JUSTIÇA

Bispos rompem com a Universal em Angola e revelam esquema montado por pastores para desviar R$ 600 milhões

Lideranças utilizavam fiéis e familiares para simular peregrinações ao Templo de Salomão com o objetivo de transportar valores para outros países da África, Israel e Brasil
Da Redação / Publicado em 22 de dezembro de 2021

Foto: Iurd/Reprodução

Igreja Universal em Angola no centro de um escândalo com ramificações no Brasil

Foto: Iurd/Reprodução

Quatro líderes da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) em Angola são alvo da justiça, acusados de lavagem de dinheiro e associação criminosa, depois que uma rebelião de bispos e pastores angolanos denunciou, em 2019, um esquema internacional de desvio de recursos envolvendo a igreja. A Iurd alega que foi vítima de golpe e nega as acusações.

O escândalo vem sendo acompanhado pelo escritor e jornalista brasileiro Gilberto Nascimento, autor do livro O reino: A história de Edir Macedo e uma radiografia da Igreja Universal (Cia das Letras, 2019, 384 p.). Segundo ele, os bispos que romperam com a instituição revelaram que eram organizadas caravanas para Israel e para o Brasil para retirar dinheiro ilegalmente de Angola.

As lideranças da Universal estão em julgamento desde novembro. Nascimento acompanhou o depoimento deles ao judiciário sobre a atuação da igreja brasileira em Angola. Segundo o escritor, os bispos revelaram em detalhes como o dinheiro arrecadado pela Universal era enviado para o exterior de forma ilícita.

As denúncias foram feitas por um grupo de mais de 300 pastores e bispos da denominada “Reforma”, setor da igreja que rompeu com o comando brasileiro da Iurd.

“Segundo esses membros, quase a totalidade do dinheiro arrecadado acabava saindo de maneira ilegal do país. Uma das maneiras era por carros, via estradas da Namíbia até a África do Sul. Esse dinheiro seria levado em malas, no forro dos carros, nas portas, e até nos pneus”, relatou o jornalista à rádio pública RFI, da França, que produz conteúdo em português e em outros 17 idiomas.

“Outra forma de evasão seria a organização de caravanas, de peregrinações de fiéis para o Templo de Salomão no Brasil ou para Israel e ainda para outros países da África, como a África do Sul e Moçambique. Eram grupos de 100, 200 e até 300 pessoas, principalmente pastores e suas esposas, e também obreiros e fiéis da igreja. Cada uma dessas pessoas costumava levar entre US$ 10 mil e US$ 15 mil”, detalhou.

O esquema movimentava cerca de US$ 30 milhões por trimestre, de acordo com a denúncia, o que totaliza US$ 120 milhões (mais de R$ 600 milhões). “E muitos desses recursos ajudaram até a manter a TV Record Internacional. Outros recursos eram investidos em outros países onde a igreja procurava crescer”, afirma Nascimento.

PORTUGAL – O caso reforçou uma delação feita pelo ex-bispo da Universal, Alfredo Paulo, em Portugal, e que também respondeu para igreja na Venezuela. De acordo com o escritor, o ex-bispo admitiu que ele mesmo era o encarregado de receber esses valores em dinheiro em Portugal, que vinham da África do Sul. “Ele foi a primeira pessoa a relatar o envio de dinheiro da África para o Brasil e para a Europa. Ele dizia que o Edir Macedo costumava ir para Portugal, de Portugal pegava o seu próprio avião e ia até a África do Sul, e voltava com estes recursos”, relata o escritor.

Conforme os depoimentos dados durante o julgamento, que está ocorrendo em Luanda, também haveria desvio de dinheiro através da contratação de obras com empreiteiras portuguesas e pela compra de horários na TV Record África pela Iurd.

Rastros de fraudes na América Latina

De acordo com Gilberto Nascimento, essa não é a primeira vez que a Iurd sofre processos internacionais. “Ao longo dos últimos 20, 30 anos, a igreja já teve muitos problemas. Tem processos na Argentina, por supostas transações financeiras ilegais, já houve problema no Chile”, aponta. Mas ele ressalva que nenhuma outra tentativa foi tão ousada e lembra que a Record teve sua emissora de televisão suspensa em Angola e a Iurd perdeu o controle sobre a instituição naquele país.

A denúncia em Angola repercutiu em outros países da África. “Há ensaios de uma rebelião de bispos também na África do Sul e em Moçambique. Existem grupos de bispos e pastores insatisfeitos com a ala brasileira da igreja”, diz Nascimento.

Pressão sobre Bolsonaro

Nascimento, que foi repórter de política, religião e direitos humanos durante 40 anos, trabalhou na TV Record, Folha de S. Paulo, O Globo, O Estado de S. Paulo, Correio Braziliense e IstoÉ.

O jornalista revela que o líder da Iurd, bispo Edir Macedo, aliado de Bolsonaro, pressionou o presidente brasileiro para que o apoiasse quando eclodiu o escândalo.

Bolsonaro enviou uma carta ao presidente angolano João Lourenço, pedindo que intercedesse em favor dos brasileiros. Depois tentou indicar o bispo da Universal e ex-prefeito do Rio, Marcelo Crivella, para ser embaixador do Brasil na África do Sul. A indicação acabou retirada em novembro, depois de cinco meses sem resposta do presidente sul-africano.

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