muitos retrocessos, o governo destrói conquistas já feitas. É um conjunto de violências simbólicas que viabilizam a legitimação, a tolerância e o estímulo ao racismo”, destaca Salomão.

Bolsonaro desdenha até dos líderes do G20 ao negar o racismo que ele insufla no país

Foto: Reprodução

Bolsonaro desdenha até dos líderes do G20 ao negar o racismo que ele insufla no país

Foto: Reprodução

Ao comentar o assassinato do soldador João Alberto Freitas, espancado e morto na noite de 19 de novembro por seguranças do Carrefour em Porto Alegre, Mourão deu uma declaração cínica em uma coletiva: “no Brasil não existe racismo. Isso é uma coisa que querem importar, mas racismo não existe aqui”. No sábado, Bolsonaro provocou mais constrangimento e repulsa ao criticar a líderes do G20 os protestos que varreram o país após o crime de racismo.

Assassinato de jovens

O general Mourão, que já falou em "branqueamento da raça", diz que no Brasil não existe racismo

Foto: Reprodução

O general Mourão, que já falou em “branqueamento da raça”, diz que no Brasil não existe racismo

Foto: Reprodução

O documento alerta, por exemplo, que o Plano Nacional de Enfrentamento ao Homicídio de Jovens, previsto na Lei 13.675/18, nunca foi implementado. Segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública, esta iniciativa, que faz parte do Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, está em processo de revisão na Coordenação-Geral de Políticas para a Sociedade.

O relatório informa também que o “Juventude Viva”, principal programa de prevenção e combate ao homicídio de jovens do governo federal, foi descontinuado em 2019. O Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos diz que o programa está em fase de reformulação.

Segundo o Atlas da Violência 2020, quase 31 mil jovens entre 15 e 29 anos foram mortos em 2018. Esse número equivale a cerca de 54% do total de registros. O levantamento mostra ainda que os casos de homicídio de pessoas negras (pretas e pardas) aumentaram 11,5% em uma década, já o percentual entre não negros teve queda de 12,9%.

Violência policial e tortura no sistema prisional

Máquina de matar: a PM de São Paulo que massacra os jovens negros da periferia é a mesma que reprime com violência o movimento negro

Foto: Rovena Rosa/ Agência Brasil

Máquina de matar: a PM de São Paulo que massacra os jovens negros da periferia é a mesma que reprime com violência o movimento negro

Foto: Rovena Rosa/ Agência Brasil

A violência do Estado contra a população negra é exercida pelas polícias, especialmente por meio da truculência da Polícia Militar que é mais letal contra jovens negros das periferias, e pelo sistema prisional, onde a tortura é uma prática cotidiana. Em uma pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva para a Central Única das Favelas (CUFA), 94% dos 1.652 entrevistados afirmaram que uma pessoa negra tem mais chances de ser abordada de forma violenta ou ser morta pela polícia do que uma pessoa branca. O anuário da Violência elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que 75% das vítimas que morrem nas mãos de policiais militares são negras. Levantamento da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro apontou que de cada mil denúncias de pessoas presas submetidas a tratamentos desumanos ou degradantes, 720 são negras.

O relatório da Câmara dos Deputados revela que o Ministério da Justiça e Segurança ainda não instituiu mecanismos de registro, acompanhamento e avaliação, em âmbito nacional, dos órgãos de correição, medida exigida pelo Decreto 9.489/18.

PRÓ-EQUIDADEJá o Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça, lançado em 2005, está suspenso desde o final de 2018. Esse programa previa novas formas na gestão de pessoas, que incluiriam o combate a discriminações e desigualdades de gênero e raça no ambiente de trabalho.

Segundo a Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres, deve haver uma nova edição do programa, mas não há cronograma.

SAÚDE INTEGRAL – O relatório da Consultoria Legislativa indica que a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra não está sendo implementada na prática, pelo menos desde 2019. Pelas respostas enviadas pelo Ministério da Saúde, não foi citada qualquer iniciativa relevante no âmbito da política nos anos de 2019 e 2020.

Segundo o relatório, ficou depreendido das respostas que hoje não há coordenação, monitoramento e avaliação dessa política.

FINANCIAMENTO – O relatório aponta que os recursos executados no âmbito do programa de Bolsas Permanência nas Universidades caíram de R$ 172,3 milhões em 2017 para R$ 162,9 milhões em 2019. Também diminuíramos os financiamentos através do Programa de Financiamento Estudantil (Fies): em 2017, foram concedidos 176 mil financiamentos. Em 2019, apenas 85 mil.

O total de bolsas de estudos poderá ter uma redução ainda maior se for aprovada a extinção das isenções de PIS e Cofins às instituições particulares que participam do Prouni. A medida está prevista em projeto do governo que compõe a reforma tributária (PL 3887/20).

Políticas sociais de proteção e equidade foram abandonadas ou descontinuadas pelo governo

Foto: Igor Sperotto

Políticas sociais de proteção e equidade foram abandonadas ou descontinuadas pelo governo

Foto: Igor Sperotto

QUILOMBOLAS – Para as políticas públicas voltadas aos quilombolas, os recursos executados caíram de cerca de R$ 26 milhões em 2014 para pouco mais de R$ 5 milhões em 2019. Em 2020, o Executivo extinguiu a ação de Fomento ao Desenvolvimento Local para Comunidades Remanescentes de Quilombos e Outras Comunidades Tradicionais.

Já o orçamento executado para titulação de terras quilombolas caiu de aproximadamente R$ 23 milhões em 2014 para R$ 3 milhões em 2019.

IGUALDADE – Segundo o relatório, a Fundação Cultural Palmares teve o orçamento drasticamente reduzido. Em 2012, foram executados cerca de R$ 6,5 milhões nas políticas da fundação. Em 2019, o valor caiu para R$ 837,7 mil. Até o final de setembro de 2020, a fundação executou menos da metade do dinheiro empenhado para este ano.

Foram reduzidos ainda os recursos para a Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Em 2012, foram executados cerca de R$ 5 milhões. No ano passado, pouco mais de R$ 800 mil.

Na estrutura da secretaria, foi extinto, por decreto do governo federal, o Comitê de Articulação e Monitoramento do Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial.

Já o Ministério da Economia extinguiu o Fórum Interconselhos, criado pelo antigo Ministério do Planejamento e pela Secretaria-Geral da Presidência da República, que monitorava, junto com a sociedade civil, agendas transversais como o combate ao racismo, nos planos plurianuais. O ministério informou que a política foi encerrada em 2018.

Em 2014, o fórum foi premiado pela Organização das Nações Unidas (ONU) como exemplo de iniciativa no serviço público (United Nations Public Service Awards).

*Com informações da Agência Câmara.

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