JUSTIÇA

TRF4 mantém proibição de pulverização aérea de agrotóxicos em áreas próximas ao assentamento de Nova Santa Rita

Decisão de segunda instância determina ainda que produtores de arroz e soja convencionais cessem a aplicação de qualquer modalidade dos herbicidas 2,4-D e Loyant na Granja Nenê
Da Redação / Publicado em 24 de março de 2021
Justiça Federal vetou pulverizações em aéreas próximas ao assentamento

Foto: Divulgação

Justiça Federal vetou pulverizações em aéreas próximas ao assentamento

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O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) manteve um recurso ajuizado pelo fazendeiro João Carlos Fontana Hanus, acusado pelas derivas de agrotóxicos lançadas contra os agricultores familiares do assentamento Santa Rita de Cássia, no município de Nova Santa Rita, região metropolitana de Porto Alegre, mas proibiu a pulverização de agrotóxicos com aeronaves nas proximidades dos assentamentos.

No recurso, o acusado buscava reverter a decisão de primeiro grau da juíza Clarides Rahmeier, da 9ª Vara Federal, que no dia 12 de março determinou a imediata suspensão do uso de agrotóxicos na propriedade enquanto não forem estabelecidas normas específicas pelas autoridades de controle e fiscalização para pulverização de defensivos agrícolas sem que a atividade atinja direito de terceiros. A multa por descumprimento é de R$ 100 mil.

Na última terça-feira, 23, o desembargador Cândido Alfredo Leal Júnior, da 4ª Turma do TRF4, manteve a decisão liminar da juíza, mas no intuito de conciliar o direito de agricultura orgânica com a agricultura promovida pelo acusado delimitou a proibição, sob qualquer modalidade de aplicação, do uso dos compostos 2,4-D e Loyant (composição química Florpirauxifen-Benzil), e também do uso mediante pulverizações aéreas próximas ao assentamento de agrotóxicos em geral.

Além disso, o desembargador Leal Júnior determinou que o granjeiro também poderá ser responsabilizado se outras formas de defensivos agrícolas danificarem a propriedade vizinha.

De acordo com o advogado Emiliano Maldonado, da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap), a decisão manteve a proteção dos agricultores e reconhece os riscos de danos que a pulverização aérea tem ocasionado na produção agroecológica do assentamento. A sentença evidencia que ninguém está isento de responsabilização por danos causados pela utilização de agrotóxicos, ressalta.

Mesmo depois da liminar, as famílias sofreram um ataque aéreo na última semana, com claro intuito de retaliação pelas suas denúncias e em total afronta ao poder judiciário, ressalta. “Várias pessoas tiveram que ser atendidas com sintomas de intoxicação.  Elas relataram um forte odor, dores de cabeça e mal estar, inclusive, o prefeito da cidade que foi até o local prestar solidariedade às famílias atingidas pelo produto químico jogado do avião, também, se sentiu mal”, destaca Maldonado.

A pulverização de veneno sobre o assentamento é investigada pela polícia civil e foi denunciada ao Ministério Público e à Justiça Federal. O Ministério Público Federal relatou em seu parecer que diante da gravidade dos fatos apresentados pelas famílias foi requisitada a instauração imediata de inquérito policial pela Polícia Federal para investigar e analisar a necessidade de se adotar medidas coercitivas para impedir a atividade nociva à saúde pública e ao meio ambiente.

Na ação, sem-terras relatam devastação

Nos últimos meses, várias famílias assentadas que possuem certificação orgânica perderam a sua produção de alimentos agroecológicos, pois foram vítimas da deriva ocasionada pela pulverização aérea de agrotóxicos que atingiu suas casas, hortas, aquíferos, pastagens, pomares de árvores frutíferas e vegetação nativa. Além disso, os próprios camponeses recorreram ao serviço de saúde com sintomas de intoxicação em decorrência da pulverização deliberada de veneno.

Os sem-terra ingressaram na 9ª Vara Federal de Porto Alegre com uma ação civil pública com o apoio da Associação Gaúcha de Proteção Ao Ambiente Natural (Agapan), Instituto Preservar, Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Ingá), Núcleo Amigos da Terra – Brasil, Associação Comunitária 29 de Outubro, Associação Amigos do Meio Ambiente (AMA) e Cooperativa Central dos Assentamentos do Rio Grande do Sul (Coceargs). A medida cautelar para suspender a utilização indiscriminada de agrotóxicos por um fazendeiro vizinho do assentamento foi acatada pela justiça no dia 12 de março. A ação é contra a União, o proprietário do imóvel rural, a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e o estado do RS.

Na ação, os autores narraram que, entre os dias 10 e 12 de novembro de 2020 e no dia 16 de fevereiro deste ano, produtores da agricultura familiar dos municípios de Nova Santa Rita e Eldorado do Sul tiveram suas produções orgânicas atingidas pela deriva de agrotóxico causada pela pulverização aérea em lavouras de arroz.

Segundo eles, a aplicação do agrotóxico ocorreu em dias ventosos e não observou as normas técnicas de uso e aplicação deste produto, especialmente por meio aéreo pondo em risco à saúde e causando diversos danos no meio ambiente natural e na produção dos agricultores da região. O uso irregular atingiu produtores convencionais e orgânicos num raio de, aproximadamente, 30 quilômetros de distância.

Os sem-terra relataram que as culturas que sofreram maiores danos foram as hortas e pomares orgânicos. Em um dos locais, 20 das cem famílias assentadas perderam a totalidade de suas produções. Também ocorreu a contaminação das águas e plantas aquáticas (açudes e aguapés), intoxicação de agricultores, mortes de animais domésticos e aves, adoecimento por intoxicação de animais de criação (vacas, bezerros, galinhas, patos). Insetos polinizadores desapareceram das propriedades devido à ação dos venenos.

No dia 12 de março, a Justiça Federal, em decisão liminar, deferiu o pedido e determinou a suspensão de uso de agrotóxicos na Granja Nenê, reconhecendo aos assentados o direito de produzir alimentos agroecológicos e determinando que os órgãos responsáveis assegurem e limitem esse tipo de pulverização de herbicidas. A sentença estabeleceu que a União e o estado do RS entreguem em 30 dias os laudos conclusivos das amostras coletadas.

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